• Trinta e um

O barulho de vozes falando ao mesmo tempo junto com a música alta, era a única coisa que conseguia prestar atenção.

Dado andava rápido na minha frente, desviando das mesas e pessoas.

Até que avistamos Bernardo e alguns amigos deles sentados perto do bar. Assim que vi Bebel no meio, abri um sorrisinho de canto.

— E aí, meu parceiro! Tu demorou! — Benê levantou todo sorridente.

— E aí gente.. — Dado os cumprimentou. Logo notei todos os caras me analisarem, era como se eu fosse a mais nova "peguete" dele. Ou sei lá o quê.

— Oi amiga! Que bom que veio!— Isabel estendeu os braços e veio até mim, me dando um leve abraço.

Eu retribui um pouco retraída, pelas pessoas com os rostos desconhecidos sentadas á mesa. E só pelo seu rosto avermelhado já sei que estava alterada, ela fica bem alegre quando bebe.

— É, vim beber uma suja.. mas nem quero demorar muito.. — ri, descontraída.

Cerveja suja nada mais é do que cerveja com gelo, sal e limão. Juro, a melhor coisa do mundo. Mas essa do Boni, era surreal de boa.

— Vem, vamos lá no bar pedir então! — puxou minhas mãos de leve.

— Pô, quem é essa? Não vai nem apresentar Dado? — um homem visivelmente alcoolizado, perguntou antes que pudéssemos nos distanciar.

— Ah, essa é Yasmin. Uma colega.. da faculdade.. — notei ele hesitar por um segundo, desviando o olhar e abaixando a cabeça.

— Prazer! — falei olhando pra ele e pros outros dois. Que sorriram de forma simpática, assentindo com a cabeça.

— Olá.. — o mesmo cara falou baixo. Com olhar de malícia, diferentemente dos outros. Que pareciam estar bem chapados.

Fomos até o caixa, fiz o pedido e peguei a bebida.

E logo Isabel começou a conversar comigo e querer saber o que eu havia feito no dia. Porém com o som alto, nem dava pra falar direito.

— Estava na casa do gato? Aí sério, tô tão feliz que finalmente cê tá vivendo a vida..— brincou.

— É.. mas tenho a impressão que as coisas tão indo rápido demais. Sei lá. Posso estar ficando louca.. — suspirei, jogando os cabelos pro lado.

— Aí não começa Yasmin! Você sempre tem essas paranóias.. qual foi? — ela certamente era a única pessoa que me aguenta ouvir falar disso.

Por isso que nos tão damos bem.

—Encontrei Rafael no mercado, estando com Dado. Foi péssimo sabe? Me senti desconfortável, não sei.

— Aí, que cara insuportável! Parece que tá em todo lugar, ele não tá te perseguindo não? — riu. — Toma cuidado, tá?

— Credo. Deus queria que não. — bufei.

— Você tá com uma cara de derrota hoje, como foi o primeiro dia de estágio aliás? Se saiu bem?— ela me analisou cuidadosamente.

— Foi ótimo, só é um pouco cansativo. — é, dava pra notar que eu estava exausta. Ainda mais por não ter passado maquiagem alguma.

— Que bom amiga. Mas falando nisso, soube de uns apartamentos pra alugar essa semana.. e parece que todos estão em perfeito estado. Se quiser, podemos visitar.

— Sério? Ótimo! Eu quero muito ver! Tô precisando tanto ter meu espaço.. mal posso esperar! — vibrei.

Ficamos observando umas pessoas a nossa volta, até que voltamos pra mesa. Me sentei ao seu lado e logo encarei o celular por segundos.

Passei os olhos vagamente sobre a tela, sem dar muita importância.

Mas não pude deixar de ver a mensagem do Rafael, há alguns minutos atrás. Seria melhor não ter visto.

Basicamente ele queria puxar assunto, e claramente senti uma acidez na sua pergunta sobre o que estava fazendo no mercado com o cara que ele detesta.

