Capítulo 1
Meu peito descia e subia fortemente pelo cansaço ao fim da coreografia. Meu pescoço estava devidamente alongado, acreditava com todas as minhas forças que aquela de longe foi a minha melhor passada. Mas, como nada é perfeito conseguia ver pelo canto dos olhos a professora fazer um sinal para que eu o esticasse mais. Uma bailarina sempre deve buscar a perfeição, escutei Andréia ecoar em minha cabeça. Perfeição. Essa palavra sempre me perseguiu, seja por "ela é uma filha perfeita, só traz orgulho", seja por "Uma bailarina deve ser perfeita e nada menos do que isso." A perfeição é algo relativo. Por exemplo sempre fui taxada de perfeita, mas ao mesmo tempo eu tenho que buscar mais ainda, pois não sou o suficiente.
Congelada esperei o sinal para que pudesse sair e assim que escutei palmas preguiçosas de uma professora que não estava lá tão satisfeita, percebi que poderia finalizar completamente. Ela não estava contente com o resultado, como se algum dia pudesse ficar. Esse é o problema da busca para a perfeição, nada nunca é o suficiente, por mais que você tente.
Depois de receber diversos puxões de orelhas fomos liberados e uma lista imensa do que poderíamos aprimorar. Meu estômago urrava por alimento e eu estava louca para satisfazê-lo. Os corredores estavam cheios, havia pequenas, médias e grandes bailarinas passando de um lado ao outro. Algumas com o penteado em perfeito estado, outras nem tanto. Quem sabe foi a pressa ou até mesmo o tanto que piruetas fizeram com que alguns fios se revoltassem. O meu permanecia intacto, meu cabelo já havia até se esquecido de seus cachos de tanto que eu esticava para trás com gel. Dores de cabeça? Não as sentias. Estes dez anos sendo bailarina me condicionaram a simplesmente ignorar qualquer dor que o meu corpo emanasse.
Avistei Karen no refeitório. Enquanto mordia uma maçã falava sem parar com Vanessa e Joana ninguém estava mais animada que ela. O espetáculo era daqui a oito semanas e sua família conseguira vir. Nunca iria esquecer sua cara quando sua mãe ligou dando as boas novas, quase fomos levadas para diretoria dos gritos da minha amiga.
Seu olhar cruzou com o meu e ela acenou fortemente para que eu pudesse identificá-la na multidão.
- O que aconteceu? Andréia prendeu você de novo? - Vanessa perguntou
- Essa mulher é um horror, estudo aqui há seis anos e nunca a vi feliz - Karen esbravejou, me fazendo rir- É sério, lembra quando ela disse que minha quinta posição dava vergonha ao nome da escola?
-Todos os professores são rigorosos. - Dei ombros, quando decidi estudar na melhor escola de balé do país sabia muito bem o que me esperava.
- Eu só tinha 13 anos. - Karen reclamou antes de dar outra forte mordida na maçã.
Era claro que os professores exigiam muito mais que perfeição, era uma escola de excelência. A turma que começou com você ia diminuindo cada vez mais ao decorrer dos anos. Ficava me perguntando quantos amigos ou amigas Karen perdeu, já que ela tinha chegado alguns anos antes de mim.
Tínhamos que ser alunos perfeitos na escola, na dança na beleza, educação... Vivíamos para aquilo, e o melhor era que ninguém ali parecia arrependido. Karen por exemplo vivia a milhares de quilômetros da sua família e por mais que aquilo a destruísse. Ao fim de um espetáculo não tinha nada do mundo que pudesse tirar seu sorriso. Diferente de mim que cheguei a 2 anos, após a seleção especial. Karen passou a vida inteira aqui.
