Capítulo 2

Parecia que o mundo desabaria sobre a cabeça de Harry. E, certamente, ele não se importaria de ser esmagado. Tudo estava dando errado de tal forma que o caçula Styles não se importaria de virar purpurina e desaparecer do mundo. Harry achava que ele ainda teria tempo de convencer seus pais a desistir da ideia absurda de fazê-lo casar com um velho, mas ele não poderia estar mais enganado. Aparentemente, o tempo passa mais rápido quando tem uma desgraça iminente.

Era doloroso saber que estava destinado a passar a vida do lado de um desconhecido e era nojento que esse desconhecido tivesse quase idade de ser seu avô. Ademais, casar com alguém que você mal conhece seria terrível para qualquer pessoa. E para Harry era pior, pois ele sempre sonhara com borboletas no estômago, flertes divertidos e sorrisos bobos. Ele desejava juras de amor, beijos românticos e toques quentes. Igual como acontecia nos livros que ele tanto gostava de ler.

Harry não aguentava mais chorar. Isso porque não houvera um dia que ele não tenha chorado desde que recebera a notícia. Contudo, pior do que o matrimônio indesejado era a falta de apoio dos seus irmãos. Harry nunca esperara que seus irmãos ficariam contra ele. Foi um choque quando ele ligou desesperado para Liam e Zayn contando o que estava acontecendo e estes só disseram que um casamento não era o fim do mundo.

O pior é que ele não sabia o que esperava. Talvez ele quisesse que Liam e Zayn o ajudasse a fugir ou que conversassem com seus pais e os fizesse mudar de ideia. Como nada disso aconteceu, Harry fez de tudo para evitar o matrimônio. Ele chorou, passou dias sem falar com os pais, não comia direito e mal saía do quarto. O rapaz estava completamente desesperado e enojado com a situação. E eu não vou mentir, eu também estava.

Os dias que sucederam o casamento de Zayn foram todos utilizados para planejar o casamento de Harry. Seria uma festa simples porque o velho Gherardini era bastante sovina. Isso não deixou Anne nem um pouco satisfeita, já que ela queria a melhor festa de casamento de toda a Itália. Entretanto, não havia como fazer exigências, eles já tinham conseguido muito mais do que esperavam.

Todo o dia, Harry era acordado por uma Anne sorridente, anunciando algum novo detalhe da festa que precisava ser organizado. Harry levantava com a cabeça doendo, fingindo que não tinha passado toda a noite anterior chorando. Algumas vezes, ele soltava um sorriso amarelo e fingia que aquilo tudo não era para ele. Passava os dias fingindo que não haveria casamento nenhum e que todos aqueles detalhes eram para o matrimônio de alguma outra pessoa.

Ele não se importava se seu terno seria preto ou branco. Nem com o que seria servido após a cerimônia. Ele não achava relevante quais as flores que seriam utilizadas na decoração, tampouco o significado que elas tinham.

Contudo, quando a noite chegava, parecia que todo o chão sólido que Harry pisava havia sido tirado de debaixo de seus pés e que ele estava caindo em um abismo sem fim. Ele liberava um choro tão forte e desesperado que causava ânsia de vômito. Ficava totalmente perdido olhando para o escuro de seu quarto sem saber o que fazer e sem sentir sono algum.

Vagava no cômodo se sentindo como a Rapunzel presa na torre. Algumas vezes, abria a janela do quarto porque o ambiente se tornava sufocante e ele precisava de um pouco de ar fresco. Ele olhava para o céu estrelado e devaneava que o amor de sua vida apareceria na janela e fugiria com ele para algum país distante. Ou pensava que ele teria coragem de ir embora enquanto todos ainda dormiam. Pegaria uma mochila com poucas roupas e deixaria aquela casa para sempre. Entretanto, recobrava sua racionalidade em pouco tempo e voltava para a realidade em que ele não tinha dinheiro. E nem poderia roubar um dos carros da família porque não sabia dirigir.

No dia do casamento, Harry parecia que estava indo para um enterro. Ele estava consideravelmente mais magro, havia manchas roxas embaixo de seus olhos, seu cabelo estava sem brilho. Mas, acima de tudo, Harry estava oco. Já não tinha mais força para derramar lágrimas ou para implorar que não o submetessem a isso. Ignorava a falta de apoio das pessoas que deveriam cuidar do seu bem-estar. E tentava colocar em sua cabeça que todas as pessoas faziam sacrifícios na vida.

