• Cinquenta e três

"Alô? Yasmin? Ainda tá na linha?"

Essas foram suas últimas palavras antes da ligação ficar em silêncio. Tentei responder mas minha voz não queria sair direito, um nó tinha se formado ali.

"Fernanda.. por favor.. me diz que tá tudo bem. Me diz que isso não passou de um susto!", eu comecei a suplicar sem parar, enquanto ela tenta me acalmar.

Levantei num pulo do sofá e fiquei andando de um lado pro outro, inquieta. "Só nos resta esperar por mais informações, tente avisar a sua irmã e outros familiares. Vai ficar tudo bem, prometo".

Ela pediu que eu fosse até o portal de notícias 24 do Instagram do estado. Lá tinha mais informações do ocorrido, e mesmo com as mãos trêmulas, consegui ler por cima.

Portal de Notícias SC
" O casal de empresários Ricardo e Michelle Vasconcelos, (donos da Bayer Agrotóxicos) sofreram uma tentativa de assalto a mão armada.
Os dois estavam no estacionamento de um prédio comercial em Campo Grande, por volta das 19:30, quando foram surpreendidos por três assaltantes que portavam armas de fogo. As câmeras de segurança do local mostram que houve uma luta corporal entre Ricardo e um dos assaltantes, que também tentaram roubar o carro e mais de cinco mil reais em espécie. Houve cerca de cinco disparos, e um deles acabou atingindo Michelle, que estava a poucos metros de distância. Ricardo também foi atingido, não se sabe ao certo a situação do casal. Logo a polícia civil foi acionada e os bandidos que ainda não foram identificados conseguiram fugir do local. Os paramédicos os encaminharam ao hospital particular São Bernardo. Mais notícias em breve."

Comecei a ter crises de ansiedade, sem saber para quem recorrer. Tomei um calmante em pílula e fui tentar ligar para Bárbara, ela é a primeira pessoa a quem eu consegui ir atrás.

Meu corpo se tensionou, meu coração deve estar a duzentos batimentos por minuto. Era um misto de susto e de pavor, algo aterrorizante.

Babi se desesperou tanto quanto eu, disse que viria de uber pra cá. No mesmo momento, o meu celular não parava de receber mensagens e ligações. Todos já deviam saber.

Fernanda retornou a ligação e me disse que tinham conseguido transferir eles pra serem atendidos em Floripa, no hospital local.

E que iam chegar em cerca de algumas horas.

— Babi! — corri pra abraçá-la, assim que ela passou pela porta.

— Yas.. como assim? — falava com o olhar aflito. — Eles estão bem? Estão vindo pra cá?

— Calma, eles estão vindo. Assim que chegarem nós vamos ao hospital! — eu continuei com os braços ao redor dela, tentando acalma-lá.

O meu celular vibrou mais uma vez, olhei que era o Rafael, mesmo não querendo atender, eu não tinha como recusar em um momento como esse.

Ligação 📱
Rafael

— Yasmin? Onde você está? Já está sabendo? — falou rápido assim que atendi.

— Oi Rafael. Ainda tô em casa.. Nanda me ligou e disse que eles já estão sendo transferidos pra cá. E vou esperá-los chegar.

— Tá com a Bárbara aí?

— Estou. — olhei pra ela sentada no sofá, que me olhou de volta com um ar curioso.

— Vou levá-las ao hospital, vou com vocês até lá. Estou apenas tentando entrar em contato com os nossos advogados, para a recuperação de bens.

— É com isso que está preocupado? Com a porra dos bens materiais? — funguei um riso sarcástico.

— Não! Claro que não! Mas não posso deixar isso de lado também Yasmin. Seus pais vão precisar ir atrás disso quando se recuperarem. — se justificou.

— Eu sei, mas não é o momento pra pensar nisso. Só temos que nos preocupar com a saúde deles agora!

— Tudo bem, está certa. Eu vou até aí, não podem ficar sozinhas nessa situação até que eles cheguem!

Antes que eu pudesse retrucar, ele encerrou nossa ligação. Respirei fundo e sentei ao lado de Bárbara, tentando controlar a respiração. Ela juntou nossas mãos e me encarou.

— Vai ficar tudo bem.. vai ficar tudo bem.. — dizia em voz baixa, como se fosse um mantra. Tentando convencer a si mesma.

— Eu devia ter avisado o Eduardo. — mordi meus lábios inferiores, encarando o chão.

— E porquê não avisou?

— Hoje ele tá de plantão. Não queria encher mais a cabeça dele com tantas notícias ruins.

— Se eu fosse você, avisaria logo. — insistiu. — É só  por garantia, ele pode ficar preocupado.

Encarei o visor e mandei uma mensagem. Porém só chegou com um sinalzinho de visualização, não está com internet, ele não deve poder ficar com o celular enquanto está nesses plantões.

A única coisa que consegui fazer nesse meio tempo foi trocar de roupa e lavar o rosto. Pus um conjunto de moletom cinza, calcei os meus chinelos e por fim prendi o cabelo com uma piranha.

Horas depois.

