XIII. Deusa Verde


A luz voltou a tomar conta de sua visão e estava de pé dentro do Templo da Adoração. Os raios de sol iluminavam o ambiente, somente uma estátua permanecia inteira. Aquela que representava o último ídolo pecaminoso a ser derrubado.

Andou até Mono que dormia suavemente sobre o altar. Sua boca rosada estava entreaberta mostrando parte dos seus dentes brancos. Vander era capaz de ouvir a respiração dela, assim como seu peito subir e descer enquanto puxava o ar. Ela estava viva. Só lhe faltava consciência.

—Da próxima vez que você voltar para esse lugar sua amada donzela estará acordada. —Disse Dornme surgindo do outro lado do altar, caminhando com os fortes braços cruzados para trás. —E eu, poderei enfim ser livre.

—Se você quer tanto tal liberdade, deveria se esforçar mais em me ajudar. Como por exemplo me avisar que aquele monstro estava à espreita.

Dornme se virou para ele, suas feições eram quase humanas, e esboçavam um sorriso cínico.

—Me perdoe. É que nunca foi do meu feitio ajudar humanos.

Vander não respondeu. Apenas se despediu de Mono e seguiu até onde Agro o esperava.

—Porém... —Dornme continuou. —Vou ajudar você dessa vez. Aconteceu algo adverso.

Vander parou no caminho e voltou-se para o demônio.

—O que quer dizer com isso?

—Bem. Já tem algum tempo que sinto presenças humanas vinda das montanhas que separam este vale de Prostatheon. Acredito que estão atrás de você, ou da sua fêmea.

—Mas que... E por que não me disse isso antes? —Vander irritou-se.

—Aqueles mortais nunca ofereceram nenhum risco. Aquelas montanhas contêm um encantamento que impede que qualquer um chegue ou atravesse para este lado, a menos que o viajante tenha consigo algum objeto ancestral, como esta espada. —Dornme apontou para cintura de Vander.

—E eles não têm. —O garoto quase sussurrou envolto em seus pensamentos.

—Porém, com a morte do sexto, o encantamento foi desfeito e seus perseguidores serão capazes de enxergar a torre, a ponte, e podem atravessá-la.

Aquilo revirou o estômago de Vander. Certamente Lorde Afros mandara seus homens para resgatar o corpo de Mono, talvez seu irmão mais velho, Varsian estivesse entre eles, liderando a campanha.

—Quanto tempo eu tenho? —Perguntou seriamente.

—Não muito. Mas dessa vez serei benevolente. Usarei meus poderes para enviar você e seu cavalo o mais próximo possível do sétimo demônio, assim poupará seu tempo.

Vander assentiu e assoviou para chamar Agro, que foi até ele rapidamente.

—Cuidado herói. Enfrentará o pecado da Ira, sempre foi a parte mais poderosa da minha alma. Esse colosso é diferente de qualquer um que você enfrentou, logo você entenderá o porquê.

Dornme então estalou os dedos e de imediato desapareceu da vista de Vander. Na verdade, tudo a sua volta tinha sumido. Estava em campo verde com a grama rente ao chão. A sua frente, pouco menos de um quilômetro, estava uma montanha alta, com algumas árvores ao pé, mas nenhum verde em sua extensão.

O cume da montanha se escondia entre grandes nuvens negras carregadas com trovões e relâmpagos. Era o único lugar do céu inteiro que continha nuvens. Vander não precisou erguer a espada, sabia que era lá onde deveria ir.

Montou Agro e partiram em direção a montanha em alta velocidade. Foram seis colossos derrubados um a um. Ele não sabia quanto tempo se passou desde então, já que nunca anoitecia, mas para ele foi uma eternidade.

Seu corpo estava mais forte que nunca. Sentia que era capaz de erguer Agro nas costas, seus reflexos estavam mais ágeis, sua visão e até mesmo sua audição estavam mais apuradas, mas mesmo assim, cada vez mais sentia que algo dentro de si estava sendo corroído, como um metal enferrujado.

Ao pé da montanha, entre as poucas árvores havia um caminho de terra batida, uma estreita trilha que levava até o topo. Vander ia diminuindo a velocidade para subir o terreno acidentado quando algo fez Agro parar bruscamente.

Um ruído saia de embaixo da terra, um pequeno monte foi se levantando a sua frente, da terra antes virgem, brotavam flores e plantas, enquanto o solo se contorcia de maneira estranha, como se estivesse se esculpindo.

Agro relinchou e deu alguns passos para trás. Vander sacou a espada mal acreditando no que seus olhos estavam vendo. De toda aquela terra saiu uma mulher. Uma linda mulher de cabelos vermelhos como fogo, a pele clara, como a neve e completamente nua.

—Quem é você? —Vander disparou.

A mulher o encarou. Seus olhos eram tão verdes quanto as plantas que germinavam aos seus pés.

—Meu nome é Skala. —Sua voz era doce como uma melodia romântica. —Vocês me conhecem como deusa do amor e da colheita.

