Capítulo 6
A culpa e o arrependimento sempre foram sentimentos muito pesados. Por isso, parecia que uma carga muito grande tinha sido retirada das costas de Anne, quando ela atendeu a porta e viu Harry sorrindo contido. De tal forma, que ela passou muito tempo abraçada ao filho, chorando, pedindo desculpas e segurando o seu rosto afim de conferir se estava tudo bem.
Ela fez um escândalo tão grande que chamou a atenção de Des, Zayn, Liam e Georgia que estavam esperando o almoço ser servido na sala de jantar. Eles correram até a porta por estarem preocupados com o que poderia ter acontecido e ficaram boquiabertos ao ver Anne abraçada com Harry.
Foi uma balbúrdia gigantesca porque todos eles se alternaram para abraçar Harry, chorar e falar ao mesmo tempo. Parecia que iriam explodir feito fogos de artifício, além disso mal eram capazes de acreditar que estava abraçando Harry novamente e sentindo o cheiro de morango que exalava de seu cabelo.
Ele não sabia a quem respondia, nem conseguia consolar a sua mãe chorosa. Até que Des percebeu que aquela algazarra não levaria a nada e que, talvez, Harry estivesse cansado da viagem. Por isso, ele achou que era hora de colocar um pouco de ordem e racionalidade na situação, quando voltou da cozinha com o copo de água com açúcar para deixar Anne mais calma.
"Calma, gente. Vamos todos almoçar porque Harry deve estar faminto. Depois conversamos com mais tranquilidade." Falou com a voz alta e grave, sobrepondo o falatório da sala. Por conseguinte, cinco pares de olhos se voltaram para Harry que assentiu em concordância.
Ele havia saído cedo de casa com o carro que Louis alugara e passara toda a manhã viajando, uma vez que, a distância entre a vinícola de sua família e a casa de Louis não era pequena. Ele realmente estava cansado e faminto, por isso acenou em afirmativo para a sugestão do pai. E todos, por mais curiosos que estivessem, priorizaram o almoço. Além disso, Harry não tinha muita vontade de responder a tantas indagações, logo seria maravilhoso encher a boca de comida para não falar.
"Coloquem mais um prato na mesa." Anne pediu, puxando Harry pela mão e levando-o até uma cadeira como se aquela não fosse a casa na qual ele vivera toda sua vida. Ele sabia exatamente onde se sentar porque era ali que comia desde que se entendia como ser humano.
A sala de jantar continuava iluminada pela luz do sol como sempre fora e um cheiro maravilhoso de comida dominava todo o ambiente. Harry sorriu ao perceber o quanto sentia falta de casa e da comida daquele lugar. Havia passado uns seis meses desde que Harry fugira, no entanto nada na casa parecia ter mudado. A sala de jantar ainda tinha a mesma mesa quadrada com oito cadeiras que foram devidamente ocupadas por aquela família.
Tudo ficou em completo silêncio, exceto pelo barulho dos talheres se chocando contra os pratos. Porque ninguém sabia o que falar e corriam o risco de voltar a bombardear Harry com as milhões de perguntas que estavam fazendo pouco tempo atrás. No entanto, assim que terminou de colocar sua comida no prato, Anne fez a pergunta que ninguém aguentava mais guardar entre os lábios. "Harry, por onde você esteve?"
Eles passaram meses procurando por Harry, porém ninguém sabia informar seu paradeiro. Mesmo depois de anúncios de desaparecido e do trabalho de inúmeros detetives, não houve sequer uma pista de onde ele estava e ninguém também sabia informar quem era o cara moreno com quem Harry havia fugido. Portanto, as buscas se tornaram menos frequentes com o passar do tempo, até que desistiram de procurar.
Harry não queria entrar nesses assuntos, era muito complicado pensar em sua fuga e pensar em Louis. Mas ele sabia que voltar para casa traria à tona assuntos complicados demais, os quais ele fazia de tudo para evitar como evitava tudo em sua vida que demandava esforço. Ainda assim, ele havia decidido voltar, logo deveria arcar com as consequências da sua decisão.
Ele demorou de responder por buscar uma resposta em que não precisasse se aprofundar demais no assunto. Ele queria ser o mais omisso que pudesse. Conduto, não sabia como informar o local que estava porque a única coisa que ele sabia era que estava na casa de Louis.
"Eu estou morando com Louis." Ele disse simplesmente, sem dar mais explicações. Era óbvio que ninguém além dele sabia quem era Louis. No entanto, ele só esclareceria se alguém lhe indagasse.
