5.




Eu não me lembrava da última vez que vi Mabel Madison chorando. Talvez eu nunca a tivesse visto. Minha mãe sempre foi o maior símbolo de coragem e resistência que eu conhecia, e vê-la em um momento tão íntimo entre nós duas quase me deixou arrependida pela pergunta.

Ela me contou tudo. Primeiro, pediu desculpas por ter contado a Peter sobre meus problemas. A verdade é que minha ansiedade a preocupava muito, e como ele também tinha uma filha adolescente, ela recorreu ao Coleman em um pedido de socorro, e então os dois procuraram por Celestine e ela disse que um animal de estimação seria uma ótima companhia. Não pude me frustrar com a situação, já que a intenção dos dois era pura.

Infelizmente, não era só isso. Mabel estava, sim, apaixonada por Peter Coleman, mas o grande problema era que ele também correspondia. Ela disse que descobriu primeiro. Com isso, sua primeira e melhor opção foi pedir ao hospital que trocasse seus horários para o noturno duas vezes por semana, exatamente nos dias em que ele estava em tratamento. No hospital, mamãe disse que a mudança era necessária por minha causa e, em casa, ela havia me informado que foi uma escolha deles. Tudo para que não tivesse mais que encontrar com ele, afinal de contas, se condenava por ser tão atraída por um homem com um casamento de vinte anos.

Duas semanas depois, Peter a procurou no período da noite, indagando porque ela havia saído do círculo de médicos que cuidavam dele. Ela não sabia o que dizer, então apenas disse a ele que ele merecia o melhor tratamento que o hospital central de Ohio poderia oferecer, e ela não se incluía no time. Mas o dono da Pejari não aceitou. Peter disse que confiava de olhos fechados nela e a visitou por cinco noites seguidas na expectativa de levá-la de volta para o turno do dia, e então ele só parou quando ela aceitou almoçar com ele após uma consulta.

Mamãe disse que ele começou a falar sobre o divórcio. Ali, ela não tinha ideia do porquê esse assunto tão pessoal chegava até ela mas, ele a olhou intensamente nos olhos e disse que alguém havia feito ele relembrar depois de tantos anos o que era gostar demais de estar próximo, e confidenciou naquele momento o quão atraído estava por ela. Mabel tentou fugir disso, dizendo que nunca fora a intenção dela causar tamanha turbulência no casamento e na família de outra pessoa, mas Peter afirmara que a decisão já havia sido tomada tanto da parte dele quanto da de sua esposa há algum tempo, antes mesmo que fosse revelado a doença dele. Que, de uma forma ou outra, ele se libertaria daquilo e queria muito que mamãe fizesse parte da nova fase dele.

A verdade é que eu não podia julgá-lo. Peter Coleman poderia ser casado com a Miss América, mas particularmente não acho que exista outra mulher como a Dra.Madison. Linda, educada, inteligente e encantadora, não haveria como não se apaixonar, e eu não poderia condená-lo por isso. O que era de fato condenável era que ninguém mais sabia disso, e argumentei com todas as minhas forças o quanto eles não tinham ideia de que aquilo poderia me prejudicar, tanto com as minhas amigas quanto socialmente. Ser conhecida como a filha da amante de Peter Coleman e a amiga traira de Beatrice seria o último problema que eu precisava.

Ainda sim, mamãe garantiu que a história de Peter não era mentira. Inicialmente, ela se afastou com medo de estar sendo manipulada, mas logo depois Judith começou a ir com frequência no hospital, fazendo exames e até levando o filho mais velho ao hospital, e ela fazia questão de pedir para ser atendida por minha mãe e sempre que saía, dizia: "ótimo trabalho. Parabéns pelo feito." E Mabel não era boba para não entender a analogia.

Assim, certa de que Judith estava mesmo ciente do divórcio, mamãe se permitiu se encontrar mais vezes com Peter, e me afirmou que não se sentia tão feliz há muito, muito tempo. Depois disso, toda a minha raiva se dissipou. Haviam poucas coisas no mundo que faziam Mabel suspirar de paixão, e o brilho que inundava seus olhos não me permitia ser cruel a ponto de querer crucificá-la.

