Tocando no assunto

— Não tem nada bom. Você vai embora. Agora.

Mwo!? 

Apressei os passos até que se transformassem em correria o tanto quanto pude. 

— Eu não vou embora agora… — Kim Tae Hyung reclamava sem parar enquanto me seguia pela casa.

Chegando no quarto, procurei entre as roupas dobradas em uma das gavetas o tal pijama.

— … e eu ainda nem falei sobre o contrato, o maenijonim... 

Se eu dava dois passos mínimos para a direita (enquanto ainda procurava freneticamente), Kim Tae Hyung fazia o mesmo, balbuciando coisas sem parar.

— … daí você precisa mandar nesse endereço de e-mail, okay?

— ACHEI! — gritei espontaneamente, o rapaz encolheu os braços para si, e quase encolheu uma das pernas pelo susto. — Pega suas roupas… — Estendi as tais e ele esticou os braços, onde eu repousei as peças dobradas. — E vai embora, por favor.

O virei de costas para mim e fui empurrando direção à saída. Ele dava passadas longas à medida que era impulsionado com mais força.

— Mas você não disse…

— O quê, quer que eu agradeça pelas roupas!? Não fez mais que a sua obrigação.

Meus músculos até começaram a doer pelo esforço que forjavam contra seu corpo. Ele fazia de propósito…

— Ana… 

Aigoo… Você precisa ir embora…

Já estava forçando meu ombro contra o meio de sua coluna, como se tentasse arrombar uma porta.

Kim Tae Hyung mal se mexia…

— Ana…

E como se minha força fosse bulhufas, o garoto simplesmente se virou, segurando em meus dois braços, com a maior naturalidade do cosmos, ignorando todo o meu esforço de despejo com sucesso.

— Você não respondeu minhas perguntas… Por que você não quer que suas amigas me vejam aqui? — Tentei me soltar, mas sua mão firme em meu braço apenas ressaltava que ele exigia uma resposta, e não sairia dali até ter o que desejava.

Como ele sabia que a ligação era de uma amiga?

— Tae Hyung-ssi… — Desviei o olhar para o chão. — É complicado… — Suas mãos foram se afrouxando até que me soltaram por completo.

Elevei os olhos, e a lembrança de que as meninas chegariam à qualquer momento me espetou a mente.

— Só preciso que vá embora.

— Só preciso que assine o contrato. — Cruzou os braços. — Assine o contrato, que eu vou embora.

— Kim Tae Hyung — pronunciei seu nome pausadamente, minha pouca paciência havia enfim se esvaído. — Não quero ser mal educada, então… SAI LOGO DAQUI!

Abri a porta e tornei a empurrá-lo.

— Isso quer dizer que você vai assinar o contrato? Sim? Sim?

Ele não parava de falar nem por um milionésimo de segundo.

Aish, eu vou dar uma olhada! Okay? Satisfeito agora?

Após me lançar um sorrisinho vitorioso, saiu, caminhando tranquilamente até sua moto. Fiquei observando-o até que sumisse na esquina. E, à medida que a moto foi se virando para a esquerda, um veículo vermelho entrou em minha rua, e quando reconheci o rosto de Vanessa atrás do volante, soltei todo o ar dos pulmões.

Conforme o automóvel se aproximava, sua velocidade seguia se encurtando até que gradativamente parou por completo. Vanessa buzinou forte, por duas vezes, mesmo vendo minha figura parada, esperando.

— E aí, mulher? Como é que tá indo a vida de celebridade? — Van passou pela porta perguntando, enquanto Sofia me abraçava.

— A atriz aqui é você — contestei, ouvindo a risada baixa de Pietra ao meu lado.

Sofia tratou de fechar a porta, e quando tirei minha atenção dela, havia Vanessa e o punhado de papéis, próximos demais... Engoli ar como se fosse água, enquanto teria que disfarçar meu desespero ao mesmo tempo que pensava numa maneira de retirar aquilo dali.

Vanessa é a mulher mais ardilosa que conheço. Não bastaria tão somente se aproximar e pegá-los de fininho. Ela perceberia imediatamente e, como além de louca é ainda curiosíssima, faria de tudo  para saber do que se tratava.

Nem eu sabia do que se tratava, exatamente. Ainda que aquelas folhas me trouxessem um vaporoso aroma de confusão.

Por outro lado, sabia que a espalhafatosa não é atraída por nada que tenha cunho burocrático, portanto, papéis e letras pequenas e agrupadas tem um certo poder repelente sobre a garota. Se eu conseguisse demonstrar extrema despreocupação para com as tais infelizes folhas, Van também não ligaria, em teoria.

— Amorzinho... Escutou o que eu disse? — Sofia perguntou.