"Está morando? Isso quer dizer que você não voltou para ficar?" Des perguntou, franzindo as sobrancelhas. Ele tinha certeza que seu filho estava de volta para ficar, até porque acreditava que se Harry voltasse algum dia seria por estar arrependido e por precisar do perdão e da ajuda da família.
"Não, papai. Eu só estou fazendo uma visita." Harry explicou com a voz baixa, colocando um pouco de comida na boca para, ao menos, ganhar um pouco de tempo antes de ter que responder mais perguntas daquele interrogatório.
"Harry, a sua casa é aqui. Por que você não vai voltar a ficar conosco?" Anne perguntou, segurando o garfo. Assim como o marido, ela esperava que o filho ficasse permanentemente. E se sentia traída ao saber que ele estava optando por morar com desconhecidos a ficar com a família.
Harry tinha vontade de responder que era porque eles o venderam na primeira oportunidade que tiveram. Porém, ele não voltara para fazer acusações e se fazer de vítima. Só queria se certificar de que estava tudo bem com eles e deixar claro que ele estava vivo, bem e feliz. Seu intuito era de tirar a preocupação, não de aumentar o arrependimento de ninguém. Ainda que uma parte rancorosa de si quisesse jogar umas verdades na cara de todo mundo ali.
"Depois falamos sobre isso, mamãe." Ele mentiu. Adiaria essa conversa até o outro dia de manhã, quando fosse hora de voltar para a casa de Louis. Porque Anne era extremamente insistente e difícil de convencer e era característico de Harry fugir de coisas difíceis.
O silêncio voltou a reinar no ambiente. Porque Des e Anne se alimentaram da certeza de que haveria mais chances de conversar seriamente com Harry. Zayn e Liam não ousaram dizer nada por não acharem que o assunto dizia respeito a eles. E Harry preferiu comer calado, encarando a pintura abstrata no quadro da parede.
"Quem é Louis?" Liam, que estava sentado ao lado de Harry murmurou. No entanto, Zayn e Georgia escutaram e prestaram atenção no que Harry responderia já que estavam tão curiosos quanto Liam.
Os olhos de Harry se arregalaram e seu coração disparou. Quem era Louis? Ele não sabia responder. Apenas nesse momento se deu conta de que não sabia nada sobre ele, não sabia sua profissão, não conhecia sua família tampouco sabia o status do relacionamento deles. Ainda assim, ele deu a resposta mais agradável para si mesmo e que calaria a boca de seus irmãos. Porque era óbvio que eles contestariam sua decisão se contasse que estava morando com um desconhecido.
"Meu namorado." Ele respondeu em meio a um pigarro e, novamente, encheu a boca de comida para ganhar tempo.
Os outros três se olharam com os olhos arregalados, por não terem a mínima ideia de que Harry namorava. Eles esperavam qualquer coisa, exceto que Harry estivesse namorando alguém. Até porque, Harry era virgem quando saíra de casa e só havia beijado poucas bocas. Ele sempre dissera que queria um relacionamento, mas nunca fazia nada para estar em um. Era como a Rapunzel, fechado em uma torre e esperando o príncipe aparecer.
"Você está namorando. Que notícia boa." Zayn disse, sorridente, depois que conseguiu processar as palavras de Harry. Seus olhos brilhavam em curiosidade e descrença, mas ele guardou todas as perguntas porque Des chamou a atenção de Liam para perguntar sobre o marido dele.
Para a alegria de Harry, eles começaram a falar sobre a produção de vinhos e exportações. Como esse assunto não o interessava, ele ignorou a conversa e se perdeu em seus próprios pensamentos, até que sentiu um pé cutucar sua perna.
"Harry, seu namorado é gostoso?" Georgia sussurrou para ele.
Ela era a sua melhor amiga de infância. Por isso, eles estavam acostumados a compartilhar segredos. Era uma pena que não pudessem manter a proximidade que tiveram outrora, porém sempre que se viam era como se não houvesse distância alguma. Como de costume, ela fez perguntas que deixou Harry constrangido e aumentou sua certeza de que não importa quanto tempo passasse, ele nunca se acostumaria com o jeito dela.
"Perdão?" Harry estava de olhos arregalados e queixo caído. Abandonara os talheres no prato e ficou encarando a cunhada com as sobrancelhas franzidas.
Ele se lembrou do corpo de Louis e sentiu as bochechas arderem como acontecia quando ele sentia os músculos firmes junto ao seu corpo nas vezes que ele pegaram no sono enquanto estavam lendo. Sua mente se atormentou com a lembrança do cheiro amadeirado e do gosto dos lábios de Louis. Imediatamente, ele se sentiu aquecido e ele se recriminou porque ali não era lugar e nem hora de sentir tesão em Louis. Em consequência, soltou um riso involuntário e coçou a nuca, sem saber se sobreviveria àquele constrangimento.