Ele agiu de forma automática por toda a manhã. Tomou banho com todos os produtos com cheiro de rosas quando o mandaram tomar. Vestiu o terno branco sob medida quando falaram que ele deveria vestir. E até colocou uma coroa de flores azuis para enfeitar seus cachos. Mas nem todo o perfume e enfeite do mundo disfarçava a sua expressão de quem estava indo para a forca.

Uma limusine foi alugada para levar a família Styles até a vinícola de Gherardini. O motorista contratado estava esperando pelo noivo desde às oito da manhã porque o casamento seria realizado por um juiz de paz às onze e meia. Depois da assinatura dos papeis haveria um almoço só com a família e alguns amigos próximos.

Nada disso era como a festa de casamento que Harry sonhava. Ele tinha todos os detalhes da sua festa de casamento dos sonhos guardados em um caderno. A comida, a decoração, a roupa que vestiria, as músicas de Cesare Cremonini que tocariam. Tudo estava guardado e nada fora usado porque todos aqueles detalhes se tornaram ínfimos. E não adiantava a presença deles, se no casamento faltariam amor e paixão.

Fazia cinco minutos que Harry esperava por seus pais do lado de fora por estar sem coragem de entrar no carro. Por isso, optou por ficar recostado em uma das pilastras que sustentava o varandado. Ele observava a fachada da casa e todos os detalhes que outrora passavam segurança e se assombrava com a rapidez com que a vida dele mudou. A vinícola em que crescera não mais lhe inspirava a sensação de lar. Harry não pertencia mais àquele lugar. E o pior era que ele não pertencia a lugar algum.

Tal constatação provoca uma vontade quase incontrolável de sair correndo. Harry fugiria andando se fosse possível. Porém, a verdade era que ele não tinha coragem suficiente. Da mesma maneira que nunca teve coragem de impor sua vontade em nenhum outro momento da sua vida.

Des e Anne saíram de casa radiantes e em suas melhores roupas. Se tivessem exagerado mais um pouco, chamariam mais atenção que os próprios noivos. Eles caminhavam em direção a limusine como se estivessem em uma passarela. Estavam lindos e bem vestidos. Inclusive, os saltos da mulher eram muito altos e o tecido de seu vestido tinha tantos bordados que mais parecia uma toalha de mesa.

A verdade é que nem todo mundo tem capacidade de se manter em salto alto segundo Afrodite. E Anne foi um exemplo disso, pois ela caminhava devagar e com as pernas bambas. A mulher claramente não conseguia se equilibrar muito bem em seus sapatos. Quando ela estavam a poucos passos da limusine, tropeçou em uma pedra e machucou o pé.

"Meu salto ralou." Ela gritou desesperada e tão alto que Harry e Des pararam de caminhar em direção ao automóvel e se viraram para ver o que havia acontecido. Anne queria chorar, mas evitou borrar a maquiagem. Claramente, a senhora Styles era muito parecida com Afrodite. Aposto que elas seriam boas amigas.

A mulher começou a sacudir os braços como se isso fizesse seu pé melhorar. Ela tentava respirar fundo e manter a calma. Mas, ao ver o lugar ralado em seu sapato, só não correu feito doida por aí porque seu pé estava doendo muito. O faniquito foi tão grande que Harry e Des arregalaram os olhos e ficaram olhando chocados as ações de Anne.

"Harry, espere que eu vou ajudar a sua mãe. " Des falou enquanto ia apoiar a mulher pelo braço, visto que ela estava mancando e precisava de ajuda para voltar para dentro de casa. Ele passou um braço dela por seu pescoço e rodeou a cintura sustentando-a com seu corpo. Ambos caminharam para dentro de casa a passos lentos.

Anne choramingava, enquanto Des prometia que colocaria gelo em seu pé e que logo eles estariam indo para o casamento de seu filho. O consolo surtiu efeito, uma vez que, a mera menção do matrimônio com alguém tão rico fez com ela se sentisse um pouco melhor.

