Indignação Súbita e Inconformável
— Ana-ssi… Acho que a pergunta é para você.
— Algum problema? Se não se sentir à vontade para responder, tudo bem. Temos muitas outras perguntas! — a mulher ao meu lado exclamou em português.
Ao ouvir aquilo, toda a minha concentração foi substituída instantaneamente por uma indignação súbita e inconformável que por pouco, por muito pouco, não me convenceu a abandonar toda aquela armação inacreditável que arquitetaram para cima de mim. Esse era o real motivo da viagem repentina ao Brasil: uma maldita entrevista exclusiva. E eu caí como um pato.
Mirei de relance para a câmera disposta à minha frente, e ao fundo estava a figura do ardiloso que armara toda a trama nos vidrando com um olhar de "dancem conforme a música".
— Não tem nenhum problema. — Elevei a postura e sorri em sua direção. — Na verdade, não acho que tenha mudado completamente... — iniciei a resposta com ar entusiasmado. — Porque nada de tão absurdo aconteceu. — A pergunta foi respondida com o sorriso mais simpático que eu conseguiria expressar, o que tirou uma reação confusa do rosto da entrevistadora.
— Então, conta pra gente: Como você foi parar na Coreia do Sul?
— Eu concluí o Ensino Médio muito cedo e logo iniciei a faculdade de moda aqui no Brasil. Logo fui pra Coreia como intercambista e acabei me estabelecendo lá até hoje.
— Você ficou mundialmente famosa muito rápido. Como foi isso?
— Foi horrível.
A feição que surgiu em meu rosto tinha capacidade mais que suficiente para causar melancolia em qualquer um que a visse. Assim que a entrevistadora ergueu as sobrancelhas, encarei o homem baixinho nos bastidores, quase a descabelar o restante dos fios que tinha na cabeça.
— Preferiria morrer em anonimato a ficar... "famosa" — gesticulei —, de um jeito tão negativo, como aconteceu. Houve dias em que eu saía de casa com medo de que alguém me reconhecesse na rua e me ofendesse de alguma forma. Isso por que nunca tirei tempo para ler as mensagens de ódio distribuídas nas redes sociais...
Quando terminei de falar, estampei novamente o sorriso que estava em meu rosto até pouco tempo atrás. Os Bangtan assistiam a tudo como se entendessem cada frase que era dita. Já a entrevistadora parecia completamente perdida; após alguns segundos passando as vistas pelos funcionários, recebeu uma resposta pela escuta que estava disfarçadamente acoplada em sua orelha. A mulher apertou levemente o dedo no local e abaixou as vistas, prestando atenção nas instruções que lhe eram passadas.
Pelo clima estranho que se estabelecia naquele set, deu para sentir que a entrevista estava tomando um rumo diferente do planejado. Provavelmente esperavam um ritmo descontraído e alegre onde eu, a brasileira fofa e boba exclamaria o tempo todo que vivia um sonho, que não poderia estar mais feliz e toda essa baboseira... O objetivo era apenas deixar mais colorida e brilhante a ilusão que todos tinham, de como é perfeita e incrível a vida de uma figura pública mundialmente reconhecida.
Mas eu não estava nem um pouco disposta a seguir o script.
— Ãn... Muito obrigada pelas suas respostas! E por ter aceitado de bom grado participar dessa entrevista exclusiva mas, agora... Vamos passar a vez para o grupo que mais bateu recordes no mundo do k-pop: BTS! A Ana será nossa intérprete essa noite. O que estão achando do Brasil?
Assim que traduzi a pergunta, Kim Nam Joon respondeu: — O Brasil é incrível! Estivemos em São Paulo e fizemos nosso último show ontem aqui no Rio. Mas infelizmente, já estamos indo embora... — Todos os sete esboçaram decepção em seus rostos.
— Que pena! Desejamos uma boa viagem de volta! — ela exclamou após ter entendido plenamente a resposta do líder. — Pedimos, pelo Twitter, que os fãs nos mandassem perguntas, e as mais repetidas seriam feitas a vocês. O que todos querem saber é: diante de todos os boatos que surgiram, o que é relevante? O que os ARMYs querem saber… Ok, vou ser bem direta: alguém de fato tem ou já teve um caso amoroso com a nossa amiga aqui?
Não sei qual foi o momento exato em que comecei a rir, incrédula, balançando a cabeça de um lado a outro mas, antes que começasse a pagar mais vexame em rede nacional, iniciei a tradução ainda a dividindo com algumas risadas que se esforçavam para parecerem discretas. Enquanto eu falava, Kim Nam Joon, Jung Ho Seok e Kim Seok Jin começaram a rir também, Park Ji Min e Jeon Jung Kook observavam seus hyungs e sorriam baixo, Kim Tae Hyung arregalou os olhos para mim e Min Yoon Gi permaneceu sem expressar nenhuma emoção.
— Não que eu saiba! — Kim Tae Hyung comentou.