Rafael acabou passando lá em casa e levando eu e Bárbara ao hospital em que eles estavam. Eu nem conseguia pensar muito naquele momento, e nem tinha cabeça pra poder discutir com o Rafael.

— Boa noite, vocês são parentes do casal que chegou baleado agora de Campo Grande? — uma enfermeira de meia idade veio até nós.

— Sim! Nós somos filhas! — passei os braços pelos ombros de Bárbara, que apenas assentiu.

— Eu estou com elas também. E aí, já tem notícias? — Rafael tomou frente.

— Bom. — ela encarou o prontuário. — Os dois não estão acordados, estão passando por cirurgia agora.

— Cirurgia? C-como assim? — me exaltei.

— As balas foram parar em locais complicados. Só o médico vai poder explicar melhor, e assim que tudo acabar ele vem aqui.

— Quê? Mas, espera! Eu preciso saber! — insisti e a mulher virou as costas, me deixando sem respostas.

Rafael tentava me acalmar, pediu que eu sentasse e tomasse um copo d'água. Enquanto aguardávamos mais notícias.

— Se acalma meu bem. Não precisa surtar, tudo vai ficar bem.. — tirou uns fios de cabelo do meu rosto e eu recuei bruscamente.

— Para de me pedir pra manter a calma Rafael! Eu não quero ficar calma, não está vendo a gravidade? — falei alto, o interrompendo.

— Não enche, cara! — Babi retrucou, irritada.

Ele se deu por vencido e se sentou ao meu lado, a minha mente não pensava em mais nada naquela hora. Só queria saber como eles estavam.

Minhas pernas balançavam involuntariamente, eu não tinha mais controle delas. Odeio a sensação de não saber direito das coisas e de se sentir perdida.

— Certa vez, quando estávamos na casa de praia da vó Margarida, você estava muito ansiosa pela nota de uma prova que tinha feito na escola, sair. — Babi me encarou, falando baixinho. — Lembra disso?

Ao falar, eu logo me recordei desse dia. Era muito novinha, tinha medo de reprovar em geografia e a nota estava demorando pra ser divulgada.

— Lembro..— consegui esboçar um riso de canto.

— Lembra do que o Rick falou pra você? Que era pra fechar os olhos e imaginar você recendo a sua nota e vendo que havia passado na prova?

— Como eu não me lembrava disso? Ah, ele é ótimo com essas coisas de lei da atração.. — suspirei.

— Talvez você estivesse tão ansiosa que mal prestou atenção no que ele falou naquele dia.

— É, igual eu tô agora. Só que mil vezes pior.

— Então, é só atrair os sentimentos bons. Respira fundo, eles já estão sendo atendidos, vão conseguir se recuperar! — exclamava com a voz mais pacífica.

Quem diria, essa garota que há alguns meses atrás era uma completa pirralha, e hoje é ela que está me acalmando e sendo a mais "madura" que eu.

Comecei a seguir o que ela disse. Fechei meus olhos e internalizei meus pensamentos, tentando emanar só energias boas pra eles, e pensando que tudo isso não passou de um susto.

O plantão estava bem pesado hoje, e eu só estava na base do café para conseguir sobreviver e me manter acordado. Lia uns inquéritos polícias pelo notebook quando vieram me chamar.

É o meu superior, ele era o delegado-chefe daqui por enquanto. Sempre me instruía sobre o que precisava saber, todo emprego novo tem essas burocracias.

— Senhor Eduardo, os polícias já retornaram.. eles disseram que não tem chance do atirador ser pai da menina Alexandra. — adentrava na sala.

— Porra, mas quem poderia ser? Já li toda a ficha criminal desse cara.. ele tem várias passagens pela polícia. — respirei fundo, coçando as têmporas.

— Estão suspeitando do marido de uma tia dela.. — ele analisava suas anotações.

Aquele é mais caso a ser resolvido, tinha rolado um tiroteio em um bairro afastado e gerado a morte de cinco pessoas.

Fomos de encontro com um dos polícias, que estão tão revoltados quanto eu. Eles odeiam quando não conseguem achar mais suspeitos ou pistas.

— Se for aquele filha da puta, deve estar bem longe uma hora dessas.— Marco falava, tomando um gole do seu energético.

— Não podemos deixar esse aí fugir. Eu vou pedir mais reforço amanhã pela manhã. — eu contestei.

Enquanto discutíamos, Mirella, escrivã e uma das assistentes do juiz, passou caminhando entre nós. Ela é quase uma das únicas mulheres que estavam trabalhando conosco.

— Pra mim, quem fez isso foi o pai da garota. Não tem outra explicação plausível. — ela negou fraco, me dando uma leve encarada de canto de olho.

— É isso que tô dizendo. Até o momento não tem como provar que de fato não foi ele. — indaguei.

— Bom, que seja. Temos que pegar logo quem foi o principal suspeito. — Marco concordou.

— Ei.. já estão sabendo? Aquele casal que é dono da Bayer Agrotóxico.. — um dos polícias exclamou e foi se aproximando. — Sofreram uma tentativa de roubo seguido de tiros.. e os dois tão internados.. acho que foi lá em Campo Grande. — ele lia ao celular.

