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No dia seguinte parecia que um camião me tinha atropelado. Jonathan chamou-nos para o pequeno-almoço e viu a minha cara exausta.

- Tobias o que se passa? Sentes-te doente? - perguntou Jonathan e aproximou-se de mim com a mão para ver a minha temperatura, mas eu afastei-me na hora.

- Devia sentir mesmo depois de todas as experiências que fomos alvo! - atirei eu na cara dele. - Mas não foi disso. Tive um sonho muito real ontem, parecia mesmo vivido, como se tivesse a acontecer. - expliquei eu e contei o sonho.

- Interessante. Do sonho conseguimos saber que és um dragão... Conseguiste perceber onde estavas? Era aqui na base? Era fora? Pensaste na missão? Algo? - perguntou Jonathan claramente interessado.

Fiquei entusiasmado com a ideia de ser um dragão, mas tentei-me lembrar do sonho e percebi que estava mais claro agora do que ontem à noite. Comecei a recordar e contei para Jonathan e para Richard o que me lembrava:


- Agora que recordo o sonho consigo ver algumas coisas mais claramente. Primeiro, eu não estava sozinho, tinha mais pessoas a fugirem comigo, uma delas caía em direção ao mar por isso suponho que tivesse sido atingido. Outra voava lado a lado comigo... Havia mais umas mais à frente. Segundo, era fora da base porque quem nos perseguia era uma hidra, um dragão e três fúrias. Terceiro, o ar estava quente e pesado. Quarto ouvi um grito ao longe de gelar os ossos, bastante assustador. - conclui eu tentando dizer tudo com o máximo de pormenores.

- Ar quente pode ser na África ou na América do Sul... As fúrias normalmente são irmãs e só aparecem quando é para levar prisioneiros. O grito espero que não seja o que penso, mas se for é de uma Banshee. Quanto às pessoas que estavam contigo... Que espíritos animais tinham? E qual era aproximadamente o tamanho que tinham? Era pequeno, médio, grande? - perguntou Jonathan.

- O que é um Banshee? Um era, um dragão, o outro, era se não me engano um Thunderbird e os outros eram dragões e fénix e era de tamanho médio. Porque tantas perguntas? Foi só um sonho certo? Nada disto é real. - refutei eu irritado.

- Não podemos dizer isso com certezas. No meu íntimo, eu imploro que seja apenas um sonho, mas os vossos poderes são algo que nunca vi. - começa Jonathan a dizer, depois respira fundo e continua. - Não sei se tem algo a haver com a profecia ou se é teu ou se tem a haver com o facto de serem irmãos de sangue. Mas não devemos pensar nisso. Se acontecer não é por enquanto. - disse ele, pondo um ponto final na conversa.

Eu e Richard olhamos um para o outro, mas antes que conseguíssemos falar Jonathan volta a atacar Maya o que me deixa extremamente irritado.

- Sei que a Maya ouviu a minha conversa ontem com a Alice, aquela miúda tem a mania de se meter nas coisas que não lhe dizem respeito... Mas não se preocupem, ninguém vai embora daqui. Não era capaz de fazer nenhum de vocês ficar longe um do outro ou longe da minha vista, pelo menos sem treino. São muito preciosos. - explicou ele, deixando-me mais aliviado e senti que Richard também ficou.

- A Maya pode ter salvo as nossas vidas. Ela não merece ser tratada dessa maneira. Vocês estão a ser injustos com ela. Ontem foi a Alice que foi injusta com ela porque nos tirou da ala hospitalar, com medo do doutor, hoje é você que só por ela ter ouvido uma conversa diz mal dela. - defendi eu irritado a bater com a mão na mesa.

- Vai-nos falar da tal profecia? Explicar o que esperam de nós? - pergunta Richard, como se a irmã não fosse importante ou como se gostasse de ter toda a atenção dos pais nele.

Eu senti a minha raiva crescer mas mantive-me calado.

Jonathan olhou para mim como se eu não tivesse dito nada e respondeu ao filho:

- Antes de ser assassinada, uma profetisa falou sobre uma profecia que tinha presente três irmão de sangue... Acreditamos que são vocês. A profetisa vai ser encontrada com dezasseis anos e só quando ela aparecer é que a profecia vai ser completada. Nós fomos avisado que a teríamos de encontrar antes dos outros para que não a matassem. - concluiu Jonathan com um suspiro.

Eu não queria prestar atenção até pedirem desculpa pela maneira maldosa que tinham falado da Maya, mas quando Jonathan acabou de falar eu tive de dizer:

- Essa profetisa nova que a profecia fala, quando é suposto aparecer? Não apareceu mais nenhuma ao longo destes quase nove anos?

- Apareceu Tobias, mas os nossos inimigos chegam sempre lá antes de nós. E quando chegamos elas já estão mortas, e dá para perceber que são mortes dolorosas. Fazem-nas sofrer. - respondeu Jonathan triste.