Dado já tinha se acomodado e pedido uma cerveja, o resto conversa alto e cantarolavam algumas músicas que tocavam.

— Ei, vou ao banheiro. Já volto. — anunciei. Porém, sem deixar a minha cerveja pra trás.

— Não quer que eu vá contigo?

— Não amiga, tá de boa. — neguei.

Sempre as mesmas pessoas.

O foda é que nada é diferente nesses ambientes, não muda nunca. Confesso que conhecia uma boa parte do público que frequentava ali. E a maioria é de uns universitários fracassados e bêbados.

Fodidos e maconheiros, assim como eu.

Bebia a cerveja relaxado, no meu canto. Hoje eu não tava muito agitado pra vir, e só queria ficar chapado em casa.

Mas como Yas queria passar aqui, aproveitei a deixa pra ver Benê e os outros caras.

— Qual é daquela mina? — Ítalo, um dos colegas que estavam conosco, questionou baixo próximo a mim.

— Que mina? Aquela minha colega?

— É pô. Nunca vi ela pela faculdade. Se conheceram onde?

— Ah, é uma longa história. Mas ela faz arquitetura.. — tomei um gole da cerveja.

— Mas vocês por acaso estão.. juntos? — falou direto.

— Não. Somos amigos. — respondi da mesma forma.

— Vou pegar o número dela então! — arrancou seu celular do bolso e disse entusiasmado. Esses caras não perdem tempo.

Travei o maxilar e apenas assenti, obviamente não ia dizer nada. Eu não menti, somos amigos e ela é total desimpedida.

Mas não sei por qual motivo eu me incomodei com algo tão inútil e imbecil como isso. Talvez seja pelo fato de que a gente transou há algumas horas atrás antes de vir pra cá.

Ela havia ido ao banheiro, e ao vê-la voltar. Ítalo se levantou num pulo, indo na sua direção calmamente.

Ela se assustou um pouco e segurei o riso, mas foi simpática e sorriu pra ele. Não sei o que ele disse a ela, mas só sei que aquilo estava ficando estranho.

— Ei! — ouvi uma voz feminina sussurrar atrás de mim, me virei no mesmo minuto. Me tirou toda a atenção sobre a cena anterior.

— Mafe? Porra! Quanto tempo cara! — sorri. — Por onde andava maluca?

Ela me deu abraçou forte, por alguns segundos.

— Vim passar uns dias aqui, tô morando no Rio! Lá é uma loucura. Juro.

— Nunca mais te vi.. como vão as coisas? Tia Ana e tio Chico andam bem? — me referi ao seus pais. Eu cresci em sua casa, éramos grudados praticamente.

— Sim, vão bem.. e você? Cadê a Sabrina? — olhou ao meu redor, a procurando.

— Vou bem. Ah, não sei sobre ela.. — ela notou que eu não queria falar sobre isso. — Mas e tu tá lotada dos trabalhos né? Foda. Sempre te vejo no insta.

— Tô mesmo! Tá tudo uma maravilha, correia total!

Aquela era Maria Fernanda Dutra, ou só Mafe. Uma antiga vizinha, é aquela amiga pentelha de infância.

Crescemos juntos, ela é mais velha uns 2 anos. Mas nunca notei essa diferença, a mina é doida de pedra.

Desde que ela foi embora, nunca mais a vi. Ela virou tatuadora e abriu um studio irado no Rio. A Sabrina até chegou a conhecê-la, só que foi breve.

— Mas vai ficar quanto tempo por aqui, afinal?

— Acho que umas três semanas. — desfez o sorriso.

— Só isso? E porquê não fica mais?

— Ah.. eu até queria.. mas tem o trabalho e..

Por um momento tirei o olhar dali. E só sei que meu olhar cruzou rápido com a Yasmin, ela estava só uns metros de distância.

Ela me fuzilou estranhamente e no mesmo minuto desviou o rosto. Franzi o cenho, sem entender qual b.o tinha rolado. Tentei agir normalmente, e evitei ficar reparando demais nela com o cara lá.

