Capítulo 22 - Parte Dois
Samantha tira uma madeixa de cabelo castanho do rosto e se inclina, tocando com delicadeza o ponto onde estava a gota avermelhada. Encosto-me a ela para ver o que olha, e sou transportada para alguma dimensão alternativa, vendo apenas Penny. Penny chegando à Sétima Cidade, Penny brincando com Dakota, Penny escondendo-se entre os corpos das Protegidas, Penny escondendo as cartas num bloco muito grande de concreto...
— Nori! — Chacoalha-me Samantha, fazendo-me acordar. — Você está bem?
Assinto com a cabeça, sentindo minha língua pesada. Meu olhar está preso ao pergaminho, onde vejo uma única imagem tomar forma: uma chama azulada minúscula tomando forma à frente de uma Lua rubra muito grande, e uma garotinha virada em direção a uma figura maior, irreconhecível, embora seja claro o perfil masculino.
— O que isso faz? — Balbucio, em um fôlego só.
Ainda estou sendo encarada com grande assombro, como se tivesse uma cabeça a mais e não soubesse. Sinto-me com algum membro que não deveria ter.
— É chamado de Predição porque pode mostrar a essência de uma pessoa —, explica em tom frágil e baixo, como se estivesse em choque. — Quem sabe ler pode descobrir a alma de alguém, por isso o protejo e não o uso em qualquer um. É quase impossível... — Ela corta a frase, balançando a cabeça. — Penny, o que você vê?
— Um papel amarelo — é a reposta da menina confusa.
Entrecerro os olhos e deito a cabeça, inclinando-me para o pergaminho de novo, para ter certeza de que não estou louca. A imagem está se desbotando com rapidez, mas tenho certeza do que havia ali.
— Só isso? — Insiste Samantha, com o cenho franzido. Penny anui, com uma careta de desconforto. Samantha agora se dirige a mim. — E você, Nori, vê alguma coisa?
— Sei que é loucura —, digo, com ansiedade —, mas eu vejo uma Lua vermelha, uma fogueira e duas pessoas. Atrás há o mar se abrindo e uma onda alcança a parte superior da fogueira, emoldurando as duas pessoas. Espere, agora não há quase nada.
— O quê?
A fala de Samantha parece mais uma exclamação do que uma interrogação. Minha correção parece significativa de um jeito que eu não esperava, pois Sam inclina-se sobre o pergaminho assim que eu termino a frase e inspira com profundidade, parecendo mais e mais pálida a cada segundo ao observar a imagem que já está sumindo, sua pele bronzeada tomando-se um tom doentio de amarelo.
— Céus... Não pode ser.
Sinto-a pasma. Samantha respira com dificuldade, erguendo a cabeça para fitar um quadro de várias pessoas em uma praia, em volta de uma fogueira, com a Lua resplandecendo ao longe. A moldura alcança poucos metros acima de um sofá, no canto do cômodo, e é para lá que a mulher se dirige.
— Esperem.
— O que está acontecendo?
Samantha abana a mão para minha fala e volta-se para o quadro na parede que admira.
Seus dedos longos encontram o ponto que procura sem dificuldade, puxando o quadro para frente para revelar... A parede de madeira escura que cobre todo o restante da sala. Enrugo o nariz para Penny, que me fita com a mesma expressão perdida.
— Eu fiz alguma coisa que não deveria, não é? — Pergunto à Samantha, em tom de afirmação.
— Não, não, querida —, ela balança a cabeça, vindo em nossa direção com o quadro em mãos. — Não é com você que estou preocupada neste momento. É com Penny.
— Comigo? — Repete Penny, com os olhos azul-escuros muito abertos.
— Com ela? — Digo, ao mesmo tempo.
— Preciso ter certeza de que nada vai acontecer a você, depois disto.
Com um aquiescer firme, como em uma afirmação para si mesma, Sam dá um puxão na moldura do quadro, tirando da armação duas correntinhas muito finas, de um tom esbranquiçado brilhante que parece vir de estrelas, sendo desenroladas do tecido branco que a impede de tocá-las.
— O que é isso? — Perguntamos ao mesmo tempo.
— É uma herança —, ela sussurra, olhando em direção à entrada, como que para se certificar de que ninguém nos estava ouvido. — Coloquem nos tornozelos, as duas.
Hesitamos em obedecê-la, desnorteadas. Meus dedos se enroscam na corrente, parando no ponto em que uma das cinco minúsculas bolinhas de um brilho cristalino está. Aproximo o rosto dela, vendo um pedacinho de branco e arredondado, como um floco de neve, que cintila para mim, refletindo uma versão muito menor de meus olhos, que tornam o branco um tom claro de verde. Balanço a cabeça e coloco o pé em cima da cadeira. Ato o fio metálico em volta das pernas, após dar duas voltas para se ajustar.
— São pérolas —, diz, em tom de continuação, mas não acrescenta nada. Seu foco está capturado nas mãos de Penny colocando a corrente no tornozelo fino. Quando ela termina de atá-lo, Samantha torna a falar: — Não tirem estes colares por nada, mas usem sempre nos tornozelos para que ninguém os veja.
— Por quê?
"Isso tem a ver com o ataque?", é meu acréscimo mental.
Samantha me olha com expressão dúbia, e eu tenho certeza que nota a pergunta silenciosa em meu olhar, apesar de não se preocupar em saná-la, mas o traço de fulgurante que passa ligeiro no fundo de suas íris não me passa despercebido. Ela parece ansiosa como nunca imaginei que veria.
— Acredito que Penny seja mais valiosa do que esperávamos.
"E isso não é bom", posso adicionar, por sua expressão.
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