- Na profecia também diz que são três os irmãos de sangue que supostamente irão salvar o mundo, mas somos só dois. - disse eu - Se a profetisa já tiver morta como fazemos? Como vamos saber o fim da profecia? - conclui eu.

- A profetisa não está morta. Ela terá dezasseis anos quando vocês tiverem também dezasseis anos... Nós temos tentado salvar todas as pessoas que podemos só que os inimigos têm andado à caça também e torna-se mais difícil. - respondeu Jonathan com voz triste e cara desgastada, cansado.

Eu senti o pesar das palavras de Jonathan, deve ter sido terrível ver e participar da guerra, ver tanta morte e ainda continuar a ver e a arriscar-se para salvar mais e mais pessoas.

Eu sentia-me com medo e assustado, não só por mim, mas pela profetisa que andava sozinha por um mundo violento, a ser caçada e só daqui a sete anos é que iria ser resgatada por nós.

Quem será que a está a proteger? Será que ela está a salvo? Como é que ela se poderia tornar a nossa destruição? Será que ela é aliada dos inimigos? perguntava-me a mim mesmo.

Enquanto eu pensava na profetisa, sinto-me viajar e a pensar na Maya.

- Onde está a Maya? - perguntei eu, de repente, sem perceber que hoje era dia de escola.

- Como assim? A Maya está na escola obviamente. - respondeu Jonathan com um estalar de língua irritante.

- Pensei que ela fosse ficar em casa conosco hoje... - respondi eu triste por ela estar a ir sozinha, mas lembrei-me que ela tinha muitos amigos.

- O Tobias tem uma paixoneta pela Maya pai. - diz Richard num tom de voz a zombar da minha cara.

- Não é nada disso. Tu sabes bem que ela ontem se deitou tarde para nos trazer para casa sãos e salvos. - respondi eu irritado.

- Essa conversa não tem nada de interessante e não nos leva a lado nenhum. - irritou-se Jonathan. - Agora falando de coisas bem mais importantes do que isso... Vocês vão ser os dois treinados, tanto individualmente como em conjunto. O vosso poder junto pode causar muitos danos e se não treinarem, poderá causar mais desmaios e possível trauma a nível cerebral tanto para vocês como para os outros. - explicou Jonathan calmamente.

- Eu não quero magoar mais ninguém... Nunca vos quis magoar nem a mim... Peço desculpa por isso. - disse eu aproveitando que ainda não me tinha desculpado. - A Alice está onde?

- A Alice está a tratar de coisas para a base e para os vossos treinos. Eu fiquei aqui porque tinha de falar com vocês sobre tudo isto que se está a passar nas nossas vidas. - explicou Jonathan suspirando cansado.

- Há algo que eu não entendo pai. - disse Richard que parecia estar a pensar muito bem nas palavras. - Eu e o Tobias ainda não somos irmãos de sangue. Não fizemos o juramento, então como podemos ter tantos poderes? Há algo que nos está a esconder?

Eu queria dizer que há sempre algo que ele nos esconde porque é a verdade, mas fiquei só a observar e a ouvir.

- Não estou a esconder nada. Só que assumimos que para serem diferentes e mais poderosos, os vossos poderes conjuntos iriam despertar mais cedo, antes mesmo de fazerem o juramento, mas a verdade é que não sabemos. - começou Jonathan a explicar. - Nunca aconteceu nada assim em todos os anos que já vivi. A maior ligação que já vi e presenciei foi do meu filho mais velho, Henry, com o teu pai Tobias. Mas esta ligação entre vocês é algo especial e diferente e temos de saber mais sobre ela. - disse Jonathan tentando explicar-se, abanando a cabeça para afastar um pensamento que estava na cabeça dele, possivelmente do filho.

- Está a tentar justificar as suas ações podres? E o que quer dizer com isso? Quer dizer que vamos ser novamente um produto das suas experiências com o doutor? - atirei eu à cara dele novamente.

- Não, foi muito errado o que fiz e peço desculpa pelo meu comportamento. Queria saber mais e fiquei assustado com o poder que ambos demonstraram contra nós. - desculpou-se Jonathan parecendo sincero.

- O poder que demonstramos não é desculpa para termos sido usados como cobaias de laboratório, vocês cortaram-nos e queimaram-nos. Isso não é humano. - respondi eu zangado.

- Tens razão Tobias, no entanto vocês conseguiram derrubar dois adultos só a apontar para nós e com o poder da mente e da raiva. - Explicou-se ele com cara triste.

Eu fiquei durante um tempo a olhar para ele, mas depois ao ver os olhos dele, notei verdade neles deixando-me mais calmo.

- Está desculpado desde que não o volte a fazer, porque agora já estaremos sobreaviso. Então qual é o plano? Como pretende saber mais sobre o nosso poder? - perguntou Richard interrompendo a nossa conversa.