"Então o próximo passo é contarmos aos Coleman." Dei a ideia no dia seguinte, em um almoço entre nós três. "Podemos dar um jantar em nossa casa. O que acham?"

Eu tentava, me sentindo fraca demais para carregar aquele fardo.

"Eu adoraria que isso fosse possível, querida." Peter acrescentou, e limpou o canto da boca de mamãe que estava focada demais em sua macarronada. Os dois riram. "Mas uma das exigências de Judith era que nós contássemos aos meninos apenas quando os papéis estivessem prontos. Ela não queria que a situação de convivência ficasse ruim em casa, então pediu para que nós contássemos juntos quando fosse a hora."

"E quanto tempo demora para que os papéis fiquem prontos?" Tentei, totalmente alheia ao assunto em termos legais.

"Eles têm muitos bens." Acrescentou mamãe, tomando um pouco de suco. "Da última vez que fomos ao escritório do advogado de Peter, ele disse que o advogado de Judith está tentando complicar as coisas."

"Não posso tentar desafiá-la ou colocá-la contra a parede. Ela pode fazer disso um escândalo na mídia em questão de segundos." Continuou Peter, tirando do bolso uma bala de caramelo, uma de minhas preferidas, e empurrando pra mim como sobremesa. "Tudo que podemos fazer é esperar."

Os dois pareciam tranquilos quanto ao "esperar". Mas eu não.

Durante os dias que se passaram, eu me sentia obrigada a estar em casa para comprovar o que Mabel havia me prometido. Segundo ela, ela não tinha coragem de ir para a cama com ele enquanto fossem casados, então eles só se encontravam esporadicamente como amigos mas eu ainda fazia questão de acompanhá-los sempre que podia na intenção de fiscalizar. E os dois não pareciam incomodados com isso. O Coleman, de fato, tinha um dom natural para ser um homem adorável tanto como amigo quanto pai. E aquilo era uma das coisas que não me deixava dormir a noite. Eu amava a ideia de tê-lo um dia como pai, mas não conseguia parar de pensar que "ser como Beatrice" não era "ser ela". E era aquilo que parecia. Que eu estava tomando a vida e a família dela pra mim, e eu odiava isso com todas as forças.

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Quinta-feira, 5 de Abril de 2018. Por algum motivo, Scarlett insistiu em me buscar na escola e tomarmos um sorvete juntas antes de me levar para casa. Como ela tinha feito o convite só para mim e não para Lilli, decidi não mencionar com ela, mas não consegui parar de pensar no que ela poderia querer desde então.

一 Estar namorando te deixou mesmo mais radiante.一 Scarlett decidiu falar, depois que guardou sua carteira e caminhávamos da sorveteria até o carro. 一 Precisamos marcar alguma coisa para encontrarmos o Charles, não? Precisamos fazer uma série de perguntas e...

一 Eu as proíbo de assustá-lo.一 Falei, sem muita empolgação pela conversa. A detetive pareceu perceber, e então me olhou por alguns segundos antes de entrarmos no carro.

一 Está feliz com isso?

一 Estou. 一 Scarlett ainda não poderia saber o que exatamente me entristecia. A verdade era que na noite passada Beatrice e Peter brigaram, e ela parecia tremendamente abalada na aula, tinha cortes nas mãos sabe-se lá o porquê e bolsas de olheiras mais profundas do que de costume. Por não ter me contado o motivo da briga, eu me sentia ansiosa e incomodada apenas por cogitar que Bea já sabia da relação do pai dela com minha mãe.

一 Então porque não parece?一 Perguntou ela alguns segundos depois.

一 Tenho outros problemas.

一 E posso ajudá-la?一 Ela parecia realmente dedicada a isso. Infelizmente, Scarlett, ninguém poderia saber.