Ítalo estava perto demais, vi que suas mãos estavam em sua cintura levemente. Ele vai pra cima e não vai demorar. Engoli seco, voltando a prestar atenção na Mafe.

— Dado! — me chamou a atenção. — Ouviu? Quero que vá lá em casa qualquer hora, e vê se leva a Sasá! A gente pode pedir japa! O que acha?

— Ah é! T-tá.. tudo bem. Vou sim. — assenti.

Ítalo me jogava uma lábia, mas não pude deixar de reparar que pelo visto Dado também já se deu bem essa noite.

Ele estava bem próximo à uma garota, pareciam que já se conheciam. Não que isso me incomode, na real isso não me assusta nenhum pouco.

Os homens são bem previsíveis. Dado tá solteiro e é óbvio que jamais vai terminar a noite sem ninguém.

É só ver que tá saindo perdendo, que vai procurar a sua nova presa da noite. Eu já poderia imaginar que isso ia acontecer.

Ele não se importa nenhum pouco com o fato de eu estar vendo a aproximação dele com a moça. E não se importa de estar me vendo com esse estranho.

Acho que nós dois nos esquecemos que transamos loucamente antes de vir pra cá, parecia tudo ok até então.

— Posso te mandar mensagem no WhatsApp?

— Sim, sem problemas. — voltei a olhar pra ele.

— Acho melhor irmos pra um lugar mais afastado. — me trazia pra perto do seu corpo, com um sorriso de malícia.

— Não sei.. eu.. não quero demorar.. — relutei.

— Não vai demorar, vamos ali pra frente. — foi me guiando aos poucos, olhei de relance pra onde Dado estava. Porém, notei que não havia mais ninguém.

Nesse momento já tinha perdido Isabel e Bernardo de vista, e fomos até um pequeno lounge. O som já não era tão alto, e a muvuca diminuiu.

Ele encostou o corpo em uma mureta, e me colocou entre suas pernas. Começou a jogar um pouco mais do seu charme, eu continuava bebendo minha boa e velha cerveja, sem prestar muita atenção nele.

— Da onde conheceu o Dado? Já ficaram? — essa foi  a única pergunta que fez meus olhos arregalarem por um segundo.

— Quê? N-não. Nunca ficamos, somos só amigos da faculdade mesmo.. — proferi com certo receio. E ele me olhou com um sorriso desconfiado, mas não me contestou.

— Ah sim. Esqueci que ele tem o rolo com a Sabrina e tudo mais.. — riu e eu só concordei com a cabeça.

— Sim, claro. Eles são perfeitos juntos. — eu sou boa nisso. Jamais imaginei que sabia mentir tão bem, foi tão convicto que quase acreditei.

— É? Acho que tá sujo aqui.. — limpou o canto da minha boca com o polegar, que obviamente foi só uma desculpa pra se aproximar.

Não deu tempo de dizer algo, só senti que as nossas bocas iam se juntando lentamente.

Foi então que nesse milésimo de segundo, uma voz firme nos interrompeu. Nos afastamos velozmente.

— Yasmin. Eu já tô indo embora.. cê vai comigo? — Dado falou sério, sem pestanejar. Não parecia estar contente.

— Pô parceiro. Já tá indo embora? Fica mais.

— Ah! Oi.. é.. tudo bem.. vou contigo. — meu rosto ficou vermelho de vergonha, droga.

— Posso te levar. — Ítalo se prontificou.

— É. Ele pode te levar, não esquenta. — Dado deu uma piscadinha singela. Num tom irônico.

— Não. Melhor não, quero ir pra casa também.— me afastei. — Depois a gente se fala, até mais! — beijei a sua bochecha de leve e ele ficou com o rosto estático e sem entender.

Andávamos rápido até o carro. Não deu tempo nem de despedir do pessoal, nesse meio tempo ele ficou mudo. Ao entrarmos, logo iniciou partida.

Fiquei incomodada, mas não falei nada. Só não entendi o porque dessa sua atitude repentina.