— Não… Que dizer, escutei. — A tentativa de naturalidade definitivamente não estava dando certo.

— Ela tá avoada hoje, essa menina… — A Louca se jogou no sofá, ao lado dos impressos.

Minha postura estava rígida e eu não conseguia relaxar por mais que tentasse. Principalmente depois que a tresloucada franziu as sobrancelhas, com olhos entreabertos em minha direção. E numa leve virada de pescoço, se atentou ao tal papel, enquanto eu mentalmente gritava "Droga!", já por um milhão de vezes.

— Aí, como eu ia dizendo… 

Enfim voltou a conversar, mas seus dedos longos ainda os triscavam de leve.

— Cês acreditam nisso!? Aquela vaca! — contava uma história da qual eu não fazia ideia.

E foi aí que, ainda falando sobre o tal acontecido, ela segurou os papéis, passou seus olhos grandes por cima das várias letras coreanas, e os fez de leque.

Minha única saída seria o empenho pela tão almejada "cara de paisagem". Eu ainda tinha esperanças de que ela me salvaria…

— Ah, pelo menos eu posso xingar alto! Ninguém vai saber mesmo… 

Estava quase dando glórias à "cara de paisagem", quando Vanessa subitamente pausou as palavras, cessou o vento que ia contra seu rosto e arreganhou as pálpebras de encontro ao nada: — PÉRA, O QUÊ!?

Afoita, dispôs as folhas escritas diante de si, quase as rasgando por conta da indelicadeza. Quem dera tivessem se partido…

— BRASIL!? — Intercalava olhares e piscadas frenéticas entre mim e a tal proposta sem cabimento. — CACHORRA! Vai pro Brasil!?

— Me dá isso!

Avancei na tentativa de tomar de suas mãos, mas sabia que era impossível. Sofia e Pietra se aproximaram e eu me afastei, deixando que satisfizessem livremente a sede da euforia e curiosidade. Segui para a cozinha, dando continuidade às louças inacabadas.

A montanha estava se desfazendo quase por completo. Dava para ouvir os sussurros incessantes vindos da sala.

— Carolzinha…?

Lavava o último talher quando Pietra me chamou, e o barulho dos seus saltos ficou mais próximo.

— Só quero dizer que estou muito orgulhosa de você.

Sacudi as mãos, desligando a torneira em seguida. Pietra sorria.

Levantei as sobrancelhas e ela logo entendeu: — Aquele contrato… — Retirou delicadamente os fios ruivos que tocavam sua bochecha e apontou os olhos na direção da sala.

— Eu nem sei do que se trata.

— Ora, vamos! É claro que você sabe Ana, não se finja de tonta. Você tem uma oportunidade perfeita para…

— Pra quê? — As mãos soavam e a voz havia se elevado sem meu consentimento.

Sofia e Vanessa estavam escondidas atrás do balcão da cozinha.

— Dá pra parar com isso, vocês duas?

— Ah, não… Por favor, fala que você vai!— a fofa veio grunhindo.

— Não sei por que vocês ainda cogitam essa ideia. — Peguei um pano de prato.

— Caramba, meu… Você entende que não tem como fugir pra sempre, né? Uma hora ou outra vai ter que encarar isso! — Vanessa exclamou.

Eu estava mais desnorteada que uma bússola perto dum ímã. Caminhava pela cozinha sem propósito, secando um prato.

— Vanessa… — advertiu Pietra, se aproximando de mim, que havia acabado de fechar a porta da geladeira.

Ela tirou o pano das minhas mãos e tornou a abrir a porta da geladeira, retirando o prato que eu estava secando. Como ele foi parar lá, eu não sei…

— O que a Van quis dizer é que isso não te faz bem… E, se você voltasse… 

— Eu… — atropelei as palavras de Sofia. — Eu achei que tivéssemos combinado não tocar nesse assunto.

Mesmo sem tirar as vistas do chão do final da cozinha, conseguia enxergar as três se olhando, combinando e escolhendo as melhores palavras para dizer.

— Você está certa. Havíamos combinado. E respeitamos a sua decisão. Mas peço que apenas nos responda uma coisa: Você é feliz assim?

Não conseguia olhá-las e não havia uma posição na qual meu corpo se sentisse confortável. Na verdade, ele implorava para correr, o máximo que pudesse.

— Amorzinho… A gente ama tanto você, é por isso que a gente se preocupa... Responde só com uma palavra, sim ou não…

As perguntas mais simples são as mais complexas. Era absolutamente impossível responder apenas com uma palavra… Um simples conjunto de três míseras letras nunca seria capaz de expressar a profundidade da resposta para a tal questão.

— Por favor… Só dessa vez… — Sofia continuava dizendo com sua voz caramelada.

