Julgamento por combate - Parte I

17 de maio de 849 da 10° Era do mundo – Murien

— Porra, ele é um demônio! — a voz de Nero ressoou forte e raivosa pela sala. Já fazia um tempo desde que esse julgamento havia começado, e pelas caras de todos é óbvio que ninguém aqui aguenta ouvir Nero falando. — Deveríamos mata-lo antes que as coisas piorem e-...

— Defina piores — Alucard falou se inclinando para frente e colocando seus cotovelos sobre a mesa. Ele cruzou as mãos e descansou seu queixo sobre seus dedos entrelaçados. — Como bem sabe o "Fim" está próximo. Nós deveríamos deixar isso para depois de salvarmos a existência, eu suponho.

— Não fale comigo como se eu fosse um ignorante qualquer, Alros — Nero rosnou. — Sei que este... "garoto" tem informações importantes, mas quem nos garante que ele não nos trairá?

— Eu garanto! — Saphira respondeu. Aproximadamente duas horas se passaram desde que o julgamento começou, e está é a primeira vez que ela diz algo. — Eu juro em nome da Criação.

— Ela não é sua para jurar por ela! — Nero exclamou. — Todos sabem como você perdeu seus poderes. Quem nos garante que você também não está sob influência mental de Lilith?!

— Chega! — Alice gritou furiosamente. — Estou farta desta tolice! Ponha-se no seu devido lugar Nero! — ela ordenou enquanto se levantava.

— Minha senhora, eu gostaria de dizer algo — falei fazendo com que todos me encarassem. Obviamente, Nero foi aquele que me fitou com um olhar de raiva e desconfiança.

— Você não fala aqui! — Nero rosnou novamente.

— Por favor, deixe essa sua birra para com os demônios de lado e ousa o que o rapaz tem a dizer... — Roth suspirou. Ele estava com as costas afundadas em sua cadeira e os braços cruzados em frente ao corpo. As palavras de Roth deixaram Nero com ainda mais raiva, mas ele se calou.

— Não nego que fiz coisas terríveis em nome de Lilith — comecei a falar. — Fiz coisas que não me deixam dormir bem a noite e por isso eu estou aqui, para pagar por tais atos hediondos. Mas...

— Assassino! — uma voz grave ressoou forte na sala enquanto as portas eram abertas ferozmente. Olhando para trás pude ver um homem... ou melhor, uma montanha de músculos caminhando com passos pesados pela sala. Ele usava roupas simples, e obviamente é bem mais alto que eu.

— Magnos, pare com isso! — a voz de Clarys ecoou desesperadamente por traz do homem, mas sem efeito. Pelo jeito que ele caminhava, era obvio que ele estava possesso.

— Meu sobrinho... Maglor... ele... ele está morto por sua causa inquisidor! — ele gritou enquanto caminhava em minha direção. — Eu exijo que ele seja devidamente punido pelo assassinato de meu sobrinho, que como todos vocês sabem, além de ser um dos melhores espadachins do nosso exercito, também era meu ultimo parente vivo...

— Viram! — Nero falou. — Ele deve ser parado! Deve ser dada ao garoto pena capital! — ele exigiu enquanto ficava de pé e encarava Alice, que encarava Magnos com pesar.

— Seu maldito! — Magnos falou enquanto me segurava pelo pescoço. — Você pagará por isso...!

— Magnos, pare com isso! — Saphira gritou. — Culpa-lo por algo que ele fez antes de recobrar a consciência não trará seu sobrinho de volta!

— Sim... — ele falou quase que num murmúrio. — Mas vai fazer eu me sentir melhor! — ele falou antes de erguer seu gigantesco punho em direção ao meu rosto.

— Chega! — Alice gritou. — Magnos, largue-o agora! — ela ordenou. O ar da sala ficou frio e seco enquanto uma aura num misto de muitos sentimentos começou a emanar de Alice.

— Tch! — Magnos me soltou e deu alguns passos para trás.

— Porra... — falei em meio a tosse. Enquanto me levantava, pois Magnos havia me largado no chão come se eu fosse um saco de farinha. — Vocês... — comecei a falar fazendo com que todos olhassem para mim. — Que se fodam! — gritei. — Chega dessa merda! Não achem que vou ficar aqui parado apenas sendo insultado! Eu exijo um julgamento por combate!

— Ora seu moleque...! — Nero começou a rosnar — Como ousa se dirigir a nós de tal forma?!

Olhei para Saphira e em seu rosto estava um pequeno sorriso de canto de boca, assim como em Alucard e Roth. Nero por outro lado, estava quase explodindo em ódio e raiva. — Bem... — Alice começou a falar. — Agora sei por que Saphira tem tanta fé em você... — um sorriso se formou em seu rosto. — Que assim seja! A batalha será amanhã ao meio dia.