Enquanto isso, Harry ficou esperando do lado de fora de casa. Ainda sem querer entrar na limusine, porque esperava que algum milagre acontecesse. Mesmo que ele fosse muito cético e por isso soubesse que essa não era uma atitude racional. No entanto, em momentos de desespero, era comum que o mais cético dos seres humanos passasse a acreditar em milagres.

Era verdadeiramente lamentável que Anne tenha pago tão caro em um Louboutin e que ele tenha danificado logo no primeiro dia de uso. Entretanto, tal desgraça não poderia ter acontecido em hora mais oportuna.

Acontece que eu estava um pouco entediado e não estava gostando dos rumos dessa história, não achei que seria interessante se tudo terminasse com o Harry casado com Giovanni. Além disso, eu estava com um pouco de pena do rapaz. Isso porque a diferença das idades dele e do marido era absurda, além de Harry não quer casar. Era completamente repugnante que Harry estivesse submetido a uma situação como aquela. Então eu pensei: por que não fazer algo para ajudar esse pobre mortal?

Resolvi que seria uma boa ideia intervir. Portanto, pedi emprestada a moto do irmão Bóreas e usei-a para fugir com Harry. Saí pelas estradas da Toscana de calça jeans colada e jaqueta de couro, pilotando a moto mais veloz e irada já inventada.

Parei de frente a propriedade dos Styles, tirei meu capacete (eu sou radical, mas um radical com segurança), passei os dedos pelo meu lindo topete castanho claro, coloquei os óculos escuros que estavam pendurados em minha camisa e disse: "Sobe aí." Apontei para a garupa da moto com uma mão e ergui o capacete com a outra. Eu apostava que eu estava irresistível. Mas Harry não parecia compartilhar da mesma opinião porque ele ficou olhando para mim como se fosse louco.

"O que?" A boca de Harry estava aberta em estarrecimento e seus olhos se arregalaram. Ele olhava para todos os lados se perguntando de onde eu tinha saído. E ainda deu uma conferida no motorista da limusine para ver se ele também estava me vendo.

"Sobe logo." Eu disse impaciente com meu braço já doendo por ainda mantê-lo esticado lhe entregando o capacete. Logo Anne e Des retornariam ou o motorista, que tirava um cochilo na limusine, acordaria. Seria impossível fugir, se uma dessas coisas acontecesse. Por isso, era bom que Harry agisse rapidamente.

"Você está louco?" Ele perguntou abrindo os braços e sussurrando de maneira enfática. "Eu nem sei quem você é." Falou, tentando se convencer de que aquele era um argumento bom o suficiente para ele não subir na moto imediatamente. Entretanto, o que Harry não sabia era que eu sou um titã. Portanto, eu poderia predizer que ele queria ir comigo.

"Você quer casar?" Inquiri, revirando os olhos a fim de demonstrar a minha falta de paciência. Eu já tinha feito um esforço estratosférico de roubar uma moto e pilotar para tirar ele dessa enrascada. Era assim que ele me agradecia? Ele era só um mortal e eu era um titã. E não é todos os dias que alguma divindade grega resolve auxiliar um humano.

"Não!" Respondeu em pânico como se tivesse esquecido por alguns minutos o que lhe aguardava. Era uma decisão realmente difícil: casar com alguém que não amava ou fugir com alguém que não conhecia. A primeira opção era certeza de infelicidade para alguém com os sonhos como os de Harry. Já a segunda era a possibilidade de se colocar em perigo.

Harry tentava medir as consequências das suas duas opções. Eu sabia que sua vontade era fugir sozinho. Porém ele não tinha dinheiro, não tinha um lugar para fica e nem sabia dirigir. Eu era sua melhor opção, mas ele não sabia disso. Logo, era compreensível seu receio em confiar em mim. Contudo, isso não mudava a minha agonia. E, por dentro, eu estava igual a uma pessoa assistindo um filme de terror e gritando para o protagonista não entrar na casa mal-assombrada. Era de uma forma que eu só faltava roer as minhas unhas.

"Então sobe aí. Nós vamos fugir." Eu pisquei um dos olhos e mexi minhas sobrancelhas a fim de parecer descontraído. No entanto, não sei se estava muito convincente. Empurrei o capacete em suas mãos para ser mais incisivo no que dizia. Isso pareceu funcionar porque ele finalmente aceitou, colocando-o em sua cabeça.