"Estou perguntando se ele é bonito." Georgia sorriu com os lábios cerrados, se divertindo com o embaraço dele.
Harry bebeu um pouco de água fresca, tentando conter o calor que se apossou de seu corpo. A vergonha que sentiu pela pergunta feita nublou seus pensamentos e, antes que pudesse conter as palavras que saíam de sua boca, disse: "Na verdade, eu nunca vi o rosto dele."
"O quê?" Liam perguntou o mais baixo que pode. Apesar de estar alarmado com o que ouvira, não queria que Anne e Des soubesse para evitar mais conflitos, já bastavam os que estavam por vir.
Harry quis engolir o que dissera da mesma forma que estava engolindo a comida. Contudo, isso não era possível. Sua mente começou a trabalhar velozmente afim de encontrar uma desculpa, mas era uma busca infrutífera.
Eles nem perceberam que Liam tinha desviado a atenção da conversa que estava tendo com os pais e passara a prestar atenção nos seus sussurros. Porém não havia mais volta porque Liam já o encarava de maneira incisiva, seus olhos em fendas deixando claro que ele não daria descanso até saber a verdade.
Harry desviou os olhos para o chão, por não se sentir capaz de aguentar o escrutínio dos seus irmãos e cunhada. Ele se sentia muito idiota por ter deixado isso escapar porque aquela era uma informação que atiçaria a curiosidade de todos, o que o obrigaria a dar muitas justificativas. E para piorar, ele não tinha justificativas convincentes.
"Ele usa uma máscara." Respondeu relutante, se remexendo na cadeira e mordiscando o lábio inferior.
"Usa máscara por quê?" Georgia perguntou em voz alta por estar surpresa demais para se dar conta que havia chamado atenção de todos que estavam presentes na mesa.
Harry sentiu vontade de se encolher até sumir ante os cinco pares de olhos que lhe encaravam. Porque ele odiava a sensação de que todo mundo estava julgando cada decisão que ele tomava em sua vida. Ele só queria falar sobre si sem receber tantos olhares críticos como era costumeiro.
"Eu não sei. Nunca perguntei." Com os braços cruzados de frente ao corpo e os olhos encarando o tapete macio que estava debaixo da mesa, ele murmurou.
"Do que vocês estão falando?" Anne perguntou sorrindo com os olhos brilhando de curiosidade. Seu coração estava calmo por finalmente estar com a família completa, por isso ela passava todo o tempo distribuindo sorrisos.
"Nada demais." Harry falou rapidamente, com os olhos vagando pela sala. Estava desesperado para encontrar qualquer coisa que servisse como pivô para uma mudança de assunto. Até que seus olhos astutos pararam no colar dourado que adornava o pescoço do irmão. "Zayn, que colar bonito. Isso é um G de Georgia?"
"Sim." Zayn respondeu, corando e sorrindo contido. Ele se remexeu no acento e Harry franziu as sobrancelhas sem entender porque ele parecia tão incomodado. No entanto, ele resolveu continuar com o assunto.
"Oh! É presente adiantado de aniversário de casamento?" perguntou, como se tivesse muito interessado no colar aleatório. Ele observou Liam tentar alcançar o vaso com água sem ter sucesso. Como estava mais perto da água, se encarregou de servir o irmão.
Harry achava que esse deveria ser apenas mais um dos milhões de presentes que Zayn ganhava da esposa. Ele vivia adornado de jóias, perfumes e roupas absurdamente caras. Parecia que presentear o marido era o maior hobbie de Georgia. Isso deixava Anne encantada com a nora e felicíssima com o casamento lucrativo que conseguira para o filho do meio. Mas ele se fingia de curioso e forçou esse assunto para que esquecessem da vida dele, ao menos, por alguns minutos.
"Não. É para ficar no lugar da coleira de submisso dele. Você sabe, não é muito aceitável sair de coleira por aí." Georgia disse, sorrindo com o canto da boca. E o mais incrível era que ela não parecia ter vergonha de dizer um absurdo desses em voz alta.
Ela continuou comendo como se tivesse comentado como o dia estava ensolarado e mal notou o modo que Harry ficou estarrecido e sem conseguir pronunciar uma palavra. Entretanto, ao menos Zayn parecia se envergonhar, se seus lábios comprimidos e a vermelhidão da sua pele fosse indicativo de algo.