No mesmo momento, meus olhos se arregalaram e tive um leve susto. Engoli seco o último gole de café e fui pra perto dele.

— Quê? Que porra foi essa? Deixa eu vê aqui.. — me tomei na liberdade de pegar o celular da sua mão e começar a ler rapidamente a notícia.

— Parece que a coisa foi feia. — outro murmurou de longe. — Acho que estão passando por cirurgias..

Não consegui pensar direito, só sei que fui na busca do meu celular em algum canto. Assim que achei, no mesmo segundo liguei pra Yas, indo para um canto mais afastado.

Vi que ela já tinha me mandado mensagens falando sobre o ocorrido, mas infelizmente não tinha visto a tempo. Tentei ligar várias vezes, mas sempre ia pra caixa postal, comecei a ficar mais preocupado.

Porra Yasmin, atende! — resmungava quase que trincando a tela do celular.

— Eduardo, tá tudo bem? — Mirella percebeu minha agitação instantânea e se aproximou.

— Não sei.. tô tentando fazer uma ligação e não tô conseguindo. — soltei um suspiro.

— Sua namorada? — sugeriu.

— Tipo isso. — eu assenti fraco, sem prestar muita atenção em sua pergunta.

— Se acalme, talvez ela retorne. — pousou as mãos em meus ombros e eu olhei um pouco confuso por seu gesto, dando uma leve afastada.

Decidi mandar mensagem para Bárbara, talvez ela fosse ver. Após alguns minutos, eu recebi resposta.

Ela me falou que elas ainda estavam de prontidão no hospital aguardando outras notícias. E que seus pais estavam em cirurgia agora, e que o celular da Yas já tinha acabado a bateria.

Fiquei um pouco mais aliviado, mas sei o quanto as duas estão nervosas. Mas aqui eu nem tenho tempo pra ficar pensando nisso e quase no mesmo minuto já escutei chamarem meu nome novamente.


Estávamos dormindo sentadas com tanta espera, e Rafael permanecia o tempo todo ali. Nos rodeando.

Meu celular tinha descarregado, nem consegui falar com mais ninguém. Eu só queria que tudo isso fosse mais rápido e que acabasse logo, é angustiante estar desse jeito. Sem saber o que realmente tá havendo.

— Querem café? — Rafael se levantou.

— Eu quero, sem açúcar. — murmurei e ele foi até a máquina de café.

— Tô de boa.. — Babi resmungou, com a sua cabeça ainda encostada em meus ombros.

— Quanta demora! O quê tá acontecendo? — eu diza impaciente, e já estava pra levantar e ir atrás de uma alma bondosa que pudesse me informar sobre como os dois estão.

— Cirurgias costumam demorar, meu bem.. — Fael me entregou um copinho de café e eu assenti fraco.

Tomei rapidamente, sem temer os efeitos colaterais que isso poderia causar. Meu coração costuma ficar bem mais acelerado quando tomo cafeína.

— Yasmin Vasconcelos e Bárbara Vasconcelos? São vocês? — o médico surgiu de repente, chamando os nossos nomes como se quisesse certificar.

— Sim! Somos nós! — levantei da cadeira num pulo.

— Tá tudo bem? — Babi retrucou.

Ao ver a sua feição um pouco decaída, me desesperei internamente.

— Doutor! Nos diga.. tá tudo bem? — reforcei.

Rafael pousou suas mãos em meus ombros, atrás de mim.

— Bom, as duas cirurgias foram delicadas. O senhor Ricardo teve uma fratura na sua medula espinhal, e possivelmente perderá os movimentos das pernas.. mas isso pode ser resolvido com fisioterapias..

— O meu pai? Meu pai vai ficar sem poder andar? — Babi o encarou com certa tristeza, eu a abracei forte de lado.

— Vamos fazer o possível para ele não permanecer assim, mas os efeitos são a longo prazo.

— E a minha mãe? Cadê ela? O que aconteceu? — me exaltei, questionando rápido.

O doutor hesitou por uns segundos, mas sem perder a postura. Esperando que eu o deixasse falar.

— Uma das balas atingiram uma região que é bem próxima ao coração. Foi extremamente complexa a cirurgia, mas.. no final.. ela teve uma hemorragia. A nossa equipe fez o que pode.. mas.. ela não resistiu.

— O QUÊ? O QUE ESTÁ ME DIZENDO? — gritei em desespero. — NÃO! ISSO NÃO É VERDADE!

— C-como assim? — Bárbara me olhou apavorada, sem saber o que fazer.

Rafael me segurou por trás, impedindo que eu fosse pra cima do médico. Minha garganta trancou, isso é mentira. Isso não era real.

— ME FALA QUE É MENTIRA! Por favor.. — uma lágrima quente rolou pelo meu rosto.

Não conseguia assimilar o que tinha ouvido, não é o que eu quero achar que é. Não tem como, não tem o menor sentido. Eu só quero ouvir da sua boca o que realmente aconteceu.

— ME DIZ! Me diz logo! — pedi em meio a lágrimas.

— Ela morreu, Yasmin. — falou firmemente e senti as minhas pernas falharem.

Continua..

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