Arranquei a bolsa do ombro e joguei em cima de uma cômoda retrô de madeira que compunha a decoração de um dos quartos. As outras quatro, no mesmo impulso com que chegaram, abriram malas e pegaram trajes e apetrechos. SN corria descalça de cá para lá que nem desesperada, como se todo o lazer do enorme resort fosse escoar para bem longe se não se apressasse.

Cansada — eufemismo para morta —, me debrucei sobre a superfície da tal cômoda, que ia à altura da cintura. A pulseira prata reluzia e constrastava com o envernizado da madeira.

Quando levantei a cabeça, Sofia estava parada na porta, vestida num biquíni hot pant poá, me observando.

— Tá aí desde quando? — Tirei os braços de cima da cômoda, mas ainda apoiando um dos cotovelos.

— Desde quando você começou a alisar seu pulso com um olhar apaixonado — dramatizou, cochichando.

Sofia sorriu, enquanto eu nada mais sabia fazer além de encará-la com profunda desaprovação.

— Estão prontas? — Mudei o assunto.

— Só te esperando… — Virou o corpo para sair, porém, deu meia-volta. — Ah, se fosse você eu tiraria. Pode acabar perdendo na praia... E, pelo jeito, se isso acontecesse, você morreria…

— Ei! — esbravejei e a Fofa nada boba correu para a porta e a fechou após sair.

Quando acabei de vestir um maiô preto com recortes na cintura e uma pantalona branca, fresca e esvoaçante, a prateada me chamou atenção novamente. 

"Significa que não vamos nos separar", foi o que Kim Seok Jin disse, ajoelhado no chão, com a cara lisa e deslavada, na cobertura daquele restaurante francês.

Chacoalhei a cabeça, retirei a pulseira do braço e a tal lembrança da cabeça; o acessório, joguei  em cima da cama, já aquele pensamento, insistia em perturbar por mais que eu tentasse me livrar. 

— Que coisa brega… — Saí do quarto reclamando.

🌊🌊🌊

— Waaaa! — SN correu, chutando areia para o alto. — O sol está perfeito! Daebak! — Parou logo à frente, nos esperando. Levantou a enorme aba do chapéu que quase cobria todo o rosto e ergueu o pescoço para o céu, por pouco fechando totalmente os olhos por conta do reflexo. — Estou tão animada!

— Ah eu também! — Sofia exclamou. — Essa vai ser a nossa melhor viagem juntas! — Alcançou SN e a abraçou. Logo começaram com pulinhos e agudos inalcançáveis por qualquer garganta normal…

— Até porque, meninas… A nossa programação está divina! — Pietra avisou assim que acabaram com a sessão de escândalos. — Pensei em cada mínimo detalhe para que possamos ter uma experiência inesquecível! — completou, checando a agenda que tinha feito em seu iPhone. — Nada será capaz de estragar nossa aventura!

— E nem ninguém — acrescentei. — Não é, Vanessa?

— É isso mesmo! Nada de trocar a gente por garotos. — Sofia fez bico enquanto advertia a garota, que fingiu descaso enquanto ajeitava seu pareô na cintura.

SN ria sem parar, encarava a Louca, de sobrancelhas bem erguidas.

— Esse fim de semana, só tenho olhos pra vocês — prometeu como um conquistador barato.

— Também não vale flertar — alertei.

— Ah, qual é! Fala sério… — foi esbravejando até chegarmos às cadeiras de praia.

— Não temos que nos preocupar com a Vanessa, afinal, não é época de temporada, o resort está deserto! — Pietra argumentou, estendendo uma toalha fina sobre a espreguiçadeira.

— Então, unnie, o que preparou para nós hoje? — SN perguntou, apertando o tubo de filtro solar, melecando as mãos com o produto.

Pietra deitou-se delicadamente e após repousar uma perna sobre a outra, checou por mais uma vez a tal agenda: — À tarde, após o almoço, temos spa com uma vista espetacular. O jantar será em um restaurante do resort. Todo o cardápio é preparado com frutos do mar da própria ilha. Para amanhã: passeio de iate…

Pietra deu uma pausa para os aplausos das empolgadas com direito a um assovio ensurdecedor vindo de Vanessa direto no meu ouvido.

— Não é um passeio qualquer! Vamos a um lugar em que o nascer do sol é perfeito, em alto-mar… — foi novamente interrompida por exclamações admiradas.

Dessa vez também bati palmas em  reconhecimento. Pietra sabe montar roteiros de viagem como ninguém.

— Então, não se esqueçam que devemos dormir mais cedo hoje, para não perdermos o espetáculo. Após, faremos uma excursão na Caverna Manjanggul! Voltamos para o resort e depois pegamos nosso voo para Seul. — Estendeu as mãos num voilà. — Fim!

— Aigoo, essa é a melhor viagem de toda a minha vida! — SN não sabia dizer outra coisa...

— Com certeza, querida! Todo o roteiro foi cuidadosa e meticulosamente calculado. Chequei tudo: tempo de locomoção, clima, levei em consideração o gosto pessoal de cada uma… Enfim, NADA será capaz de prejudicar nossos planos — Pietra assegurou convicta, espalhando loção bronzeadora nas longas pernas.

— Amém! — Vanessa consentiu.

Sofia pediu para que eu espalhasse filtro solar em suas costas. Van já havia se livrado do pareô, exibindo suas curvas dentro do combo cortininha+fio-dental com estampa do Calçadão de Ipanema enquanto desfilava pelas areias ao lado de SN, que caminhando sem jeito dentro de seu maiô lavanda com uma sainha acoplada, não sabia para qual choque dava mais atenção: ao de conhecer o mar e estar prestes a tocá-lo pela primeira vez ou ao choque cultural.