"Quem é você?" Indagou, subindo na moto e colocando as mãos na minha cintura para se apoiar. Naquela altura, em não sei se fazia sentindo fazer tal pergunta. Mas a resposta faria Harry se sentir um pouco mais tranquilo. Talvez não parecesse muita insensatez se ele, ao menos, soubesse meu nome.

"Niall." Respondi também colocando meu capacete, mas não antes de tirar os óculos e conferir se tinha algum fio de cabelo fora do meu topete. Obviamente, eu precisava me manter sexy. Pisquei para minha imagem refletida no retrovisor. Concluí que eu era tão gostoso que eu transaria comigo mesmo se tivesse como.

"E por que você quer me ajudar?" Perguntou e eu não tive chance de ligar a moto e fazê-lo calar a boca com o barulho do veículo. Respirei fundo e contei até dez porque estresse não combina com brisa suave. Mas, por Zeus, que garoto chato! Custava subir na moto caladinho e só deixar para falar quando fosse me agradecer pela carona?

Por azar, Anne e Des apareceram antes que eu precisasse me explicar. "HARRY EDWARD STYLES!" a mulher esbravejou quando ouviu o ronco do motor assim que eu liguei a moto desesperado para sair logo dali. "Desça dessa moto agora mesmo." Continuou, simultaneamente ao momento em que eu comecei a acelerar. Nesse instante, já era tarde demais para o casal Styles.

"Hasta la vista, baby." Eu gritei acenando e rindo da expressão chocada deles. As mandíbulas dos dois estavam no chão e os seus olhos estavam bastante arregalados. Nesse meio tempo, o motorista da limusine acordou e estava tão atordoado pelo sono que tropeçou na hora de sair do carro e se chocou contra o chão.

Foi uma cena cômica. E só posso acrescentar que Anne e Des não deveriam ter saído de casa e nem o motorista deveria ter descido do carro. Porque todos ficaram cobertos de poeira quando eu arranquei com a moto.

Eu bem sei que estávamos na Itália e que não tinha sentido nenhum falar uma frase em espanhol. Mas o importante era lacrar, não importava como e nem a troco do que. Aquele era o meu momento de motoqueiro sexy e radical, ninguém poderia tirar isso de mim. Eu não me lembro de ter me deleitado tanto em muito tempo. Nem mesmo minhas amadas férias foram tão legais.

Eu e Harry estávamos nos divertindo muito pelas estradas da Toscana. O vento limpo se chocava contra nossos corpos e provocava um barulho suave. Em contraste, o sol do verão aquecia a nossa pele e a sensação de sermos donos do mundo tomava conta de nós.

Eu tinha a impressão que em nossas veias não corria sangue, mas apenas adrenalina. Pois o meu coração batia muito forte e eu sabia que o de Harry estava batendo em uma velocidade similar. A sensação era tão boa que algumas vezes nós gargalhávamos sem nenhum motivo. Em alguns momentos Harry soltava minha cintura e abria os braços sentindo-se capaz de voar. Ele nunca se sentiu tão livre e a rebeldia nunca tinha lhe parecido tão gostosa.

Os campos verdejantes da Toscana tornavam tudo mais bonito. Nós percorremos as estradas rurais e passamos por plantações de trigo, oliveiras, ciprestes e vinhedos. Vimos várias cidades de arquitetura medieval situadas em topos de colinas e cercadas por muralhas etruscas. Parecia que éramos uma dupla invencível e que ninguém poderia nos parar. Entretanto, aquilo não era verdade.

O problema começou quando Bóreas percebeu que a moto dele tinha sumido. Visto que eu havia pegado emprestado, mas sem pedir permissão. Isso foi um pequeno e inofensivo erro que teve consequências catastróficas.

Eu admito que eu também tenho uma moto, mas a velocidade dela é a mesma que a de um velotrol infantil. Porém a culpa não era minha porque eu não pedi para ser o titã da brisa suave e do vento agradável. Não dá para ser o titã da brisa suave e ter uma moto veloz. Isso é a prova de que ser imortal não significa que sua vida eterna vai ser boa, só eu sabia a dificuldade que era lidar com aquela motocicleta.