— Não.

A minha vontade era de fugir dali, naquele exato momento. No entanto, Sofia foi mais ágil e me prendeu num abraço, antes que eu pudesse fazer qualquer coisa. Sentia suas lágrimas escorrendo pelo meu ombro e ouvia seus soluços. Nunca entendi como ela consegue emanar emoções em forma de choro tão intensa e naturalmente.

— Você entende que não há como continuar dessa forma? — Pietra perguntou como se conversasse com uma criança, num tom de voz firme e ao mesmo tempo macio, sempre pronunciando o português da forma mais correta possível. — Precisa fazer algo para mudar. Não precisa ser de uma vez, mas mostre a si mesma que já chega, já chega de viver assim, que você vai mudar as coisas…

— Como? — perguntei e Sofia me soltou, ainda deixando um dos braços em volta de minha cintura.

— Indo para casa. Você não sente saudades? Vá e se lembre apenas dos tantos momentos bons que você passou lá — Pietra sorriu. — O Brasil é a sua casa, querida…

— Não posso largar o trabalho. Além do mais, eu não confio nesse pessoal. Por que eles precisam justamente de mim?

— Por que você é famosinha agora… Ah, pára, né! Você tá dando desculpa! — dessa vez Vanessa não se conteve. — Tem três meses pra arrumar tudo e você tá com um monte de férias acumuladas que eu sei! — Suspirei, pois estava encurralada.

Ela se aproximou e espremendo minhas bochechas com as palmas das mãos, começou: — Você vai, não é? Eu nem tô com raiva por você não ter apresentado os caras pra gente. — Deu de ombros. — Então você tá devendo essa, viu? Se você for, fica tudo certo. — Jogou uma piscadela. — E aí?

— Vou pensar — respondi com dificuldade, pelas suas mãos em meu rosto.

— Você já pensou demais. — Enfim me soltou, deixando de lado também o tom de brincadeira que antes havia em sua face. — Agora é hora de decidir. Sim ou  claro?

As três me cercaram, encarando.

Okay — respondi, logo saindo do meio delas, indo em busca de água, pois minha garganta estava tão seca quanto meus olhos.

YES! — a Louca comemorou. — Cachorrinha, vou usar seu notebook! — gritou e saiu correndo pela casa.

— Pra? — questionei assim que engoli um pouco d'água.

— Mandar a resposta, ué! — Ela voltou abraçada com o aparelho. — Acha que eu sou idiota de deixar pra você fazer isso?

Chacoalhei a cabeça em desaprovação, voltando a encher o copo com água.

— Aqui, ursinha! — A outra chegou com o contrato infeliz na mão e empolgada, me estendeu uma caneta.


⚫⚪⚫⚪⚫


SN só não corria pelos corredores porque seus saltos não permitiam. Estava tão atrasada que nem se atreveria a checar as horas, afinal, de nada adiantaria além do aumento da frustração. A papelada em seus braços e o volume da bolsa em seu ombro interferiam ainda mais na velocidade.

Nem se preocupou em como caminhava, apesar de sentir que não estava à nível de top model sobre a passarela. Deu graças pelos corredores solitários do prédio.

Isso até levantar as vistas e Jeon Jung Kook dobrar a esquina.

Ela nunca o vira, nem de tão perto, nem de tão longe. Sempre se arrumava para quando acontecesse, estava sempre pronta. Entretanto, justo no dia em que se julgava mais desengonçada…

Mas a garota não desistiria, essa era sua chance (talvez a única), de ser notada por Jeon Jung Kook. Se esforçaria em passar uma boa impressão. 

Os dois cruzariam seus caminhos, portanto, não havia tempo. Elevou a postura, ajeitou as alças da bolsa sobre o ombro, arrancou o elástico dos cabelos e, enfim, tratou de tropicar deslumbrantemente, um verdadeiro e belo espetáculo. Papéis infinitos, em vários tamanhos, caíam lentamente no chão feito confete. A senhorita, por sua vez, caiu rápido, pelo menos não teve o rosto contra o chão, sua barriga fora o bastante para amortecer a queda.

Decidiu apenas ficar e dormir. Até fechou os olhos…

Porém, passos pesados vieram em sua direção, atrapalhando seu sono.

Omo! Você está bem?

Ela só estava tentando dormir… Então, não o respondeu.

Jeon Jung Kook esticou dois de seus dedos mais compridos e com eles tocou o pescoço da moça. Ele temia o pior.

Ela não esperava por isso. Ergueu o rosto abruptamente, assustando o rapaz, que chegou até a se sentar no chão, sem querer.

— Qual seu nome?

SN… — Devolveu o rosto ao chão.

— Deixa eu ajudar você, SN-ssi?



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