Já Liam não teve a sorte de reagir silenciosamente e tossiu, ao se engasgar com a água que estava bebendo. Ele começou a ficar muito vermelho e não parecia que estava respirando. Para alguém tão conservador como Liam, era sempre um choque saber das aventuras sexuais que Zayn tinha com a esposa. A verdade é que ninguém gostava muito dessas informações. Mas eles eram um casal tão aberto que não se importavam de expor tudo para onde fossem.
"Liam, amor. Está tudo bem? Bebe um pouco de água." Anne perguntou alarmada, sem entender o que estava acontecendo por não ter ouvido as palavras da nora. Até porque, se tivesse escutado, era capaz dela desmaiar. Harry pensava que aquele almoço não precisava de um espetáculo maior, mas estava satisfeito porque ninguém se recordava mais das perguntas que tinha que lhe fazer.
💘
Louis estava tão preocupado que estava sendo difícil se concentrar no livro que ele tentava ler. Essa já era a terceira vez que ele lia a mesma página e não conseguia absorver seu conteúdo. Se alguém perguntasse, ele não saberia dizer nada do que estava escrito ali. Tudo a sua volta o incomodava e o lugar que ele criara com o único intuito de transmitir paz só servia para trazer tormento.
Depois de passar tantos dias com Harry no jardim, ficar ali sem ele era insuportável. Harry era inquieto, por isso ficava o tempo todo se mexendo, mastigando, suspirando ou interrompendo a leitura. No início, Louis não gostava muito de ler com ele por causa disso. Mas, nesse momento, o silêncio estava incomodando demais e atrapalhando sua concentração.
Além disso, só a presença de Louis era suficiente para transformar paz em tensão. Porque a visita que Harry estava fazendo aos pais o deixava deveras aflito. Isso porque, para ele, era impossível confiar nos seus sogros e nos seus cunhados quando eles estavam obrigando Harry a casar pouco tempo atrás.
Louis respirou fundo e sentiu um conhecido cheiro de rosas, fechou o livro e deixou em cima da mesa. Simultaneamente, Afrodite surgiu no meio do jardim e caminhou até onde ele estava. Ela não disse nada até estar sentada confortavelmente num dos banquinhos. E, sem dar oi ou perguntar como Louis estava, falou: "Quero saber porque você está demorando tanto de fazer o que eu pedi."
Louis sabia que essa hora chegaria, que algum momento teria que enfrentar a mãe. Nenhum deus grego esquecia de uma vingança, Afrodite não agiria de maneira diferente. Mesmo que soubesse disso, ele não se preocupou em inventar uma desculpa para mãe. Até porque, ela tinha como saber o que ele estava escondendo.
"Eu ainda não tive como..." Ele começou a falar, torcendo para que a mãe ficasse com muita raiva e não prestasse atenção suficiente nele. Porque uma coisa era enfrentar uma Afrodite vingativa. Outra era lidar com ela reagindo a ele sendo alma gêmea de um mortal.
"Não ache que eu não sei que você está dando abrigo para ele." Afrodite interrompeu de olhos cerrados, colocando os punhos fechados com força sobre a mesa. Sua ira era tanta e deixava o ar tão carregado que todos os passarinhos que estavam cantando no jardim voaram para longe, como se antevissem perigo.
"Sim, ele está morando aqui. Mas eu tenho um motivo..." Louis pigarreou, se preparando para argumentar. Era o momento de inventar uma boa desculpa. Ele já havia lidado diversas vezes com a mãe irritada. Portanto, estava acostumado e sabia como agir diante do seu estresse. Mas também sabia que ela não seria ludibriada facilmente.
"Que seria?" O modo que Afrodite arqueou as sobrancelhas deixou claro que ela não se convenceria tão fácil. A primeira resposta que passou pela cabeça de Louis foi: porque ele é minha alma gêmea. Porém ele se freou e não disse nada.
Ele esfregou as palmas, lambeu os lábios e engoliu a saliva, se preparando para mentir. Contudo, como sempre acontecia, as palavras ficaram presas em sua garganta, uma vez que, suas cordas vocais não funcionaram. Isso porque a falsidade não fazia parte da natureza do amor. Por isso, Louis não conseguia mentir e era incapaz de enganar alguém que amava.
Por fim, ele respirou fundo e se alimentou da crença que a verdade seria sempre a melhor coisa que ele poderia oferecer a alguém. "Mãe, você lembra quando eu te perguntava sobre minha alma gêmea?"
As sobrancelhas de Afrodite se franziram. Visto que era inacreditável que, depois de séculos, Eros ainda insistisse nessa história. Era devido a isso que ela se arrependia de quando contou sobre a separação das almas para o filho. Porque parecia que ele nunca seria capaz de superar essa história.