Cruzei os braços e fiquei encarando a janela. Com a cabeça encostada no banco, e isso durou por longos minutos. Parecia duas crianças birrentas.

Vez ou outra eu olhava de lado, mas ele permanecia calado e concentrado na direção. Suspirei, prestes a quebrar o eco.

— O quê aconteceu? — por fim, murmurei baixo.

Não estava esperando uma resposta, apenas queria quebrar todo o silêncio ensurdecedor.

— Não foi nada. — resmungou, quase sem mexer a boca. Porém, insisti novamente.

— Nada? Como nada? Você ficou todo estranho..— rebati.

— Porquê não ficou pra ir com o Ítalo? Já que tá reclamando?— falou sarcástico, e revirei os olhos impaciente.

— Hã? Sei lá, eu mal conheço o cara.. não gosto de pegar carona assim. — bufei. — Se eu soubesse que ia ficar puto, nem teria voltando contigo mesmo.

— Você que quis vir, não fui eu que insisti.

— O quê foi? Vai continuar desse jeito? Porra Dado.. — respirei fundo, com ar de indignação. — Aliás, até pensei que você já estava muito bem acompanhado.

— Quê? Da onde tirou isso? — franziu o cenho. — Na real, eu só tive uma brisa errada contigo..

— Como assim brisa errada? Que tipo de coisas você estava pensando? — sorri sem humor.

— Nem queira saber. — me interrompeu veloz.

— Tá. Isso tá cada vez mais caótico.

— Cê tem razão em achar que estamos indo rápido demais nesse lance..— falou de forma indiferente.

— Tenho?

— Uhum. — murmurou. — Tô começando a ter uns pensamentos meio precipitados, nada a vê.. — ele negou com a cabeça. —Esquece essa porra.. sério. — soltou um riso irônico.

Me encolhi naquele banco de couro. Os meus olhos ficaram sem rumo, encarando um ponto fixo. Ele tá certo, tudo ficou tão confuso e estranho de repente.

Um clima pesado se instalou. Esse cara grosso que tá dirigindo o carro não é o Dado que eu conheço. Bom, que eu achei conhecesse.

Ele sempre foi meio seco, mas ultimamente não via tanto esse lado. E até me esqueço que ele é assim às vezes.

Não queríamos nem olhar na cara do outro. O pior é que nem teve um motivo tão "específico" pra isso.

— É muita coisa na minha cabeça. Esse concurso tá me atormentando, e ainda tem a faculdade. Às vezes a gente só precisa respirar um pouco. — ele dizia um pouco mais calmo.

— Tá tudo bem Eduardo. Eu entendi o que você quis dizer. — falei rapidamente. — Não precisa se explicar quanto a isso, ok?

Pelo que parece, ele quer "respirar" ou seja, está me dando um belo fora de uma forma respeitável e não tão má. Seria fofo se não fosse trágico.

— Desculpa mesmo Yasmin. —hesitou— Não quero ficar num clima bosta contigo, e a culpa jamais será sua. Tem vezes que só precisamos voltar pro início.

Concordei com a cabeça.

Não fiquei realmente mal com isso, e sim frustrada. Até porque eu gostava de estar em sua companhia, é ruim receber um fora e ter que agir de forma normal.

Não imaginei que iria terminar a noite assim.

Fiquei em silêncio até chegarmos na minha casa, após pendurar a bolsa em meus ombros, tirei o cinto e me prontifiquei pra sair.

— Tô indo. Desculpa qualquer coisa, boa noite..— balbuciei.

— Relaxa.. tudo bem.. — piscou um dos olhos.— Boa noite, fica bem. — se aproximou e tentou me dar um beijinho gélido na bochecha, mas desviei fugaz.

Dei um sorriso sem jeito, saindo rápido do seu carro.

— Idiota. Um tremendo de um idiota. — sussurrava pra mim mesma, com o andar apressado. Sem nem olhar pra trás.

Continua..

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