Meu irmão, ao contrário de mim, era o titã do vento imprevisível e furioso. Logo, sua moto era muito mais veloz que a minha. Contudo, sua personalidade era igual aos ventos que ele produzia o que era um ponto negativo na hora de fazer amizades. E eu só posso dizer que ele ficou um tantinho bravo quando ele descobriu sobre o meu pequeno furto temporário.

"ZÉFIRO! " O grito de Bóreas foi tão alto que Harry quase caiu da moto, tamanho o susto que ele levou. Além disso, uma ventania fortíssima começou de uma hora para outra. Parecia que um furacão estava se formando, os ciprestes estavam perto de serem arrancados e foi por muito pouco que eu e Harry não saímos voando por aí.

Quando tudo se acalmou um pouco, eu estacionei o mais rápido que pude e pedi para o Harry descer. Ele franziu as sobrancelhas e fez o que eu pedi em movimentos controlados e hesitantes. "Quem é Zéfiro? De onde veio esse grito?" Ele perguntou com os olhos arregalados e as mãos trêmulas. Já que ele estava começando a achar que tinha sido uma péssima ideia sair por aí com um desconhecido.

"Eu te explico depois. Enquanto isso, fica com esse dinheiro." Falei enquanto tirava um monte de notas que eu havia falsificado para usar nas minhas férias e entregava para ele. Harry me olhou atônito, provavelmente porque nunca viu tantos euros juntos e porque não acreditava que alguém realmente sairia distribuindo tanta grana por aí. Ainda assim, recebeu o dinheiro e colocou no bolso de seu terno.

"Obrigado." Ele disse devagarzinho por ainda incrédulo. Suas sobrancelhas franzidas indicavam que ele tentava absorver tudo o que estava acontecendo em tão pouco tempo, mas que as tentativas eram vãs.

"Fica aqui e espera por mim, eu já volto para te buscar." Falei e dei partida antes mesmo que o Harry pudesse me responder ou que seus olhos verdes de gatinho me convencessem a não o deixar. Isso certamente não seria uma boa coisa.

Apesar disso, deixar Harry sozinho foi um tanto difícil. Pois, ele estava com medo e eu não posso julgá-lo. Ser abandonado por um desconhecido no meio de uma estrada rural da Toscana era desesperador, no mínimo, por causa da falta de movimento dessas estradas. Logo, seria improvável que alguém aparecesse para tirar Harry dali. Ao mesmo tempo, também era pouco provável que alguém aparecesse para fazer algum mal a ele.

Eu não estava nem um pouco afim de encontrar meu irmão e tampouco de abandonar Harry sozinho no meio do nada. Mas não era uma opção demorar de devolver a moto. Eu havia me apegado um pouquinho ao mortal nesse tempo que eu estava assistindo a sua vida. Entretanto, esse apego não era suficiente para arriscar um conflito com meu irmão.

Quando falam vento agradável para se referir a mim e vento furioso para o meu irmão, fica meio óbvio quem é o mais simpático entre nós dois. Posso garantir que Bóreas é uma das últimas divindades que alguém vai querer entrar em conflito.

Além do mais, o último titã que roubou algo para ajudar os mortais não teve um bom final. Dependendo de como o vento sopre, sou capaz de ouvir os gritos de Prometeu quando o abutre aparece para comer seu fígado. Tudo isso só por causa de um pouco de fogo. Não gosto de pensar o que não fariam por causa de uma moto.

💘

Essa crença humana de que ajudar os outros atrai coisas boas para si deve estar correta. Embora eu não seja de levar muito a sério o que os mortais dizem, meu encontro com Bóreas foi uma prova de que talvez os humanos estivessem certos. Isso porque meu irmão provocou alguns ciclones e dizimou algumas cidades para descontar sua raiva. Logo, ele já estava um pouco mais calmo quando eu cheguei.

Eu me resolvi Bóreas. O que consistiu apenas em colocar a moto na garagem, mandar um recado pelas ninfas e dar o fora antes que ele me visse. Depois, eu peguei a minha moto e voltei para buscar Harry. Não seria sensato pedir para Bóreas deixar eu ficar com a moto dele só mais uns minutinhos. Então eu tive que me virar com a minha moto mesmo. Quando eu voltei para o local exato em que eu tinha deixado Harry, encontrei uma situação bastante inusitada e que me causou aflição.

