Criança Muda

Eu ainda estava na mesma posição, sentada no sofá abraçando as pernas, vestida no robe vermelho de veludo quando o interfone tocou.

Era SN. Ela entrou pisando forte. As mensagens que havia mandado também não tinham um tom muito acalentador. 

Seria melhor apenas deixá-la falar até se cansar, afinal, não deveria ser assim tão legal ter alguém tão distante e impessoal para chamar de amiga.

A garota pesou sua análise sobre mim até suspirar alto, à minha frente, em pé, enquanto sentei no sofá voltando a abraçar os joelhos dobrados.

— Olha, eu… Você sinceramente se considera minha amiga? — perguntou, estreitando os olhos.

— Que tipo de pergunta é essa…

— Eu preciso ouvir, tá? Responde. — Ela dizia algumas palavras em português misturadas com coreano. 

— Você é minha amiga.

— Não parece… — Desestreitou seus olhos e pausou as palavras, ainda descaindo a visão sobre mim. — Ya, isso é sério? Você não tem nada pra me dizer?

Ani. — Desviei as vistas por mentir. Eu realmente tinha muito a dizer. — Vou só ouvir.

Tshh… Quer ouvir?! Então lá vai! Eu até entendo o porquê de você não sair contando por aí absolutamente todos os detalhes da sua vida íntima e pessoal, mas… eu fiquei em choque quando de repente vi você na TV. Me senti completamente excluída da  sua vida, como se eu não fosse importante. Eu sou tão grata por tudo que faz por mim, e a única coisa que posso dar em troca é a minha amizade. É… É a única coisa que eu tenho! Só queria ser uma boa amiga, mas parece que eu não passo de algo extra na sua vida. Você sabe tudo sobre mim, tudo mesmo! Nunca deixei de contar nada! Mas você… Nos conhecemos há tanto tempo e eu não sei absolutamente NADA sobre você, tirando sua nacionalidade brasileira. Mas eu sempre tentei ser compreensiva, sabe… No começo, achei que você fosse tímida e que só seria uma questão de tempo. Tshh… Depois que você sumiu, me deixou completamente no escuro. Eu não tive mais ninguém, principalmente depois que ele me deixou… Quando você voltou, pensei que tudo seria diferente, mas me enganei. Você está cada vez mais distante… Achei que fosse impressão minha, até ver que na verdade não era. Descobri da forma mais impessoal possível que você tem passado por bastante coisa complicada e me deixou de fora, como se eu não ligasse. A questão é que eu ligo, Ana. É isso que os amigos fazem. E também está na hora de você aprender a pensar nos sentimentos das pessoas.

Em momento algum consegui tirar os olhos do chão. Me comportei como uma criança que leva bronca da mãe.

— E você ainda não tem nada a dizer… — Levantei a cabeça, vendo SN girar o pescoço em sinal de desaprovação. — Quer saber, eu… eu vou embora… — disse, indo direção à porta.

— Quando você era criança… — iniciei as palavras, fazendo com que ela voltasse sua atenção a mim. — E se machucava… Todo mundo dizia que tinha que lavar o corte, o joelho ralado ou… seja lá o que for. Mas você se recusava porque doía muito. Se fosse por você, não pensaria duas vezes e apenas tentaria deixar aquele ferimento para lá, mesmo que dessa forma causasse mais dor e ficasse cada vez pior, mas era só o que você queria, pelo simples fato de não aguentar sentir mais dor, pelo menos naquele breve momento, até onde desse para protelar… Espero que não guarde rancor de mim por não ser uma boa amiga para você. Desculpa.

Continuei fitando o chão como se fosse a coisa mais hipnotizante do universo, mas, em minha visão periférica, enxerguei SN a me encarar, pasma.

— Eu nunca vou guardar rancor de você Ana… — disse, ainda na mesma pose.