- Parece até que não sentirá falta... - Joana falou em tom de brincadeira
- É claro que eu vou sentir falta, conheço mais aqui do que a minha casa - Karen respondeu
Nossa formatura estava próxima e com isso incertezas vinham. Como seria minha vida daqui para frente? Há dois anos deixei minha cidade natal para realizar meu sonho e prometi a todos que voltaria assim que me formasse. Mas era aquilo que eu queria? Voltar para o interior? Meu celular vibrou em cima da mesa. Era uma mensagem do Pedro, soltei o ar fortemente. Meus amigos se entreolharam, eles sabiam exatamente de quem se tratava.
"Pode falar agora?"
Arrastei a cadeira e antes que eu pudesse sair senti a mãos e Jorge no meu pulso.
- Não vai terminar de comer?
Olhei para meu prato, só havia comigo a salada.
- Eu já volto. - Ele levantou a sobrancelha - É rapidinho.
Antes que ele pudesse falar alguma coisa sai em passos apressados em direção a saída do prédio. Arrastei o nome escrito "amor" e em menos de 3 toques ele disse com uma voz doce.
- Oi meu amor. -Sorri instantemente.
Era apaixonada pela mesma pessoa desde os 14 anos, mas mesmo depois de quase 5 aos juntos ainda sentia meu rosto esquentar quando ele falava comigo.
- Já almoçou? -perguntei
- Aham. Queria saber se quer que eu te busque na rodoviária.
Assim que Tales termina de falar eu volto para realidade. É aniversario de 15 anos da Talita, irmã mais nova dele. Merda! Era quando mesmo? Semana que vem? Tinha esquecido completamente.
- E-eu.. é...
- Você vem, não é, amor?
- Claro, claro... é que eu tenho um ensaio e...
-Tata está contando com você, eu estou contando com você. - Ele disse - estou cheio de saudades, você já furou da última vez.
Ele se referia da festa de aniversário da cidade, que era praticamente o maior evento que a cidade de apenas oito mil habitantes tinha.
- Eu sei... vou dar um jeito. - Respondi firme, mesmo que dentro de mim não houvesse certeza alguma.
- Promete?
- Claro, amor.
- Estou te esperando. Te amo. - Senti um nó na garganta. Eu o amava é claro, mas a tensão de deixa-lo na mão me incomodava demais.
- Também - respondo com a voz fraca antes de desligar o celular.
O alarme anunciando a parte da tarde tocou me acordando dos pensamentos. Sempre soube que ter um relacionamento com mais de 900 km de distância iria ser difícil. Eu busquei isso, agora precisava me organizar para dar um jeito. Era imprescindível que eu estivesse lá no sábado à noite, isso significaria que eu teria que sair daqui sexta de manhã, fazendo com que eu perdesse todas as aulas da tarde. Como eu iria perder todas as aulas da tarde? Seu eu fosse de avião até a capital do estado e depois pegasse um ônibus provavelmente economizaria quase 10 horas. Porém passagens de avião definitivamente não cabem no meu bolso.
O que eu ia fazer? Não dava para furar novamente.
Meu telefone começou vibrar novamente. Mãe. Era só o que me faltava. Me veio à cabeça não atender, mas eu já havia recusado tantas vezes que é bem possível que daqui a pouco ela aparecesse lá só para verificar se eu estava viva.
- Alô - tentei falar de uma maneira que não transpasse minha tensão
- Filha, finalmente consegui falar com você - disse aliviada - mandei para você umas opções de vestido para a festa da tata.
- Você não vai comprar nenhum vestido, não é mãe?
- Claro que não menina, tá achando que eu sou rica? - ela perguntou de uma maneira que me fez dar uma leve risada - Sua vó vai fazer.
- Vai fazer uma mulher de quase 80 costurar?
- Ela que se ofereceu.
- E você por bom senso tinha que ter negado. - disse como se fosse óbvio
- Amanda, por favor, só escolhe um modelo. Ela não tem muito tempo.
Senti algo travar na garganta. Fazer a minha vó idosa costurar algo que eu nem sabia se iria me pareceu completamente errado. No entanto, se eu não fosse não sei como meu relacionamento ia se sustentar, e eu não estava falando do meu relacionamento do Pedro.
Era completamente assustador a ideia de voltar.
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