Talvez ficar juntando as almas separadas não fizesse tão bem a ele. O desejo de algo tão humano não faria bem para um deus. Nunca havia feito, nem mesmo para Zeus, o mais poderoso entre eles.
A cólera queimava nos olhos dela e parecia fogo se espalhando em plantação de trigo. Seu punho se chocou contra a mesa no mesmo momento em que ela gritou: "Por Zeus! Eros, eu não acredito que você ainda não esqueceu essa tolice."
"Mas..." Ele tentou argumentar com um sussurro frágil. A consequência do cansaço de quem sempre tentou ser ouvido e compreendido. Mas que nunca teve sucesso.
Aquela cena se repetia constantemente. Eros sempre querendo contar como se sentia incompleto e Afrodite insistindo que ele nunca poderia se sentir assim, que ele era superior a esse sentimento. Mas não havia como ser superior a si mesmo.
Eros era o amor puro e carnal. A manifestação mais necessitada desse sentimento. Era o amor que nunca pode estar sozinho, que nunca poderia ser unilateral. O amor que todo mundo almejava, mas que era perigoso por impedir as pessoas de agirem com racionalidade.
Para os gregos, existiam sete tipos de amor: o próprio, o fraterno, o paterno, o universal, o pragmático, o prazeroso e o romântico. Este,o amor eros, era o único que dependia de reciprocidade. E era o único amor que não fora gentil com Afrodite, já que ela passou toda a eternidade casada com alguém que não amava. Talvez fosse por isso que ela tinha tanta dificuldade em compreender Louis, mesmo sendo deusa do amor.
"Você é um deus, Eros. Um deus!" Esbravejou, se levantando. Seu rosto envermelheceu rapidamente e as veias de seu pescoço ficaram tão visíveis que pareciam que iriam explodir. Ela cerrou os olhos e disse de forma sussurrada, com voz esganiçada como se falar causasse dor. "Só as almas humanas foram divididas. Qual outro deus você conhece que tem uma alma gêmea?"
"Nenhum..." Louis respondeu em um sopro. Seus olhos não se desgrudavam do chão e, se ele encarasse a mãe naquele momento, era capaz de chorar como um bebê.
Afrodite conhecia bem a expressão triste de seu filho. Conhecia todos os lados da personalidade dele e sabia ler cada mísero mover de músculo. Por isso, ao ver o modo que Louis escondia os olhos, ela tentou se acalmar. Porque odiava a maneira que Louis ficava cada vez que eles tinham essa conversa. E ela odiava ser dura com ele, mas era sua tarefa de mãe abrir seus olhos para realidade.
"Pois é. Mas não fique triste, meu amor. Você não precisa de nada disso. Você é um deus, lindo e poderoso. Essa coisa tola é só para mortais que são fracos e desprezíveis." Ela falou, certa de que esse era o consolo perfeito. Nem se preocupou em perguntar por que ele insistia tanto nessa história cada vez que eles se viam.
Louis não disse mais nada, guiado pela certeza que mais uma vez não iria conseguir externar o que sentia. Ao menos, ele tinha a consciência de que tentara contar a verdade. Ficou encarando as mãos sobre a mesa e esperando que Afrodite falasse alguma coisa. Ela, por sua vez, voltou a sentar a mesa, prendeu o cabelo com um elástico e retomou ao tom neutro costumeiro. "Agora vamos ao que interessa. Quando você vai flechar Harry Styles?"
Louis fechou os olhos e tentou ficar calmo para se concentrar em uma resposta. Quando levantou a cabeça, seu rosto não tinha mais vestígio de tristeza. E, ao invés de responder, fez o que fazia de melhor, mudou de assunto. "Mãe! E quanto a alma gêmea de Harry?"
" O que tem?" Ela perguntou revirando os olhos. Já farta da insistência nessa história. Era tudo bem simples: pega o arco, atira a flecha e Harry sofre por amor. Afrodite realmente não conseguia entender o porquê de Louis demorar tanto para fazer isso.
"Se eu flechar Harry e ele se apaixonar por outra pessoa, ele não vai ser mais capaz de encontrar sua alma gêmea. E mesmo que eles se encontrem, eles não vão se apaixonar mais." Ele falou, cruzando os braços. Sua atitude era totalmente defensiva, mas ele ainda conseguiu manter o tom normal, sem falar baixo como um mosquito zumbindo.
"Continue..." Ela pediu, apoiando os cotovelos na mesa e colocando o rosto em cima do braço.