Quando finalmente a brisa do mar estava conseguindo me entorpecer, Vanessa voltou correndo, fazendo barulho e chacoalhando os cabelos negros compridos e molhados… em cima de mim.

— Omo! A água está ótima! — SN exclamou. — E vocês, quando é que vão entrar? — Pegou uma toalha felpuda e com ela apalpou o rosto.

— Logo, logo, querida — Pietra respondeu preguiçosa.

Abri os olhos, desistindo do cochilo: — Como foi seu primeiro mergulho?

— É muito melhor do que eu imaginava! — Jogou a toalha na cadeira e sentou na areia em posição de índio. — Nem acredito que realizei meu sonho de infância. — Sorriu até que seus olhos se fechassem e mudou a atenção à areia em que sentava, começando a cavar. — Aigoo, será que consigo construir um castelo?

Sofia esturricava há tempos sob o sol, de bruços na espreguiçadeira.

— Ei, sem noção! — Vanessa cutucou sua coxa com o pé. — Quer virar um camarão?

A garota ergueu apenas a cabeça: — Eu me esqueci do tempo… — Se levantou, vestindo sua saída de banho rosa pastel, o que dava um belo contraste com o biquíni poá preto e branco. — O garçom não apareceu por aqui até agora?

— Era o que eu me questionava… — a Patricinha complementou.

— Mas não é a gente que tem que ir até lá? — SN perguntou com inocência, distraida desenhando relevos com um graveto ao redor do castelo de areia que havia construído; mais parecia um iglu derretido.

— Não, bebê. — Vanessa riu disfarçadamente de sua ignorância. — Quer saber? Vou chegar neles e fazer uma reclamação. Tem o quê? Uma hora que a gente tá aqui?

— Não, Van. — Sofia reforçou a amarração da saída de banho. — Pode deixar… Acho que vou pedir um drink bem docinho. — Saiu descalça rumo às escadas que davam acesso ao restaurante.

— Fala pro garçom vir logo! — Vanessa gritou.

No momento em que olhei para o mar diante de nós, uma onda enorme se aproximou; cheguei a me encolher na cadeira, pois dava a impressão de que ela tomaria conta da praia e nos alcançaria, porém, antes que pudesse, a água murchou de repente, como se uma força a puxasse para trás, como um convite. Era hora de dar um mergulho…

Espalhei o protetor solar pelos braços. Nas escadas, Sofia descia atarantada, pulou alguns degraus e quase selou os lábios na areia. Fiquei de pé e estava para tirar a pantalona a fim de aplicar o protetor nas pernas. Entretanto, assim que vi os olhos arregalados dentro da palidez no rosto de Sofia, paralisei naquela posição, encurvada, com o cós da pantalona na altura dos quadris.

— Céus! O que houve? — Pietra se levantou depressa e a fez sentar em sua cadeira.

Logo as outras se aproximaram preocupadas, perguntando sem parar o que havia acontecido. Sofia estava ofegante.

— Eu… Eu… — Fazia gestos descompassados com as mãos, tentando explicar, mas não conseguia.

— Calma, respira… — Pietra alisava suas costas, e inspirava fundo, para que Sofia a imitasse.

— Alguém mexeu com você? — Vanessa perguntou e a garota negou com a cabeça.

— Está passando mal? — SN sondou, ajoelhada ao seu lado.

— Algum bicho te mordeu? — perguntei, ainda na mesma posição.

— Não, não… — Respirou fundo. — É que… — As lágrimas a interromperam e ficávamos cada vez mais desesperadas. — Eu não consigo acreditar… — Tentou secar o choro com as costas da mão.

— Droga, Sofia! Fala logo! — Vanessa não se conteve.

— É, é que eles… — Soluçou. — Eles estão…

Franzi a testa àquela situação e, enquanto todas se questionavam loucas para desvendar o mistério, as rugas na minha testa de repente se transfiguraram de confusão para indignação. Pois bem ali, nas escadas, desciam sete elementos de bermuda, desfilando descalços na areia quente, balançando chinelos entre os dedos, num sorriso cínico, ousado, insolente, absurdo…

— Vixe! — Vanessa levantou de supetão, com a mão tampando a boca.

SN olhou para trás, e arregalou os olhos: — Omo! Eotteokhe?! Eles vieram mesmo…

— Como assim!? — chamei sua atenção. — Você falou da nossa viagem?

— Oh, não… — Sentou de vez no chão e encolheu as pernas. — Eu só, talvez, meio que… comentei…? — confessou, mirando os próprios pés.

— Annyeonghaseyo… Bom dia, moças.

Respirei todo o ar que meus pulmões conseguiam comportar. Subi as calças e encarei Park Ji Min, que nos cumprimentou. E como se simplesmente estivesse sendo gravado para algum comercial, ele retirou os óculos e passou os dedos por entre os cabelos, elevando o maxilar para cima, quase em câmera lenta. Após o show de puro exibicionismo, para fechar o combo da falta de pudor, massageou o queixo e insinuou: — Por favor, continue o que estava fazendo…

Tô aqui sempre lendo os comentários, e isso me ajuda muito a continuar escrevendo 😃

Obrigada por todo o suporte!

Deixa tua estrelinha pra mim, vai? 😗

O que vc acha que a Ana vai fazer no próximo capítulo?

A- Vai surtar e armar um barraco;
B- Ficar de cara feia;
C- Vai embora;
D- Fingir que nada aconteceu e simplesmente continuar com o roteiro da viagem com as amigas, ignorando a existência deles.

❤️❤️❤️❤️❤️

GLOSSÁRIO

Hangsang hamkke: "Sempre juntos"

Daebak: "Incrível!", "Genial!"

Caverna Manjanggul: Maior tubo de lava da Ásia, com aproximadamente 13,4km. É um Patrimônio Mundial da UNESCO.