(...)

https://youtu.be/w_NQXu_2oXc

Caí pesadamente sobre a cama enquanto soltava um longo suspiro. Alguns minutos haviam se passado desde o fim do julgamento, eu estava em meu quarto com o rosto enterrado no travesseiro enquanto pensava nas minhas ações de hoje. "O único jeito de deixar seu passado para trás será por um julgamento por combate. Embora eu não goste de tal ideia, é a forma mais rápida de resolver isso...", foi o que Saphira me aconselhou antes do julgamento, mas não achei que as coisas terminariam assim...

Toc, toc!

Alguém bateu na porta me trazendo de volta de meus pensamentos. Com um suspiro eu levantei da cama e caminhei até a porta. A luz do quarto estava apagada. A única luz ali era a luz alaranjada do pôr do sol.

Segurei a maçaneta e a empurrei para baixo enquanto puxava a porta em minha direção, assim abrindo-a. — M-Minha senhora, Alice?! — falei surpreso. — O-O que faz aqui?

— Vim ver como você estava, se... ainda estava vivo — ela respondeu dando de ombros. — Posso entrar?

— C-Claro! — falei dando caminho para ela passar. — Fique à vontade.

— Bem... — ela começou a falar depois de entrar. Eu fechei a porta e me virei para ela. Alice estava a uns oitenta centímetros de mim, e pela sua cara, algo ruim havia acontecido. — Sobre o que aconteceu hoje... embora eu ache que você foi bem corajoso ao se impor daquela maneira, eu acho que você apenas piorou sua situação.

— O que quer dizer? — questionei seriamente.

— Nero tem um grande ódio por demônios, como você já percebeu. E agora, devido a morte do sobrinho de Magnos, ele tem ainda mais motivos para odiar-lhe.

— É, eu notei...

— Bem, depois que todos saíram e ficamos somente eu e ele na sala ele me fez um pedido.

— Claro que fez... — suspirei. — Aposto que sei o que foi...

— Ele pediu para enfrentar você no julgamento por combate amanhã — ela disse seriamente.

— Que merda...

— Sim.

— E você só veio aqui para me avisar? Por quê? — questionei enquanto cruzava os braços em frente ao meu corpo.

— Hum! — um sorriso orgulhoso se formou em seus lábios. — Você é meu trunfo, lembra-se? Não posso simplesmente deixar você ir sem nenhuma informação de vantagem. além disso... — ela parou de falar de repente. — Não. não é nada. vejo você amanhã.

— Entendido — suspirei. — Se eu sobreviver me explique direito essa história de trunfo — falei enquanto sorria.

— Lhe contarei tudo — ela disse gentilmente. — Bem, eu tenho que ir. Até logo.

— Até — sorri de volta. Ela então passou por mim e abriu a porta. Não me virei para vê-la saindo, mas ouvi o bater da porta. Um suspiro deixou meus lábios enquanto eu encarava o pôr do sol através da janela.

Caminhei até a cama e me joguei sobre o colchão enquanto enterrava meu rosto no travesseiro. — Hum... ainda cheira a ela... — murmurei. Lentamente minha consciência começou a oscilar enquanto meus olhos ficavam pesados. Eu então adormeci.

18 de maio de 849 da 10° Era do mundo – Arena de Murien

O coliseu estava lotado. Era possível ouvir os gritos da multidão acima de onde eu estava. As paredes vibravam e balançavam loucamente. Acho que depois de ter metade da cidade destruída, os cidadãos estão sedentos por algum entretenimento.

Um suspiro deixou meus lábios enquanto eu encarava o chão de mármore cinza iluminado pela luz amarela das tochas fixadas nas paredes de mesma cor do piso. Eu estava sentado num banco no corredor que dava acesso a arena. Enquanto encarava o chão apenas um pensamento vinha em minha mente: como vencer um deus?

Lilith é considerada uma deusa menor, assim como Alice e os outros. De algum jeito eu consegui ser um desafio para Lilith, que tem o poder comparado ao de um deus menor. Mas seja lá o que eu fiz para quase vencê-la, eu não estava controlando aquilo, aquilo estava me controlando.

Não posso depender disso para vencer. Tenho que usar minha inteligência e analisar o modo como ele se move e luta, e talvez assim eu possa ter uma chance...

— Está nervoso? — a voz de Saphira me tirou de meus pensamentos aflitos. No meu campo de visão, os pés dela surgiram. Ela usava uma sapatilha branca e um vestido amarelo balançava em suas canelas.

— Hum! — sorri nervosamente. — E você ainda pergunta? — respondi sarcasticamente.

— Obviamente não será uma luta até a morte... — ela disse enquanto se sentava ao meu lado. — Já que precisamos de você.

— Reconfortante... — suspirei. — Se está tentando me acalmar, falhou miseravelmente.

— Desculpe — ela sorriu.

— Ei, Saphira... — fiz uma pequena pausa ao começar a falar. Ela olhou para mim e eu continuei. — Por que ele odeia tanto os demônios?