"Vai ser injusto com essa pessoa..." Ele prosseguiu, temeroso. Pigarreou e consertou a postura, ficando ereto. No fundo, sabia que era em vão tentar argumentar com sua mãe, quando ela tinha bastante certeza do que queria como dessa vez. Mas ele, ao menos, tentou porque toda tentativa de manter Harry seguro seria válida.
"Eu não me importo." Respondeu seca e sorriu logo depois. E foi nesse momento que Louis desistiu de qualquer abordagem e resolveu contar meias verdades para ganhar tempo.
Ele tinha um plano em mente: esperaria a ligação com Harry se completar e então contaria a verdade para Afrodite. Desse modo, ela teria que conviver com o próprio ódio e esquecer a vingança. Obviamente, supondo que Harry iria querer ficar com ele. Caso a ligação não se completasse ou não desse certo que eles ficassem juntos, ele daria um jeito de proteger Harry da mãe. Talvez, alguma ninfa pudesse ajudar a escondê-lo...
"Então, mãe. Eu ainda não fiz nada porque eu tive uma ideia melhor que a sua." Louis falou sorrindo falso e peito estufado, gesticulando como se tivesse na frente de uma apresentação de power point.
Afrodite arqueou sua sobrancelha e Louis entendeu que ele deveria continuar explicando a ideia fantástica que ele não tinha. Por isso, sua confiança oscilou e ele coçou o nariz como sempre fazia ao contar uma meia verdade ou ao entrar em situações complicadas. Ele esfregou as palmas e pensou no que ele poderia falar. Antes que pudesse perceber, as palavras saíram de sua boca: "Vou fazer Harry se apaixonar por mim."
"E você mesmo se encarregará de partir seu coração? Ótimo, assim o trabalho sai mais bem feito. Na verdade, não me importo com quem vai fazer ele sofrer por amor. Eu só quero que isso aconteça logo." Ela falou, se levantando e se preparando para ir. Entretanto, antes de desaparecer com a mesma velocidade que apareceu, disse com os olhos espremidos: "Eu só não quero que esse mortal fique impune. Já basta que ele não vai mais sofrer com o casamento..."
Ela não se despediu e nem esperou que Louis se despedisse, desapareceu deixando um rastro de brilho lilás e um cheiro de rosas. Quando não havia mais vestígio dela, Louis relaxou os ombros e soltou o lábio que prendia com os dentes. Ele abandonou o livro que lia definitivamente. Porque, se a preocupação com a família de Harry já estava desconcentrando-o, tudo ficara pior depois da visita de Afrodite.
💘
Naquela tarde, os irmãos Styles e Georgia foram para o antigo quarto de Harry para conversar com mais privacidade. Os três irmãos eram demasiado unidos, contudo isso mudou depois de casarem. Por isso, era tão bom que eles tivessem a chance de se encontrar novamente e sem tantos afazeres que os impedissem de curtir a presença um do outro.
Harry se sentiu nostálgico ao entrar naquele cômodo. Pois os posteres de suas bandas preferidas e os livros em suas prateleiras faziam com que ele se lembrasse de um tempo que parecia estar muito distante. Não tinha nem um ano que ele tinha saído de casa, mas parecia que já faziam décadas.
Ele não sabia se um dia seria capaz de voltar a viver ali, embora aquele lugar estivesse permeado de boas lembranças: das vezes que ele e os irmãos conversaram até tarde da noite, de quando eles assistiam filmes juntos ou de quando Harry observava a lua e as estrelas pela janela e sonhava com um namorado perfeito.
Zayn se sentou na cama e pegou escova, pente e elásticos para trançar o cabelo de Harry como sempre fazia quando eram mais novos. Liam se sentou na cadeira da escrivaninha e começou a cortar os talinhos de algumas flores para enfeitar o cabelo do irmão. Já Georgia pegou o esmalte rosa clarinho para pintar as unhas de Harry. Ele era sempre muito mimado quando estava em casa porque, além de ser o mais novo, era doce com todo mundo.
Harry se sentou no chão com as costas coladas na cama afim de facilitar o acesso de Zayn a seu cabelo. Eles sentiam saudades absurdas um do outro porque sempre foram muito unidos, entretanto crescer cobra um preço e a vida adulta não permitia que eles tivesse mais a mesma relação que na infância e a adolescência.
Eles passaram um tempo colocando os assuntos em dia: Liam contou da academia de dança que estava abrindo, Zayn e Georgia falaram sobre as viagens que fariam e Harry passou a maior parte do tempo falando sobre como Louis era maravilhoso consigo. Até que Zayn perguntar o que estava entalado em sua garganta desde a hora do almoço.