一 Não. 一 Após minha resposta breve, a White apenas batucava as mãos no volante, mas eu já a conhecia bem para saber quando escondia algo.一 E a sua viagem a trabalho, foi boa?

一 Sim.一 Mentiu. 一 Mas não há nada para comentar sobre. 一 Certamente havia.一 Eu queria falar um pouco sobre você.

一 Imaginei que sim.一 Cruzei os braços e a olhei atentamente enquanto dirigia.

Scarlett parecia escolher bem as palavras.

一 Isso não deve ser da minha conta. Mas me preocupo com você.一 Por um momento, pensei que ela tivesse descoberto a relação que tanto tentavam esconder, e eu finalmente poderia conversar sobre isso com alguém. Mas não era tão simples.一 Di, a minha unidade dentro da polícia está tentando provar a inocência de uma pessoa em um caso de assassinato. Nós sabemos quem é o culpado, mas não conseguimos pegá-lo, então precisamos reunir todas as provas possíveis.一 Ela suspirou. Eu ainda não sabia como isso me envolvia.一 Ontem tivemos um mandado para o consultório da Celestine. Fui até lá.

A menção de minha psicóloga me fez esconder as mãos que começaram a tremer.

一 Não sei se quero continuar essa conversa.

一 Precisei ler alguns relatórios e...

一 E isso é ilegal!一 Reagi da forma mais grosseira que consegui, me sentindo exposta. 一 Não quero ouvir o que você tem a dizer.一 Porque, afinal de contas, eu já sabia.

Scarlett bufou.

一 Di, eu te amo, e sinto muito por ter lido algo tão pessoal, mas existem coisas ali que nem mesmo sua mãe sabe.

一 Porque eu estou bem. 一 Acariciei minhas têmporas, desejando que aquilo acabasse logo. 一 Pode me deixar por aqui mesmo, eu não ligo.一 Apontei para qualquer parte da estrada, e senti que minha ansiedade me mataria ali e agora.

一 Diane eu tenho certeza que posso te ajudar com isso. Mas não suporto a ideia de você estar se drogando sem prescrição e...

一 Nunca mais me chame de drogada!一 Gritei, mas ela parecia acostumada com situações de risco, ela sequer se mexeu. Os olhos continuavam fixos na rua.

一 Não eu não quis te chamar disso eu, eu não... Di, eu só quero que saiba que carregar todos esses remédios e tomá-los sem autorização e sem controle não te faz bem e...

一 Não preciso que você me explique isso.

一 Di, o problema não é só que você pode estar acabando com a sua saúde, mas pegar esses remédios em nome da sua mãe também pode prejudicar a profissão dela e...

一 Chega!一 Explodi, grata por finalmente estar em casa. Scarlett conseguiu me olhar, os olhos azuis marejados e uma expressão de dor. Ela não sabia o que era viver o que eu vivia, e não tinha esse direito.一 Você pode ser detetive mas precisa parar de se meter na vida das pessoas se quiser ter elas por perto. 一 Bati a porta do carro, sem olhar para trás em despedida.

Senti que minha bolsa pesava uma tonelada. Os frascos de antidepressivos e ansiolíticos pareciam se agitar ali dentro, e arfei de dor, desejando que alguém pudesse carregar um pouco o fardo que eu tinha nos ombros, apenas por alívio.

Quando pisei no jardim, encontrei um Charles esperançoso sentado na varanda brincando com o cachorro, Oreo, mas seu semblante iluminado logo se fechou quando percebeu que eu chorava e que o carro de Scarlett saia em disparada pela rua.

一 Ei, o que foi? 一 Charlie correu em minha direção para me abraçar, e Oreo o seguiu. 一 Por que está chorando?

一 Por favor, não me pergunte coisas que eu não posso responder. Não aguento mais isso.一 Soltei meu corpo em seus braços e ele me envolveu com toda a força e carinho que podia, enquanto o Golden lambia minha mão esquerda.

一 Tudo bem, tudo bem, não se preocupe. Eu estou aqui. Eu amo você.

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