— Bem... — ela começou a encarar o piso. — Alguns dias depois de banirmos os demônios para o Reino Demoníaco, alguns de nós ficaram aqui para resolver algumas coisas, Nero estava entre eles. Naquela época ele tinha uma esposa élfa, e ela estava grávida. Por um tempo ele viveu no litoral de Ithil, e um dia ele teve que ir a Murien para fazer alguma coisa que não lembro — ela parou de falar por um tempo enquanto uma lágrima se formava em seu olho esquerdo. — Quando ele voltou, encontrou muito sangue espalhado por toda parte. Ele caminhou pela sala e a viu atrás do sofá... seu corpo estava mutilado...

— Foram demônios...

— Sim. Haviam muitos traços de mana demoníaca espalhados pela casa, mas ele nunca conseguiu encontrar quem fez aquilo.

— Adam — a voz de Clarys ressoou pelo corredor. Olhei para esquerda, e a vi se aproximando. Ela caminhou até nós e parou a uns oitenta centímetros de nós. — Está na hora.

— Certo...

— Adam — disse Saphira enquanto segurava minha mão. — Vença! — ela disse enquanto me encarava nos olhos. Acenei para ela enquanto mostrava-lhe um sorriso nervoso.

Me levantei do banco e segui ao lado de Clarys até a entrada para arena. Ao perceber que Saphira não estava conosco, me virei, a vi sentada no banco encarando o piso. — Você não vem?

— Irei logo — ela disse enquanto forçava um sorriso.

— Adam, vamos — disse Clarys.

Segui Clarys em silêncio até a entrada da arena. Minha visão se encheu com a luz e se embaçou um pouco. Alguns momentos depois, contemplei uma arena lotada. No centro da área de luta estava Nero. Ele vestia uma armadura azul e empunhava um escudo branco com uma cruz azul pintada sobre ele; o escudo que cobria boa parte de seu corpo, um paladino clássico.

— Não vacile — Clarys disse enquanto encarava Nero. — Aqui, use isso — ela me entregou uma espada. Eu não percebi que ela estava com essa espada. A bainha era preta e o cabo era vermelho, assim como o guarda mão, que possuía um formato de V com a lâmina saindo da abertura do V.

— Obrigado — falei enquanto pegava a espada. — Nunca vi essa espada antes... — falei enquanto puxava um pedaço da lâmina para fora. Ela parecia um céu noturno com sua lâmina negra e pequenos pontinhos brancos, que não pareciam ser pintados, mas sim parte do metal.

— Alice me pediu para entrega-la a você. Seu nome é Noite das Mil Estrelas.

— Hum... Noite das Mil Estrelas... — murmurei. Fechei a espada na bainha novamente e olhei para Clarys. — Me deseje sorte — falei enquanto lhe mostrava um sorriso nervoso. Ela acenou mostrando o mesmo sorriso. Respirei fundo e segui para o centro da arena, onde Nero aguardava.

O sol brilhava fortemente acima de mim enquanto eu caminhava até o centro da arena. A armadura de Nero era de fato linda; comparado meu equipamento ao dele, posso dizer que a única coisa boa que tenho comigo é essa espada. Eu usava uma malha de couro. Eu podia sentir alguma mana emanando da malha e da espada, o que obviamente significava que tinham propriedades mágicas. Porém a energia que emanava da espada era significativamente maior.

Parei a uns cinco metros de Nero. Ele não usava um elmo e seu cabelo estava preso num rabo de cavalo.

Soltei um suspiro pesado enquanto sentia a intenção assassina de Nero emanando fortemente, eu quase podia ver a aura avermelhada emanando dele.

De repente todos nas arquibancadas pararam de gritar. Olhei para direita, e vi Alice de pé num camarote.

— Estamos aqui reunidos para testemunhar o julgamento por combate de Adam, o Inquisidor — ela começou a falar. Sua voz era projetada e distribuída por todo o coliseu. — Será uma luta simples. Aquele que for nocauteado, ou se render perderá. Se Adam vencer, todos os seus crimes serão perdoados, mas se ele perder, ele será executado. Lutem com honra. Preparem-se, ao soar o sino a luta começará!

O tempo pareceu congelar por um momento. Senti meu coração bater lentamente enquanto eu desamanhava a espada. Nero retirou seu sabre da parte de cima de seu escudo.

Desviei o olhar para o camarote onde Alice estava, mas não consegui vê-la de meu ponto de vista. De repente o sino ressoou pelo coliseu e pude ver a lâmina do sabre de Nero vindo em minha direção enquanto o tempo voltava a sua velocidade normal.

Nossas lâminas se chocaram enquanto pequenas faíscas saltavam pelo ar.

Empurrei Nero para trás com toda força que consegui reunir e avancei contra ele. Desferi um golpe vertical, que ele esquivou girando seu corpo para o lado e desferindo outro golpe, que não tive tempo de esquivar. Eu então coloquei a espada em frente ao corpo e apoiei sua lâmina deitada contra minha mão esquerda.

O impacto do sabre de Nero contra minha espada fez meus pés afundarem no chão de pedra e areia. Como?! Como posso vencer esse cara?!

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