8 - Lar, Doce Inferno
–Amarrem... – Matthew ordenou a um dos seus comparsas.
Alec tentava se libertar, forçando o corpo contra os seus agressores, mas em sua atual situação, isso era praticamente impossível. Ele estava numa cela agora, acompanhado do sorriso maquiavélico de Matthew e a força dos seus dois comparsas armados. O lugar já acumulava anos de descuido e abandono, manifestados nas paredes sujas, as grades enferrujadas e os lençóis comidos por traças.
Por que uma fábrica de montagem teria uma espécie de calabouço?
Talvez a estrutura descende de um antigo presídio, ou quem sabe toda aquela parafernália foi feita a mando de Amy...
O que não é de se duvidar.
–Sabe cara... Não é nada pessoal. – Matthew disse, encarando Alec. – Você é um número cinco, sabe o que isso significa?
Alec o encarou com desprezo.
–Quer dizer que você foi programado para resistir... Brigar e aguentar o tranco. Compreende isso? – Calmamente, Matthew se abaixou, para que pudesse ficar acocorado.
Mais uma vez, Alec não respondeu...
–Você, meu amiguinho, teve uma infância difícil, uma vida muito dura... Mas pode apostar que tudo isso teve um propósito. Nada, absolutamente nada na sua criação foi obra do acaso.
Matthew se calou, enquanto Alec arfava em fúria, preso numa cadeira reclinável de metal, mal se aguentando sobre as pernas enferrujadas.
–Só existe um porém nessa história... – Disse, depois de incontáveis segundos em silêncio. – Números cinco só aprendem de um jeito... Apanhando.
Matthew se levantou com um solavanco, tão rápido, que Alec só teve tempo de sentir o punho cerrado dele se chocando contra o seu rosto. Choques elétricos se distribuíram pelo crânio, como uma gota perturba a superfície da água parada. Ele mal pôde se recuperar do golpe, quando outros três socos lhe acertaram, um após o outro, sacudindo o cérebro violentamente.
–Isso não é bom? – Matthew perguntou, mas Alec estava tonto demais para ouvi-lo. – A dor e a raiva fervendo dentro de você? Toda a vontade que você está sentindo de me matar?
Não importa se estivesse todo arrebentando... Um minuto livre lhe daria a chance de cortar a garganta daquele infeliz.
Mas Alec só ganhou outros socos no rosto e um pontapé nas costelas, que roubaram o ar dos seus pulmões.
–Isso! Luta pra sair! Arrebente essas correntes e vem me pegar! – Matthew ria como um débil. – O que está esperando?
Ele voou pelo ar novamente, atingindo a face esquerda de Alec com um perfeito gancho de direita.
Esse filho da mãe é muito rápido... Droga, ele vai me quebrar inteiro!
–Peguem os brinquedinhos meninas... – Ele sorriu para os outros rapazes. Muito felizes em participar daquela barbárie.
Alec se viu encurralado, enquanto observava seus agressores empunhando correntes e todo o tipo de armas usadas durante uma tortura.
–Já disse amiguinho... – Matthew apontou um taco de beisebol para o rosto de Alec, esticando ainda mais o seu sorriso sádico. – Não é nada pessoal.
O impulso certo, o giro perfeito e a madeira resistente se chocando contra a têmpora do garoto, mergulhando dentro de um poço de agonia e ódio. Alec não pôde conter um grito de dor, enquanto lutava para manter-se consciente e alerta para o que estivesse por vir.
Mas estava muito difícil...
O pobre coitado apanhou por quinze minutos, até desmaiar de dor. Estava ainda mais sujo de sangue, com o nariz fraturado e possivelmente correndo sério perigo de vida. Mas, agora, Alec tinha um motivo para continuar lutando pela sobrevivência, um motivo para continuar brigando contra as piores coisas, mesmo se vencesse ou perdesse.
Não importa o quanto tempo demore... Eu vou matar aquele desgraçado!
***
Uma semana se passou... Talvez a pior de toda a sua vida.
Alec foi liberto das amarras, inconsciente, deitado sobre a cama empoeirada da cela onde suportou aquele suplício e depois tratado, por um alguém desconhecido, já que, mesmo horas depois do ocorrido, ele se demorava em acordar.