— Ya… — Park Ji Min ralhou, empurrando seu ombro de leve.
Quando vi que ninguém diria algo decente além de ficarem rindo feito crianças, respondi a tal pergunta inconveniente: — Tudo é como você mesma disse: são só boatos. — Ergui os ombros. — Nunca existiu nenhum "caso amoroso". Não comigo.
Quando a entrevista por fim terminou, o alívio quase tomou consciência dentro de mim, mas antes que pudesse, aquela indignação súbita e inconformável resolveu reaparecer. Estava conseguindo contê-la até sairmos do estúdio.
Seguindo rumo à van que nos levaria de volta ao hotel, eu caminhava ao lado de Park Ji Min e não trocávamos uma palavra. Na verdade, fiquei completamente muda desde quando as câmeras pararam de gravar e estava decidida a continuar assim.
— Estou decepcionado com você.
Senti a presença de alguém se aproximando e, ao olhar para o lado, havia Kim Nam Joon.
— Desculpa, o que disse?
— Disse que estou muito decepcionado, Ana. Com vocês dois. — Olhou para Park Ji Min, que imediatamente voltou a encarar o chão. — Quando penso nisso, nem consigo acreditar no quanto vocês foram negligentes... Nem se deram conta do quanto ficamos preocupados. E se alguma coisa tivesse acontecido? Deixaram seus compromissos para se divertir... E você, aish... Eles tinham um monte de perguntas pra você! Poderia ao menos ter pensado em redimir o erro se certificando de fazer tudo certo durante a entrevista, mas não, apenas criou um clima constrangedor...
— Não. — Ergui os dois braços criando uma barreira, impedindo Kim Nam Joon e Park Ji Min de continuarem andando. — Jinjja!? O que eu entendi... foi realmente o que quis dizer? Sobre mais cedo, não fizemos de propósito. Nunca foi minha intenção e tenho certeza absoluta de que o Ji Min se sente mais culpado que eu, mas nunca foi minha intenção atrapalhar a agenda. E eu peço desculpas por isso — expliquei, parada, de frente para os dois enquanto o restante da equipe assistia ao longe, nos aguardando ao lado da van.
Entretanto, mesmo com minhas justificativas e desculpas, a postura de Kim Nam Joon não mudou e, dessa forma, ele desviou o olhos de mim e posicionou uma perna à frente a fim de sair.
— Ainda não terminei. — Encostei a palma da mão contra o seu peito, mais uma vez o impedindo de andar. — Eu disse que não foi minha intenção causar todo aquele transtorno, mas, por outro lado… Aish… Vocês realmente conseguiram passar dos limites. — Retirei a mão que estava contra ele. — Esquece, não quero trocar nem mais uma palavra com você.
De uma vez por todas, permiti que a indignação súbita e inconformável se incorporasse e tomasse total conta de mim, respondesse por todas as minhas ações, sem se preocupar com qualquer consequência.
Deixei Park Ji Min e Kim Nam Joon para trás e caminhei a passos largos em direção ao principal culpado de toda aquela tramoia absurda.
— MAENIJONIM! — gritei enquanto o restante já esperava dentro da van e Kim Seok Jin espiava com a porta aberta.
— Ana... — ele chamou a atenção, amedrontado pelo meu estado. — Por favor, entra e tenta se acalmar um pouco...
— MAENIJONIM!
Não passou um segundo e o homem saiu de dentro do veículo.
— Michyeosseo?! O que pensa que está fazendo gritando desse jeito? — Seu rosto estava vermelho como um tomate maduro. — Ya, vocês, para dentro. — Apontou para trás de si, e logo Park Ji Min e Kim Nam Joon entraram na van e ele fechou a porta. — Você não consegue nunca ter modos, garota?
— E o senhor? Algum dia vai seguir algum princípio moral? Ética, já ouviu sobre o assunto? Como pode fazer aquilo?! Acha que pode obrigar as pessoas a fazer tudo o que bem entender? — Minha raiva chegou a um ponto em que eu nem ao menos conseguia pensar direito, quanto mais dizer algo significativo. — Seu... velho ridículo! — gritei, deixando de lado todos os honoríficos da língua.
Meu sangue fervia e a respiração ofegava. Revirei os olhos e comecei a caminhar até a van. No momento em que passei pelo homem, o tal me fez parar, segurando forte em meu braço.
— Você é como uma criança mimada — murmurou próximo ao meu ouvido. — Acha que pode chamar a atenção de todos os holofotes do mundo para depois sair correndo do palco que nem uma pirralha tímida e desesperada, como se não devesse satisfações? Se pensa assim, criança, está totalmente enganada, e esse não é o seu lugar. Se continuar agindo assim, vai acabar com o esforço de muitas pessoas sérias, que trabalham e dão seu suor nisso dia e noite. Se não é capaz de lidar com esse mundo, apenas suma. Suma do mapa, suma da vida deles.
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