Capítulo 26 - Isla

Eu posso sentir meus pulmões estourando.

Minha respiração está completamente desregulada enquanto as pernas queimam de tanto esforço. Tantos quilômetros e velocidade aceleradas causam isso, assim como o suor frio escorrendo nas costas e meio dos seios.

Com minha visão começando a ficar turva e embaçada, aperto o botão vermelho no painel da esteira, que faz com que a velocidade caia rapidamente e alcance o zero em pouquíssimos segundos. Exausta, apoio os braços no equipamento e fecho os olhos, sentindo meu corpo quase que entrar em colapso pelo esforço de estômago vazio. Corri por mais de uma hora, tentando desanuviar os pensamentos que me remetem ao evento da noite passada.

— Isla, você tá bem? — Demoro alguns segundos para identificar a voz, somente percebendo que é o personal trainer quando ele fala novamente. — Quer ajuda para sair daí?

— Não... Eu estou bem, sério. — Resmungo, levantando minha cabeça, o que faz com que minha pressão caia abruptamente e eu desequilibre da esteira. O personal consegue me segurar, sua expressão está extremamente preocupada e é a última coisa que identifico antes de apagar completamente.

— Amor? Você está me ouvindo..?

Sei que é a voz de Jonny, mas está tão longe... Quase como se ele me chamasse em um sussurro final. Minha mente ainda não está 100%, e por isso demoro a abrir os olhos, sendo que a primeira coisa que vejo é o teto branco. Em seguida, viro meu rosto até a visão focar no soro que pinga lentamente, entrando em minhas veias, o que é mais um motivo para eu resmungar, já que odeio agulhas e ter uma enfiada em meu braço não ajuda em absolutamente nada.

— Isla? Amor? — Finalmente sinto a mão de Jonny em meu rosto, trazendo-me a realidade a tempo de focar em seu semblante angustiado.

— Oi. — Digo, sorrindo suavemente. — O que aconteceu?

— Não sei, a médica disse que você chegou desmaiada... — Jon se senta na maca, bem ao meu lado como se tivesse medo que eu desaparecesse na frente de seus olhos. — Me ligaram porque sou o seu número de emergência, depois da Liz, mas ela não atendeu e eu vim correndo para cá.

—Eu não me lembro de nada, acredita? É como se tivessem apagado tudo que aconteceu antes, a última coisa que me lembro é de chegar na academia.

— Isso é normal depois de um desmaio. — Uma voz desconhecida em direção a porta chama nossas atenções. É a médica, doutora Rosa pelo que está em seu crachá. A mulher, de cerca de sessenta anos, com a pele escura e cabelos brancos está com a minha ficha na mão, já sabendo exatamente o que aconteceu. — Ela chegou aqui com hipoglicemia, ou seja, tinha pouco açúcar no sangue, você se alimentou antes de ir para a academia? Seu personal disse que te viu em um ritmo muito acelerado na esteira.

— Não, eu... Estava atrasada, então não deu tempo de comer nada. — A mão de Jonny aperta a minha levemente antes de acariciar com o polegar.

— Você deu sorte, mocinha... Não machucou os lesionou nada, mas vamos te manter aqui para observação durante a tarde, está bem? — Antes de ir embora, a médica se aproxima para verificar o soro. Quando ela nos deixa a sós, encaro Jonny, não trocamos sequer uma mensagem desde ontem e agora posso ver os resultados da briga dele com Laurent: o canto da sua boca está machucado e a têmpora roxa, um pouco inchada.

— Isla eu... — Ele começa, mas interrompo com a cabeça balançando em negativo.

— Não. Olha Jonny, o Laurent passou de todos os limites ontem! Se ele tivesse falado aquilo para mim, como forma de provocação, eu teria dado um tapa sem nem pensar duas vezes.

— Eu ia adorar ver isso! — Ele ri, imerso em devaneios dessa possibilidade.

— Mas outra coisa foi você querer gastar milhões de dólares com um colar! Você sabe que eu não sou dependente de luxo! Nem teria lugar para guardar uma joia daquelas! Vale mais do que tudo que tive até hoje! — Gesticulo nervosa, o que faz com que o soro se solte do meu braço e o sangue volte. Fecho a cara, um pouco enojada antes de arrancar o restante, que fica pingando no chão. — Foi inconsequente! E se Laurent tivesse desistido?

— Eu iria bancar de qualquer jeito, Isla. — Ele levanta, indo em direção a porta para chamar a enfermeira que volta para recolocar meu soro. Minha barriga ronca de fome, e a moça deve escutar, porque depois me dá uma bandeja com biscoitos de água e sal, além de um suco. — Só queria te dar um presente.

— Meu amor, eu não me apaixonei por você por causa do dinheiro! Esse tipo de ostentação não me enche os olhos! — Minha fala sai um pouco atrapalhada, pois estou de boca cheia, o que causa uma risada baixa em Jonny. — Agora pode me fazer um favor? Já que vou passar a tarde toda aqui e ainda são, sei lá, umas nove horas da manhã?

— O que você quiser.

— Meu notebook. Quero trabalhar a distância, e você vai para o ateliê! O desfile está chegando e eu não quero saber de você atrasando as remessas porque estou no hospital!

— Isla, eu não vou fazer isso! — Suas expressões demonstram incredulidade com minhas falas.