"Você não está curioso?" Indagou enquanto trançava cabelo de Harry. Este estava de olhos fechados devido a forma suave que o irmão mexia em seus cabelos. Seu corpo se tensionou ao ouvir tal pergunta, pois Zayn tinha a mesma mania que seus pais de nunca serem totalmente diretos no início de uma conversa e ficarem rondando o assunto até finalmente dizerem o que queriam.
"Eu tenho certeza de que eu não aguentaria. Acho que eu tentaria ver o rosto dele no mesmo dia que o conhecesse." Georgia completou, se acomodando melhor no chão e pegando uma das mãos de Harry para passar a primeira camada de esmalte sobre suas unhas.
"Eu não posso fazer isso. Eu prometi." Harry alegou enquanto olhava suas unhas ficarem coloridas, ainda que achasse que seu argumento soasse tão fraco quanto o seu tom de voz. Estava bem claro que ele não conseguia convencer nem a si próprio.
Não conhecer o rosto de Louis nunca tinha incomodado muito até aquele momento. Visto que, as palavras dos irmãos fizeram com que ele notasse a curiosidade latente que ele passou grande parte do tempo tentando ignorar.
Todos os momentos que compartilhara com Louis foram tão repletos de carinho e cumplicidade que a aparência de Louis era sobreposta pela sua personalidade e a sua forma de tratar Harry. Por isso, não queria desperdiçar tempo com pedidos infrutíferos. Entretanto, sua curiosidade começara a ficar aguçada, uma vez que, estava distante da vontade exacerbada e cega de viver momentos românticos com ele.
"Você é sempre tão obediente, Harry." Zayn disse de uma forma um tanto debochada enquanto revirava os olhos. " Quando é que vai começar a fazer as coisas que tem vontade e não o que os outros esperam de você?" Completou.
Harry sentia falta de muita coisa, menos desse discurso tão frequente, já que essa não era a primeira vez e nem seria a última que Zayn falava isso para ele. Ele escutou do irmão por toda sua adolescência que deveria sair para mais lugares, beijar alguma boca e conhecer novas pessoas. Nem Zayn nem Liam concordavam com a atitude obediente de Harry, com seu desespero em fazer tudo certo e orgulhar as pessoas que colocavam seu bem-estar em segundo plano.
O caçula nada respondeu, mas as palavras de Zayn ficaram impregnadas na sua mente como um chiclete grudado no sapato. Ele se lembrou do que Louis tinha dito, que ele deveria começar a tomar as próprias decisões e não ficar esperando alguém ordenar para finalmente obedecer. Se Louis tinha o estimulado a fazer o que queria, porque ele ainda estava seguindo o que Louis tinha mandado?
"Na real, isso tudo é muito estranho. Vocês moram juntos! É um absurdo que você nunca tenha visto o rosto dele." Georgia disse exasperada. Porque estava estarrecida desde que ouvira Harry contar que estava apaixonado e morando com um homem que mal conhecia. Se isso não fosse muito ruim por si só, Harry também nunca tinha visto o rosto do sujeito. Ela se perguntava qual o interesse desse homem em se esconder de Harry. Esse tal Louis poderia ser qualquer um, inclusive um criminoso procurado pela polícia.
"Se eu fosse você, eu daria um jeito de ver o rosto dele sem que ele percebesse." Zayn disse, enquanto amarrava a ponta da trança com um elástico. Harry não podia ver seu rosto, mas apostava que ele estava com um sorriso ladino e com a cara de sabichão que sempre costumara ter. Às vezes, Harry inveja o quanto seu irmão era cheio de atitude e coragem. Ele sabia que se fosse Zayn no seu lugar, Louis não conseguiria esconder seu rosto por muito tempo.
No entanto, só a ideia de Zayn estar se relacionando com Louis e não ele fazia com que Harry quisesse derrubar o mundo e chorar sobre os escombros. Ele ficava tonto de ciúmes e se tornava incapaz de pensar racionalmente em uma forma de quebrar aquela barreira que Louis havia imposto.
"Peça a ele de novo. Pergunte quando você poderá vê-lo. Ele precisa confiar em você" Liam ponderou discursando como um político em um palanque e enfiando as flores no cabelo do irmão caçula. Ele não era tão cheio de atitude quanto Zayn, mas com certeza saberia agir de forma racional e dialogaria seja para entender os motivos de Louis seja para conseguir convencê-lo a expor sua face.
"Se fosse comigo, eu tentaria persuadi-lo." Georgia falou, utilizando um palito com algodão e acetona para tirar o esmalte borrado nos dedos de Harry.