Definitivamente, Red Flag é um lugar terrível!
Alec acordou, depois de um longo período adormecido. O corpo inteiro doía, marcado por ematomas, cortes e arranhões, nas mais diversas formas e cores, começando a se cicatrizar. Ele fitou o teto, com o seu único olho bom, pois o outro estava escondido sobre o inchaço. Evitava se mexer muito, visando minimizar as suas dores. Alec se lembrou da surra que levou por matar aqueles dois Vespas na base Arkyen, e acordar num hospital depois de não se sabe quantos dias. Os danos e a dor eram os mesmos, mas agora, Alec se sentia diferente, ferido não só fisicamente ou mentalmente.
Ele não esperava aquelas "boas vindas calorosas".
Alguém lhe trazia comida uma vez a cada dois dias, deixava roupas ou simplesmente se aventurava por corredores obscuros. Alec estava com tanta raiva, que mal dava atenção a este detalhe. Passava horas pensando em mil maneiras de quebrar Matthew e depois matá-lo. Ele sabia que nenhum daqueles pensamentos poderiam se tornar realidade, mas pensar em coisas terríveis lhe aliviava um pouco do ego ferido.
Matar Matthew, provavelmente, o condenaria à morte pelo crime de assassinato.
Então, o melhor a ser feito é ficar na encolha até esquecerem dele, e tentar fugir da gaiola assim que possível. No entanto, para realizar este feito, Alec teria de conseguir aliados que compartilham dos seus mesmos ideais, o que costuma ser bem difícil, num ambiente governado pelas mãos fortes da violência.
Por enquanto, se contentava em ficar o dia inteiro deitado, pensando, até ficar entediado e desmaiar de sono.
O que vão fazer agora?
–Aí, Alec... – A voz de Amy arrancou o garoto dos seus devaneios mais profundos. – Levanta.
Ele encarou as botas desgastadas dela, evitando olhar nos seus olhos.
–Eu e você sabemos que você está louco para sair daqui e matar o Matt. – Disse, convencida de que estava cem por cento certa. – Quero que esqueça isso, ouviu?
Alec riu...
Vai ser meio difícil...
–Isso é necessário Alec, todos os números cinco precisam passar por isso...
–Pra quê? – Perguntou, de súbito, arrancando um olhar gélido de Amy.
Alec se arrependeu de ter gritado daquela forma.
–Nunca mais me interrompa... – O tom da voz era baixo, mas carregado de ameaças subentendidas. – Ouviu bem?
Ele apenas suspirou, sentindo-se ainda mais dolorido.
–Um dia, você me agradecerá por isso... – Continuou. – Bom, nós dois vamos lá pra cima agora. Você será um soldado, terá um lugar só seu, roupas, armas e o que mais você precisar.
Primeiro me arrebentam, depois me tratam como um rei... Que droga de lugar é este?!
–Alguém estará esperando, assim que estiver pronto. – Amy Carson recomeçou, guiando Alec pelos corredores do calabouço, em direção ao elevador de carga. – Ela vai lhe ensinar como as coisas funcionam por aqui.
Alec continuou calado. Enquanto seguia o andar apressando da líder e se esforçava para acompanhá-la.
–Vamos sair amanhã, eu e um grupo de pessoas. – Amy fitava os cabos de aço subindo, a medida que o contrapeso descia. – Temos que por um fim no ninho aqui perto... Quero que se apresente amanhã às sete.
–Eu estarei lá. – Respondeu, friamente.
–Ótimo! – Ela deu um estreito sorriso. – Não cause problemas Alec... Você só tem a ganhar andando comigo.
–Pode deixar... – Ele pôs fim a conversa com um aceno de cabeça.
Esse é um papel bom de se interpretar... O de soldado disciplinado e aplicado, sem medo de nada. Por dentro, Alec ainda sentia a raiva fervendo e a dor corroendo o corpo, pouco a pouco, consumindo até às últimas reservas de força. Essa nova fase da sua vida estava se saindo muito perturbada, estranha e violenta, mais até do que costumava ser. Antes, não importava se levasse uma surra ou fosse ofendido, a sua pose rígida e implacável o protegia de sentir qualquer coisa. Mas agora, longe dos protocolos e normas, Alec se sentia um estranho em meio a própria espécie.