Meu plano inicial era deixar Harry em algum hotel em Florença com aqueles milhares de euros que eu falsifiquei para usar nas minhas férias. Porém, eu tive o imprevisto com meu irmão o que atrasou meus planos. Então eu pensei em retornar para o local onde eu deixei Harry e levá-lo até Florença, caso ele ainda estivesse lá.

Só que eu cheguei tarde demais. E me dei conta disso quando vi que Louis estava olhando embasbacado para Harry dormindo no meio da plantação de girassol. A minha sorte foi que eu fiquei invisível rapidamente e tudo o que restou da minha presença foi uma brisa suave que fez alguns girassóis balançarem.

Plantações de girassol são como Afrodite: bonitas, mas muito chatas. Vários pés de girassol enfileirados e todos são iguais. Só turista mesmo para ver como algo especial. Ainda assim, eu fiquei embasbacado por Harry ter achado tão chato a ponto de resolver tirar um cochilo. Mesmo sabendo que ele estava perdido e que não tinha como sair dali, era inacreditável que ele tivesse tido tranquilidade de tirar uma soneca. Isso ultrapassou todos os limites de pessoa que dormia em qualquer lugar e a qualquer momento.

Eu sei que ele poderia andar muito e voltar para o mesmo lugar e nem saberia. Entretanto, em uma situação como essa, qualquer pessoa de bom senso tentaria chamar por ajuda ou talvez saísse correndo em meio aos girassóis em virtude do desespero. Mas Harry ao invés disso resolveu tirar uma soneca. Não é possível que eu tenha demorado tanto ao ponto de ele cansar.

Entretanto, foi só perceber a iluminação do sol que ficou óbvio que eu havia demorado sim. Nós tínhamos parado no campo de girassóis perto da uma da tarde, mas o sol já estava se pondo. Era realmente muito tarde e, provavelmente, Harry cansara de me esperar já que o dia dele havia sido cheio.

Não era muito tarde apenas em relação ao tempo que se passara. Mas também porque Louis começou a se aproximar de Harry, deixando óbvio que minhas preces para que ele deixasse Harry quieto não foram suficientes para pará-lo.

Infelizmente, eu sou um mero titã da brisa, por isso não podia voltar no tempo e nem intervir nas atitudes de Louis. Eu não poderia fazer mais nada a não ser observar e ver as consequências daquilo.

Acontece que eu não controlo os meus instintos. Por isso, eu estava pronto para gritar desesperado e ir atacar quando eu vi Louis se aproximando de Harry. Mas logo concluí que não era seguro atacar um homem com arco e flechas mágicos. Zeus me livre de me apaixonar por um girassol. Além disso, não era prudente atrapalhar um plano de Afrodite. Eu certamente não brigaria com o Olimpo inteiro para salvar Harry.

Eu também sabia que Louis poderia flechar o Harry e fazer com que ELE se apaixonasse por um girassol. Inclusive, fiquei com medo disso, mas nada que fosse suficiente para me fazer sair do lugar.

Entretanto, eu não continuei em pânico porque qualquer pessoa que observasse Louis atentamente perceberia sua expressão fascinada. Seus olhos azuis brilhavam como a água de um mar calmo e um sorriso gigantesco dividia seu rosto. Louis olhava para Harry como se ele fosse a coisa mais preciosa do mundo inteiro. E não parecia nem um pouco com alguém que faria Harry padecer de amor.

Os cabelos longos e cacheado de Harry cobriam parte do seu rosto e suas pernas longas e esguias estavam dobradas em uma posição aparentemente desconfortável. A coroa de flores estava caída no chão muito longe de seu cabelo e o seu terno claro estava sujo de terra e de grama. Ainda assim, parecia que Harry era a coisa mais bonita que Louis já tinha posto os olhos em toda a sua vida. E isso era muito dado que Louis era filho da deusa da beleza.

Louis olhou com mais atenção e percebeu os lábios cheios de Harry entreabertos e as lufadas de ar escapando de sua boca vermelha. Além da covinha que enfeitava sua bochecha, já que ele sorria durante o sono por algum motivo. Naquele momento, eu me dei conta de duas coisas: a primeira era que Harry tinha um sono invejável e a segunda era que os planos de Afrodite estavam dando errado.