- A minha ideia é a nível de treinamento e da vossa relação pessoal. Por exemplo, os poderes conjuntos só aparecem quando se faz o juramento, poderes como comunicar mentalmente um com o outro e ver através dos olhos um do outro. É isso que queremos ver se conseguem fazer sem o juramento, caso consigam, assim que fizerem o juramento será tudo muito mais forte e intenso. Queremos apenas estimular os vossos sentidos - explicou Jonathan sem esconder nada.

Senti que ele dizia a verdade e também senti o entusiasmo crescente do Richard.

- Boa! - disse Richard num grito, confirmando o que eu sentia. - E quando começamos?

- Esta semana vão descansar, parecem muito cansados ainda. Para a semana começamos a treinar as vossas emoções em casos de tensão, ao mesmo tempo que têm as vossas aulas normais. Vou pedir ao doutor para vos vir ver e fazer as análises para ver se está tudo bem. Tentem não sair muito de casa até estarem recuperados - informou e pediu Jonathan.

Algo me dizia que nós estávamos prisioneiros, mas que era para nosso bem, talvez as pessoas soubessem do nosso episódio e estivessem com medo e por essa razão tínhamos de fazer os possíveis para não sair de casa.

Eu olhei para o interior da sala, que ainda não tinha sido reconstruída e do sofá às estantes havia uma fissura de energia e tudo o que havia entre ambos os locais tinha desaparecido e havia montes de cinza no chão. Tínhamos desfeito móveis a pó com apenas um movimento de mão e muita raiva.

Eu percebi de imediato o porquê de nos quererem estudar e de quererem perceber os poderes que temos depois de ver a fissura que tínhamos causado na nossa sala.

Se eu estava assustado com o nosso próprio poder, então conseguia imaginar os outros.

O doutor vinha todos os dias visitar-nos e dizia que estava tudo bem connosco que estávamos prontos para outra, ao que eu pensava, que não queria outra.

Maya trazia sempre matéria para nós estudarmos de todas as disciplinas, para conseguirmos acompanhar as aulas, visto que aos doze anos o nosso destino seria definido, em relação aos trabalhos e postos que iríamos representar.

Eu sentia que ela estava triste com algo, mas não queria perturbá-la com perguntas, embora o olhar dela me preocupasse porque estava triste e vazio.

A semana passou sem mais incidentes e sem mais sonhos. Tanto eu como o Richard descansámos o suficiente para voltar a uma nova semana de estudos e de trabalhos.

Antes de irmos para as aulas, Jonathan chamou-nos e disse:

- Já sabem, de manhã têm as aulas normais, vêm almoçar a casa e depois vamos todos para um campo especial para começar os vossos treinos de emoções em casos de tensão, então preparem-se mentalmente para isso. Não quero ter de levar ninguém para o hospital por sucumbirem às vossas emoções. - informou Jonathan. - Vou pedir relatórios do vosso processo tanto nas aulas normais como nestas, portanto não quero nada menos do que o vosso melhor. - disse Jonathan com um sorriso. - Eu sei que são capazes. - concluiu ele e deu-nos um abraço.

Saímos de casa e quando chegámos à sala de aula rapidamente vimos a tensão no ar assim que entrámos.

Todos se afastavam de nós como se tivéssemos alguma doença contagiosa e eu reparei que Maya estava a olhar para a janela, mas que algo estava errado naquela imagem, onde antes costumavam estar três colegas de turma, não estava nenhum.

Ela estava completamente sozinha. Fiz sinal ao Richard e fomos sentar-nos com ela.

Ela não nos viu ou se viu não demonstrou. Quando parou de olhar pela janela reparei que estava a chorar. Ela limpou as lágrimas e sorriu para tentar enganar-nos, mas eu tinha visto.

Eu senti-me mal porque por algum motivo parecia-me que aquilo tinha a haver connosco. Percebi então que devia ser isso que a tinha deixado tão infeliz durante esta última semana, mas ainda sentia que havia algo mais.

- Maya estás sozinha irmãzinha. - disse Richard completamente alheio à situação.

Ele olhou confuso para mim talvez porque estava a sentir pena e culpa vindos de mim sem entender o porquê.

- Preferes ficar sozinha? - perguntei-lhe - Se quiseres vamos para outra mesa.

- Não te preocupes com isso. Já estou habituada. Está a ser assim há duas semanas desde o incidente. - respondeu Maya com voz triste e cansada.

Eu queria perguntar porquê, mas o professor entrou e começou a dar a aula. Eu não consegui concentrar-me, pelo facto dela estar a sofrer as consequências de algo que não era culpa dela.

Quando a aula acabou todos fugiram, tanto os nossos colegas como o professor e a única coisa que a Maya conseguiu dizer sem olhar para mim foi:

- Bem-vindos de volta e bem-vindos à nossa nova realidade. Vemo-nos na aula de educação física. - E dito isto saiu seguindo os outros.

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