Mas, não há nada que não possa ser escondido por baixo de uma testa franzida e um olhar frio.
O elevador se abriu, revelando um cenário confuso e caótico, girando numa sincronia fascinante. Alec e Amy estavam dentro da fábrica, no galpão principal, ao meio dia, o horário onde todos os filiados a Red Flag se espremiam no local. Mesas compridas imitavam um refeitório improvisado, onde cerca de quinhentas pessoas caminhavam de um lado para o outro. Alec soltou um assobio de surpresa ao ver tantas pessoas juntas, usando jeans surrados, camisetas gastas, coturnos e jaquetas de todos os tipos e cores.
Lâmpadas imensas iluminavam o salão, sujo de poeira, bebidas derrubadas durante brigas, restos de embalagens e outras porcarias. O som vindo da multidão beirava os limites do insuportável, variando entre murmúrios, gritos ou canções desafinadas. Tudo era muito cru, tudo era muito rústico e extremamente real...
–Essa é a sua família agora Alec. – Amy riu, muito satisfeita em ver a reação do novato. – Tenho que lhe apresentar uma pessoa...
Ela correu até a mesa mais próxima e subiu numa cadeira, para que pudesse ser vista por todos.
–Maggie! – Gritou, em plenos pulmões. – Maggie Bonnes, pode vir até aqui?
Alec não pôde encontrar a garota na multidão, mas a expressão positiva de Amy só pode significar que Maggie Bonnes daria as caras muito em breve. E, em menos de um minuto, uma garota se levantou de uma das mesas, xingando seus colegas, rindo de outros ou roubando a comida dos seus vizinhos. Ela era alta, vestida como todo mundo por ali, andando de um jeito muito engraçado. Carregava uma faca no cinto e uma HK-MP7 presa à coxa direita por duas fitas de couro. O cabelo volumoso crescia para além de um coque mal feito, se adequando muito bem aos olhos escuros e a pele morena.
–Oi Amy... – Disse, o mais descontraidamente possível. – E Oi desconhecido que eu nunca vi antes.
Alec apenas sacudiu a cabeça.
–Caladão... – Riu. – Acho melhor você se acostumar, porque eu falo vinte e quatro horas por dia.
Ele riu, o que a deixou um pouco mais tranquila.
–Bom, – Amy retomou o foco da conversa. – Maggie, este é Alec... Ele é um número cinco, como você.
Maggie dirigiu um olhar triste para os ematomas de Alec, como se entendesse o que aquilo significava.
–Quero que você o ajude a se familiarizar com o nosso sistema e o mande para o bloco D, quarto 348, assim que possível.
Maggie fez uma continência desengonçada.
–Major Bonnes ao seu serviço comandante Amy Carson!
A líder soltou uma risada de desaprovação e saiu, na intenção de resolver algo mais urgente.
Silêncio... A não ser pelo som dos murmúrios incessantes que ecoavam pelas paredes.
–Alec, não é... – Maggie se voltou para o garoto. – Vem, tenho que te apresentar uma galera.
E, como se Alec fosse um conhecido íntimo, Maggie o agarrou pelo braço e o guiou por um mar de pessoas assustadas, beberrões e arruaceiros.
–Dá licença, Maggie passando...Oliver não bebe demais cara! Temos ronda juntos hoje, seu cabeção! – Gritou, para alguém entre os demais.
Alec nunca viu uma pessoa como aquela em toda a sua vida.
A dança pelo labirinto os levou até uma mesa, onde algumas pessoas comiam, bebiam ou conversavam.
–Pessoal, adivinha quem ganhou uma missão exclusiva da Amy? – Maggie se meteu entre dois garotos, os obrigando a lhe dar espaço. – Eu mesma, podem bater palmas, a Maggie aqui subiu de nível. Não vou mais andar com vocês!
Ela arrancou risadas dos colegas, habituados ao seu jeito de ser.
Antes que se desse conta, Alec estava sentado, em meio a desconhecidos, sendo exibido como um item de colecionador.
–Pessoal, esse é o Alec, a carne nova no pedaço. – O garoto só pôde acenar com a cabeça. Alec se sentia desconfortável, sendo exposto desta forma. – Ele não é um gato? mesmo estourado deste jeito?