Vander lembrou-se dos anos em que o inverno foi rigoroso e ouviu seu pai rezando para que Skala abençoasse a colheita. Skala era a deusa mais cultuada de Tebas, em quase todos os casamentos a noiva trazia consigo um buquê de camélias brancas, que representavam a benção de Skala. Dentro do castelo de Lorde Afros havia uma escultura da deusa, uma que não se assemelhava em nada com a mulher que o garoto via agora em sua frente, a escultura possuía vestes.

—Imagino que você esteja surpreso. —Ela disse enquanto se aproximava. —Mas pensei que depois de tudo que você já passou, não se surpreenderia mais com nada.

—O que você quer? —Disse Vander ainda desconfiado.

Skala levantou a mão e dela surgiu uma maçã vermelha, ofereceu para Agro.

—Ela adora maçãs, não é?

—Como sabe disso?

A égua cheirou a maçã, mas a recusou. O que surpreendeu o garoto que sabia do seu amor por aquela fruta. A deusa então a deixou cair no chão desapontada.

—Eu sou uma deusa. Eu sei de tudo.

—E o que você quer? —Vander repetiu a pergunta.

—Quero conversar com você.

—Eu não tenho tempo para conversas. —Disse rispidamente.

—Você não entende o que está prestes a fazer. —O tom de sua voz que antes era meigo e suave, muda para sério imediatamente.

—Estou prestes a salvar Mono.

—Você está prestes a destruir Prostatheon.

Vander ignorou e deu sinal para sua égua prosseguir, mas a deusa entrou na frente, parando-os.

—Você não sabe quem é Dornme! Ele odeia a humanidade e pretende se vingar de todos assim que conseguir seu poder. Você é apenas um peão para ele Vander. Uma espécie de recipiente onde ele está guardando os retalhos de sua alma para arrancar de você depois.

Vander desmontou de Agro.

—Como assim?

—Você não percebe? As mudanças que ocorreram em seu corpo até agora são resultado disso. Aqueles que participam da morte de um ídolo recebem a sombra para dentro si. Essas sombras são partes da alma de Dornme, as partes que ele quer recuperar. Assim que você matar o sétimo, ele tirará de dentro de você e voltará a ser o monstro que era séculos atrás.

—Mas ele trará Mono de volta. Ela está voltando a vida, eu vi.

Skala se aproximou dele e colocou uma mão sobre seu ombro.

—É amor que você quer? Nós podemos te oferecer qualquer mulher do mundo, do norte ao sul do reino, as mais belas. É a nobreza que almeja? Podemos te inserir nela, você pode ter as terras que você quiser, e ter a sua própria Casa que durará gerações.

—Como você se diz deusa do amor se nem ao menos o entende? —Disse tirando a mão de Skala.

—Não foi eu quem me nomeei assim, foram vocês humanos! —Respondeu irritada. —E eu entendo muito mais do que você. Eu vi quando você conheceu Mono. Vi quando você se declarou para ela, quando entrou no castelo para enfrentar o pai dela, ou quando seu irmão o desafiou. Eu vejo casais apaixonados desde o início dos tempos. Todos são iguais, igualmente tolos.

—Você diz que viu tudo. Então por que não impediu que ela morresse? —Vander cuspiu as palavras.

Skala desviou o olhar.

—Nós não interferimos no destino de ninguém.

—Ressuscitem ela vocês! Vocês são deuses. Se vocês a salvarem eu desisto do último colosso.

Os olhos de Skala começaram a lacrimejar. Nunca na vida Vander imaginou ver uma deusa chorar.

—Nós não podemos. —Disse quase sussurrando.

Vander foi até uma árvore e a socou aos berros com força, atravessando o braço inteiro no tronco o destruindo com sua raiva.

—Não podem impedir que o mal aconteça, não podem remediar um mal ocorrido. Para que merda servem os deuses?

—Vander, escuta. Eu vim para...

—Eu sei para o que você veio. Poderiam ter mandado o deus da guerra, o deus da tempestade ou até o deus ferreiro, mas mandaram você. Porque sabem que não podem me derrotar e eu posso tirar a imortalidade de vocês com isso. —Ele apertou o punho da espada ancestral e percebeu a hesitação nos olhos da deusa. —Vocês acharam que era melhor me convencer através da palavra.

—Estamos tentando salvar você!

—Então por que você não veio antes? — Fez-se um silêncio de alguns segundos. — Eu respondo. Porque vocês duvidaram que alguém como eu pudesse sobreviver a esse inferno. Não se deram ao trabalho porque achavam que eu morreria no primeiro colosso. Vocês deuses são tão arrogantes quanto Dornme.

—Você não entende...

Vander voltou para Agro e a montou.

—Você acha que seu objetivo é altruísta, mas não é. Só está pensando em você mesmo Vander. Você é o mais egoísta de todos!

O garoto deu a ordem e Agro disparou pelo caminho da montanha deixando a deusa gritando ás suas costas.

—Eu te amaldiçoo Vander! Hoje mesmo você verá a morte!

Vander ouviu a voz dela ecoando pela montanha enquanto ia se distanciando.


Se você chegou até aqui, parabéns pela paciência e muito obrigado por acompanhar essa história até essa parte final. Deixem uma estrelinha para alegrar meu dia. Um abraço para o G32.   

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