— Obrigada. Eu não suportaria… Toda essa confusão, não tem nada a ver com o assunto que tenho pendente com você. E, mesmo que não me considere mais como sua amiga, eu vou conseguir contar tudo. Miane

— Tenho muita raiva… muita raiva de não conseguir ficar com raiva de você…

Ela ficou uns cinco minutos parada me observando; talvez sentisse pena. E foi aí que SN me surpreendeu, como sempre. 

Ela sorriu. Sorriu como se nunca estivesse me passado aquele sermão minutos atrás.

— Quando tudo isso se acalmar, você e eu vamos tomar um café. Vou te contar como foi minha entrevista e você me conta sobre como foi expulsar um milhão de repórteres do seu quintal! — Abracei meus joelhos mais forte, com a cabeça apoiada nos mesmos, olhando para ela, que conseguiu me tirar um sorriso sincero, o primeiro do dia, talvez o único. 

SN abriu a porta, e antes de fechá-la atrás de si, ela soltou mais uma: — Ya, nada de estragar o nosso rolê levando esses novos amiguinhos do BTS, viu? E nada de paparazzis também. Você é só minha e eu sou ciumenta…

Assim que SN bateu a porta, a luz perdeu sua luminosidade, como se a energia tivesse ido embora, me deixando no escuro novamente. Fiquei abraçada, eu e meus joelhos por nem sei quanto tempo. 

Até a campainha resolver nos atrapalhar de novo.

— EU DISSE QUE ELA NÃO COMEU! OLHA AÍ A CARA DISSO! — Vanessa berrou assim que me viu. — Ainda bem que comprei alguma coisa.

E pela segunda vez no dia, eu me sentia como uma criança. Vanessa e as outras às vezes me tratavam assim, como se eu fosse uma criança muda. 

Sofia entrou sem dizer nada, apenas com uma risadinha boba estampada no rosto, daquelas que você nem consegue disfarçar. Pietra me abraçou como uma mãe preocupada.

— VEM COMER, FAMOSINHA! — Vanessa gritou da cozinha.

Sabendo que com Vanessa ninguém discute, apenas obedeci, como a criança que ela acha que sou.

As três observavam atentas à cada mastigação, à cada vez que eu levava uma colherada cheia de sopa até a boca; ainda não tinha visto Sofia piscar.

— Aff… Vão ficar me olhando desse jeito?! Droga, já que querem perguntar, perguntem… Que palhaçada… 

Antes que eu terminasse, a gritaria fluía solta.

— EU PRIMEIRO, MERDA! — Vanessa levantou da cadeira, batendo a mão mesa.

— Ah, não é justo… Você sempre é a primeira… — Sofia cruzou os braços.

— Não, Sofia! É só que a minha pergunta é a mais importante DE TO-DAS! — a Louca argumentou.

— Eu não beijei nenhum deles, não peguei nenhum deles, nem vi nenhum deles… seja lá o que for que você esteja pensando. Para todas as suas perguntas, minha resposta é NÃO.

— Nem sei por que ainda alimento minhas esperanças… — Vanessa despencou o traseiro no assento.

Mesmo assim, ainda tive que justificar as perguntas que não poderiam ser respondidas com um simples "não". Fazia isso com a mínima quantidade de palavras possível. "Como se conheceram?", etc. Quando chegamos na parte Kang Mi Cha, Vanessa quase enlouqueceu, se é que ainda existe um nível superlativo à sua loucura.

⚫⚪⚫⚪⚫

— Posso dar minha opinião? — A longa conversa dos sete cessou, dando lugar apenas à voz do mais velho. — Nam Joon, NEM PENSE em ligar para ela de novo… Pelo que fiquei sabendo, você é péssimo em convencer as pessoas.

— Claro que não! 

— Não ligo para o que vocês decidirem, contanto que não me metam nessa… — avisou Park Ji Min. — Não estou nem um pouco a fim de levar patada. Na verdade, estou guardando tudo para o maenijonim… — zoou, influenciando o restante a rir.

— Vocês são frouxos demais pra esse tipo de coisa. Eu vou. Eu convenço a Ana a fazer isso.


💜.

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