Todos começaram a rir, mas Alec não sabia como reagir.
–Estes são, Paul, Anne, Key, Larry, Josh e Sophie... – Maggie enumerou seus amigos. – Minha gang.
Alec apertou uma meia dúzia de mãos.
–Bom Alec, – Maggie pareceu mais séria. – Amy pediu para que eu lhe dissesse como são as coisas por aqui...
Ela fez uma pausa dramática.
–Primeiro: nada de brigas... Só se for por minha causa, até porque, eu sou maravilhosa! – Riu. – Segundo: nada de roubar, matar ou estuprar... A maioria aqui faz estas merdas, então, toma cuidado! E por último: respeite a hierarquia.
Maggie roubou comida dos seus amigos, na intenção de desviar alimentos para Alec.
–Tá lembrada do "não roubar"? – Sophie alertou, mas Maggie apenas lhe mostrou a língua.
–Está vendo aqueles caras lá no canto? Os que usam um bracelete preto. – Ela apontou para o canto esquerdo do salão. – Aqueles são os exterminadores... Cuidado com eles, alí só tem psicopatas!
–Ok... – Alec respondeu, um tanto hesitante.
–Aqueles que usam um bracelete verde são agricultores... Gente muito fina, o papo deles é muito interessante.
Os demais companheiros de Maggie riram.
–Bracelete Azul... Ferreiros... Os caras põem fogo em você se der bobeira... Eu tô falando muito sério!
–... Bracelete cinza, guardas civis. São muito chatos! Vivem falando de regras, e coisa e tal... Mas é só falar mesmo, até porque eles gostam muito de um contrabando.
–... Bracelete Roxo, os caras do inventário. A maioria deles é chegada num entorpecente, se é que me entende... Cuidado, porque o produto deles é de origem duvidosa!
Um silêncio momentâneo se instalou, como se Maggie estivesse relembrando um evento constrangedor.
–E... Os braceletes vermelho, que somos nós, os soldados suicidas. – Concluiu, apontando para um setor cheio deles.
–Não exagera Maggie. – Paul interveio. – Vai assustar o garoto.
Todos riram...
–Você se esqueceu dos bracelete branco... – Sophie disse, olhando para o mar confuso de corpos.
–É mesmo... – Maggie apontou para um pequeno grupo de pessoas, sentadas a poucos metros. – Braceletes branco... As esposas... Não mexa com eles sem permissão! Se não quiser terminar castrado.
–Esposas? – Alec perguntou.
–Fazem parte do harém da Amy... – Maggie explicou. – É claro que ela não transa com nenhuma daquelas pessoas... Mas são tipo uma moeda de troca.
Que coisa horrível é essa?!
–Por que Amy tem esposas? – Alec mirava aquele grupo, composto por quinze meninos e meninas, entre os quatorze e os dezoito anos de idade, todos de aparência tristonha e desolada. – Só uma pessoa não é suficiente?
Os braceletes vermelho naquela mesa se entreolharam.
–Preste atenção Alec... – Maggie deixou o ar cômico de lado. – As esposas não são para a Amy... Tipo, se ela achar alguém bonitinho demais, ela mantém eles aqui. E se alguém fizer algo que a impressione, a Amy oferece uma das suas esposas para esse alguém "se aliviar". Entendeu?
Meu Deus... Tem até prostituição!
–Mas, no geral, – Paul continuou. – As esposas cuidam dos feridos, limpam os quartos... Não são obrigadas a lutar.
–Mas não se engane... – Sophie alertou. – A vida daquelas pessoas não é nada fácil...
–Ainda mais com o número massivo de pervertidos que existem neste lugar. – Maggie suspirou, imersa em pena.
–Minha nossa! – Alec espantou-se.
–Sempre se refira a eles no feminino, não fale com nenhuma delas, e não se interesse por ninguém lá... A Amy manda matar aqueles que fogem com uma das suas esposas. – Sophie recomendou, com urgência em suas palavras.
–Pode deixar... – Alec disse, ainda sob efeito do espanto.