Ainda assim, Louis pegou seu arco e tirou uma flecha da sua aljava, mirou em direção a Harry e passou alguns segundos sem soltar a flecha. Tirando a angústia que eu estava sentido por Harry ser flechado, eu imaginei que deveria ser mesmo legal brincar de tiro ao alvo com os mortais. Até mesmo me perguntei por que eu não poderia ter uma tarefa tão interessante.

Entretanto, Louis estava demorando para atirar. Eu já havia roído umas quatros unhas e ele ainda estava com os braços flexionados segurando a flecha com força. O meu nervosismo era tanto que eu já havia decidido jogar tudo para o ar e estava pronto para soprar várias brisas e fazer as flechas de Louis desviarem de Harry. Apesar de saber que as flechas de Eros nunca erravam seu alvo.

O deus passou alguns minutos ponderando como se a mera visão daquele mortal fosse capaz de fazer com que ele repensasse toda a sua vida. E, novamente, isso era muito porque a vida dele era bem longa. Eu já estava pronto para de gritar para ele atirar logo porque eu não aguentava mais a tensão.

Eu só não era a visão da aflição porque eu estava invisível. Meu topete bonito havia caído, meus óculos se perderam fazia tempo, minhas mãos suavam e eu tinha certeza que vomitaria meu coração. E a flecha continuava apontada na direção de Harry que dormia o sono dos inocentes. E foi nesse instante que Louis teve a sua epifania e entendeu os motivos da mãe.

O problema de Afrodite com Harry era a beleza dele. A aparência do mortal incomodava a deusa ao ponto de ela querer que ele pagasse por algo que não tinha culpa. Pela primeira vez Louis ficou demasiadamente revoltado com as atitudes da mãe. O que era um pouco estranho porque essa foi a primeira vez que ele não quis castigar um inocente. E ele já tinha aplicado tantas punições sem saber se estava sendo justo e sem pesar.

Harry não era o primeiro e nem seria o último mortal que pagaria pela inveja de Afrodite. Entretanto, ele foi o primeiro que fez Louis repensar sua obediência às ordens da mãe. Ele não teve coragem de fazer aquele inocente receber um castigo. Por isso, ele desarmou o arco, pendurou nas costas e colocou a flecha novamente na aljava. Aquilo foi o suficiente para me deixar uma boa hora de boca aberta, mas nada teria me preparado para o que veio a seguir.

Eu fiquei chocado quando Louis pegou Harry em seus braços como se ele fosse de vidro, abriu suas asas de anjo e saiu voando para casa. Eu não sabia se eu deveria aparecer e interferir ou se deveria voltar para meu palácio e não me meter nos assuntos de outros deuses. Mas a verdade é que eu estava atônito demais para ter alguma atitude. Por isso, eu continuei ali, parado no meio dos girassóis, batendo palmas para essa reviravolta no enredo. Harry um, Afrodite zero. A vida dos outros era realmente muito mais interessante do que soprar brisas.

💘

Harry acordou atordoado, passou uns bons minutos piscando os olhos e tentando descobrir em que lugar ele estava. Era um quarto comum pelo pouco que ele poderia ver devido a penumbra. Ele se sentou na cama e sentiu seu corpo dolorido como se ele tivesse dormido de mau jeito. A sua cabeça estava pesada e parecia que iria explodir em milhões de pedacinhos a qualquer minuto.

Foi nesse instante que Harry se lembrou do que havia acontecido. Era o dia do seu casamento, ele havia fugido com um desconhecido que o abandonara no meio da estrada e ele cochilara em uma plantação de girassóis. Em virtude disso, Harry concluiu que a dor no corpo era por ter passado boa parte do dia em cima de uma moto e por ter dormido no chão.

Levantou-se da cama, tateou as paredes do quarto até encontrar o interruptor e acendeu as luzes. A claridade causou incomodo em seus olhos e ele sentiu uma grande vontade de deixar tudo escuro novamente e voltar a dormir. Entretanto, aquela não seria uma atitude sensata, visto que ele estava em um lugar desconhecido e não tinha ideia de como foi parar ali.