— Sim, você vai! Ou eu vou assinar os documentos e sair daqui a força, o que você prefere? Porque vai ser uma dessas opções que vai acontecer. — Arrebito o nariz, convencida de que ganharei nosso conflito.

O silêncio entre nós dois é como medimos forças, mas ele sabe que não vou desistir e por isso ergue as mãos em rendição. Antes de sair, Jonny me dá um selinho e diz que volta logo. E eu sei que volta. Tenho a sensação que se mesmo que o mundo estivesse acabando, ele acharia o caminho de volta para mim.

— Então nós temos provas o suficiente? — Meu dia, ainda que no hospital, não pode parar, ainda mais porque tenho uma reunião marcada com o advogado que está tratando do caso de Sayuri. Nós três estamos em ligação de vídeo, mas ela está presencialmente no escritório dele.

— Bem, com todas as provas que Sayuri anexou do processo antigo no Japão, os vídeos e provas dele gastando para comprar presente milionários para você... O fato dele estar empregado e ter registrado um novo apartamento em nome próprio são indícios suficientes para entrarmos com a ação.

— Ótimo, então faça... Não podemos correr o risco dele sair do país e estar sob outra jurisdição. — Por mais que seja a coisa certa, uma parte minha está receosa com os desdobramentos. — O que você acha, Sayuri?

— Nós viemos até aqui para isso, não é? Eu só quero justiça, e depois volto para meu país... — Ela parece mais triste do que eu esperava, só não sei o motivo correto.

— Mas isso não vai ser rápido, vou ajuizar a ação hoje, mas pode demorar até que o réu, no caso ele, seja citado e Isla... Você vai ser chamada como testemunha, algum problema com isso?

Batuco meus dedos no teclado, olhando as peças como se só isso importasse mas as outras duas pessoas na ligação esperam por minha resposta ansiosos. Sei que se disser não, as coisas vão se complicar para o lado de Sayuri, além disso, Laurent mentiu para mim, mais vezes do que jamais vou saber.

— Claro, pode ser. Vou te mandar meus documentos. — Encerro a chamada, sentindo uma confusão de emoções em meu peito. Estou prestes a contar todos os segredos e coisas que vi ao lado de Laurent, trair totalmente sua confiança. Fecho os olhos e respiro fundo, fazendo com que nossos momentos não sejam superestimados. As mentiras e golpes de Laurent são reais, o que tivemos? Eu jamais saberei.

Decidida a seguir em frente com meu dia, começo outra ligação, dessa vez no atelie para ver como todos estão se saindo. Alterno entre as câmeras dispostas no local, sorrindo ao notar que a produção está quase pronta, com tempo sobrando ainda por cima. Nunca imaginei que Jonny e eu conseguiríamos realizar esse feito: estamos nos detalhes finais. No fundo da imagem vejo meu namorado sentado em uma das mesas de costura, sua expressão é tão calma, dá para perceber que está no lugar em que ama e por isso é tão feliz. Meu coração acelera com a imagem do rapaz e um sorriso bobo automático toma conta dos meus lábios, sei que estou completamente rendida por ele e a ideia de passar o resto da vida ao seu lado não parece uma coisa ruim.

Fico observando a cena, até que ele levanta com uma peça que não reconheço da nossa coleção, mas está longe o suficiente para que eu capte qualquer detalhe. Curiosa, tento aproximar a câmera, sem sucesso algum. Independente do que seja, ele não quer que eu saiba e por isso troco de imagem, agora vendo uma Candace rodopiando com sua roupa do desfile. Tivemos pouco tempo para organizar a documentação da mulher, mas agora, ela vai para Paris conosco e tem passado em todos os testes toxicológicos, ela realmente quis mudar de vida e a única coisa que consigo sentir é orgulho.

Antes da minha estadia no hospital acabar, abro os sites de fofoca para ver as notícias da festa de ontem. Em algumas revistas encontro minhas fotos com Jonny, apenas destacando os convidados, enquanto em meios mais adolescentes nossas entrevistas são super exageradas, nos colocando como o novo casal da moda. Esse duplo sentido caiu no gosto da mídia desde que a Variety usou em nossa primeira capa juntos.

Felizmente, não há nenhuma reportagem sobre a briga entre Laurent e Jonathan, somente a notícia que o ruivo arrematou a peça mais cara da noite. Interiormente, me questiono sobre o que ele vai fazer com a joia, já que eu recusei.

Quando o relógio alcança 17:00 horas, recebo uma ligação desesperada de Elizabeth, que estava ocupada até agora. Digo para ela se acalmar e que está tudo bem, mas ela insiste que assim que eu chegar em casa, terei um jantar super nutritivo a minha espera.

— Está pronta para irmos? — Novamente, é a voz de Jonny que me chama atenção no meio do silêncio do hospital. Mas dessa vez, quando direciono meu olhar até a fonte, dou de cara com um lindíssimo buquê de lisiantos brancos e roxos. Levanto da maca, indo até que Jonny super animada. — É para a minha garota ficar melhor.

— Eu amei, são lindas! Uma das minhas flores favoritas. — Estico meus pés para dar um beijo na sua bochecha, pegando o buquê logo em seguida. Como se eu fosse de porcelana, Jonny pega minha bolsa com a roupa da academia e notebook, enquanto entrelaço meu braço no dele que está livre.

Dormimos abraçados nessa noite.

O abraço dele está começando a me fazer sentir como lar. E eu nunca tive isso antes. 

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