"Persuadir com o quê?" Harry a encarou, interessado demais no que ela tinha para propor. Até Zayn e Liam pararam o que estavam fazendo, esperando que ela tivesse a melhor solução de todas.
"Paga um boquete, ué." Ela disse simplesmente, dando de ombros. Nem desviou o rosto das mãos de Harry, querendo ter certeza que as unhas ficariam impecáveis. Sua descontração era tanta que, por um minuto, os rapazes pensaram que era uma brincadeira para tornar o ambiente mais relaxado.
"O quê?" Harry e Liam gritaram juntos. Ambos com a mesma expressão facial, olhos arregalados e queixo caído. Enquanto isso, Zayn parecia que tinha perdido a capacidade de fala. Era difícil para ele acreditar que sua esposa estava propondo isso para seu irmão caçula.
"Pobre, Harry. Como você acha que eu conquistei o Zayn?" Georgia finalmente encarou os três, com ma sobrancelha erguida e um sorriso ladino muito parecido com os que Zayn costumava dar.
"Com inteligência, carisma e senso de humor?" Harry perguntou pausadamente. Porque ele realmente não sabia como de uma hora para outra Zayn ficou tão satisfeito com o casamento por contrato. Só sabia que tudo começou com um acordo entre seus pais e terminou com um casamento feliz.
"Que nada! Foi com a boca mesmo." Ela disse e sacudiu a mão assinalando que isso era bem insignificante. Depois, voltou a se concentrar nas unhas que limpava.
"Harry, o diálogo é a melhor opção. Eu sei do que eu estou falando." Liam falou com as mãos unidas e uma expressão desesperada.
Liam não sabia dizer se seu irmão caçula era muito ingênuo ou muito burro, talvez fosse um pouco dos dois. Isso aviva sua vontade de aconselhá-lo a não voltar para aquela casa, era mais seguro ficar com a família. Mas seria hipócrita criticar a obediência de Harry perante esse tal Louis e, simultaneamente, querer que Harry acatasse os seus conselhos. De qualquer forma, ele tinha certeza que não seria sexo oral que resolveria tudo.
Harry anuiu com a mente fervilhando. Não disse mais nada sobre o assunto e tratou de perguntar a Liam sobre o seu casamento e a Zayn sobre como ia seu escritório de contabilidade. Porém não deixava de pensar no que faria, se perguntando se teria coragem de seguir o conselho dos irmãos ou se iria se acovardar como sempre fizera.
Aquilo tudo deixava Harry entristecido porque ele nunca achara que havia algo de errado em seu relacionamento com Louis. Cada casal tinha sua maneira de se relacionar, seus limites e seus acordos e esse era o deles. O mais importante não deveria ser a personalidade de Louis e o quanto Harry se importava com ela? A aparência era insignificante se comparado ao caráter. Entretanto, se a aparência era tão irrelevante, porque Louis não deixava Harry vê-lo?
Harry estava muito confuso e não tinha ideia do que fazer. Só de pensar no assunto sentia sua cabeça doer e o seu coração se afundar em tristeza perante a falta de confiança de Louis. Sabia que seus irmãos tinham um pouco de razão, no entanto ele não queria violar o que prometeu e não sabia se teria coragem de fazer.
O problema de Harry era esse, ele passava tempo demais se achando insuficiente para viver a própria vida, se perguntando o que os outros fariam em seu lugar e achando que seria os outros que saberiam o que é bom para ele.
Se tivesse a personalidade menos passiva e se não tivesse passado a vida toda se convencendo e sendo convencido de que ele não era uma pessoa forte e capaz de assumir as rédeas da própria vida, Harry seria capaz de que ele foi o único dos três irmãos que não aceitara o casamento.
Não importa o quanto Zayn e Liam fossem independentes, racionais e cheios de atitude, Harry fora o único que subira na moto de um desconhecido e fugira de um casamento arranjado. Talvez ele seja um tanto inconsequente já que seguidamente confiara em dois desconhecidos. No entanto, não aceitara passivamente que ninguém mandasse na coisa que considerava mais importante.
Quando anoiteceu, Harry sentiu que o seu quarto já não parecia mais tão aconchegante e ele não parecia mais pertencer a casa de seus pais. Ele se sentia uma peça de um outro quebra-cabeça e toda a sua vontade passou a ser que amanhecesse logo para que ele voltasse para casa, para os beijos e os abraços de Louis. E, principalmente, para matar a curiosidade de ver o rosto de Louis. Esta já se tornava um parasita sugando toda a sua vontade de fazer qualquer outra coisa e impedindo que ele pensasse ou sonhasse com algo que não fosse ver o rosto de seu amado.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top