Ao pensar sobre isso, Harry deduziu que eu era o dono da casa. Segundo o raciocínio da mente sonolenta dele, eu voltei para o lugar onde o deixei e depois o trouxera para aquela casa. Por isso, ele não ficou com medo de estar em um lugar desconhecido. Ele saiu do quarto e foi andando por um corredor. Ainda tateando pelas paredes porque a casa inteira estava escura.

O cheiro maravilhoso de papa al pomodoro dominava o ambiente. O que fazia Harry se sentir em casa, já que ele sempre achara que essa sopa tinha cheiro de lar e segurança. O aroma da comida fez a barriga de Harry roncar, e só então ele percebeu a fome que estava sentindo.

Harry só havia tomado café da manhã o dia todo e ainda assim, comera só um pouquinho. Por isso, ele queria muito que eu fosse legal o suficiente para lhe oferecer um prato de comida. Apesar de achar que já estava abusando, até porque eu já havia o salvado do casamento e lhe dado muito dinheiro.

Continuou andando pelo corredor e começou a ficar um pouco confuso quanto a presença de mais alguém naquela casa. Isso porque ela estava dominada por um silêncio excruciante e ensurdecedor, além da falta de luzes acesas. Em contrapartida, era improvável que alguém sairia e deixaria a papa al pomodoro sendo feita no fogão.

Harry chegou em sua sala completamente aconchegante. De tal forma que essa poderia ser a sala da sua própria casa, se ele tivesse uma. Havia um tapete fofinho e felpudo ocupando quase todo o cômodo que provocou cócegas assim que pés descalços de Harry entraram em contato com ele.

O sofá da cor vinho era gigante e parecia tão acolhedor quanto a cama que Harry estava dormindo anteriormente. Ele se sentou no sofá porque não sabia o que fazer. Talvez fosse prudente esperar que alguém aparecesse. No entanto, a quietude do lugar estava deixando-o entediado. E o nervosismo se manifestava pela batida constante de seus pés no chão.

Ele pensava no que faria a partir daquele momento porque a possibilidade de voltar para a casa de seus pais estava vetada. Além disso, ele não tinha nada, nem uma roupa para trocar. Pois todos os seus pertences foram mandados para a casa de seu noivo. Até mesmo seu celular não estava com ele, uma vez que, tivera o mesmo destino que suas roupas, livros e produtos de higiene pessoal.

Se não fosse o dinheiro que eu tinha dado para ele, seria impossível sobreviver. Harry não tinha o que comer, onde ficar e nem como trabalhar. Perceber isso fez com que ele tivesse vontade de chorar. Harry batucava os dedos da mão no braço do sofá e olhava para o relógio que havia na sala de minuto em minuto.

Ele se assustou ao perceber que os ponteiros marcavam mais de oito da noite porque estava muito tarde. Logo, não havia nada que ele pudesse fazer para dar um rumo em sua vida imediatamente. Só restava esperar que o dono da casa aparecesse e, ao menos, deixasse que ele passasse aquela noite ali.

Ainda assim, Harry continuava inquieto e seus olhos percorriam todo o ambiente. Até que eles pousaram sobre uma estante abarrotada de livros. Ele caminhou para perto do móvel excitadíssimo com os títulos que havia ali. Muitos dos livros eram iguais aos que ele possuía em sua estante. Harry resolveu pegar um dos livros para reler suas partes preferidas. No entanto, passos foram ouvidos antes que ele pudesse completar a ação.

"Precisamos conversar. Mas antes disso, venha comer um pouco. Você deve estar bastante faminto." Ouviu uma voz suave e se virou em direção ao som. Havia um homem com os braços cruzados e encostado no batente da porta. O problema era que esse homem não era eu e isso deixou Harry assustado.

O dono da casa usava calças jeans coladas e uma camisa preta. Eram roupas comuns, mas que pareciam perfeitamente sob medida no corpo bonito. Entretanto, o corpo dele não era nem sequer parecido com o meu e seus cabelos eram mais escuros e caíam em uma franja sobre seu rosto.

Os olhos de Harry se arregalaram e seu coração começou a bater tão rápido que parecia que iria sair do peito. Porque Harry estava na casa de um completo desconhecido e não sabia como havia parado lá. Mas, principalmente, porque o homem usava uma máscara preta que cobria todo o seu rosto e isso era tanto incomum, quanto assustador. 

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