O silêncio voltou a se instalar, desta vez bem mais denso e massivo do que nunca. Ao redor, o som ensurdecedor dos murmúrios continuavam, à todo vapor, nos assuntos mais variados e banais já concebidos na história. Alec mal tocou na comida que Maggie arranjou para ele, temendo que a fragilidade do seu estômago não suportasse comer algo tão substancioso. Então, só lhe restou buscar o rosto de Matthew no meio da multidão, para alimentar um pouco o fogo da raiva em sua alma. Mas, por mais que se esforçasse, não conseguiu localizar ele e nenhum dos seus outros capangas.
Fica para a próxima...
–Alec... – Maggie chamou. – Se estiver pronto, preciso mostrar onde é o seu quarto.
Ele concordou, com um aceno.
Ela se desdobrou em despedidas exageradas para os seus colegas, numa atuação digna de Oscar. Depois, guiou Alec até o final do salão, onde tomaram escadas, que levavam para fora daquele lugar perturbado e cheio. Agora, não estavam mais dentro do prédio principal, mas em um outro, menor e dividido em andares cheios de portas. Maggie e Alec subiram mais quatro lances de escada até chegarem ao Bloco D, onde as acomodações do novo soldado deveriam estar.
–346...347... – Maggie contava, em um ritmo ofegante. – É aqui...
Uma porta de madeira, tingida de branco, se erguia para os dois, com um 348 pichado no canto superior.
–Os quartos ficam abertos até você ocupar um deles. – Maggie alertou, ainda ofegante. – A chave está do lado de dentro. Sempre que sair tranque a porta... E não perca a chave ok?
Alec concordou.
–Lá dentro tem roupas, um banheiro e uma cama esperando. – Maggie se aproximou de Alec, o deixando muito encabulado. – E tome um banho cara... Senão os Snykers vão achar que você já está morto!
Ambos riram, abertamente.
–Até Amanhã Alec. Descanse, foi bom ter conhecido você! – Maggie se despediu, fazendo um muxoxo em ter que descer todas aquelas escadas depois de ter quase se matado para subir.
–Até... – Alec respondeu. – Igualmente.
Ele suspirou, empurrando a porta do seu novo alojamento. Não era muito grande, mas o espaço era notável... O quarto na cor verde limão contava com uma cama, roupas dobradas sobre ela, um coldre vazio, um banheiro, um criado mudo branco com um abajur e uma janela pequena, bloqueada por barras de ferro.
–É um bom lugar para se começar... – Red Flag poderia ser uma prisão, mas Alec tinha que admitir que aquele quarto era um verdadeiro luxo.
Depois de oito anos dormindo numa barraca de camping, isso é uma imensa evolução... Será que é um privilégio para soldados?
Um tanto quanto receoso, Alec tomou um banho, se perguntando de onde vinha a energia daquele lugar. Depois vestiu-se com as roupas largas e gastas deixadas para ele, junto com um par de botins cor ébano. Alec se assustou ao ver um bracelete vermelho berrante, escondido dentro de uma jaqueta jeans já bem esfarrapada, cheirando a naftalina.
Então, ainda cansado e muito ferido, adormeceu, estirado sobre a cama, como se estivesse morto.
Só acordando quando ouviu três batidas na sua porta.
–Vamos lá soldado, já está na hora de acordar! – Alguém disse, do outro lado.
Alec se levantou com um pulo, vestiu a jaqueta, colocou o bracelete e prendeu o coldre vazio na cintura, presumindo que receberia armas lá embaixo.
Ou então, estaria perdido!
Um tanto quanto ansioso, desceu os últimos degraus aos saltos, alongando os músculos dos braços, pois estava sentindo um pouco de frio. Tomou o mesmo caminho que esteve com Maggie antes e se viu dentro do salão principal da fábrica, agora bem menos cheio e bem mais silencioso.
–Oi Alec! – Maggie ergueu os braços, acenando para ele, na maior animação do planeta. – Vem aqui, temos que arranjar as suas armas.
Alec sorriu, atendendo prontamente o pedido. É tão estranho estar de bom humor, quando se está prestes a marchar para a morte. Mas, Alec estava muito feliz em poder sair e sentir um pouco de adrenalina, que não dava a menor importância para o perigo iminente.
Pelo menos ainda...
–Tome isto... – Maggie lhe atirou uma pistola Sig Sauer e dois pentes de balas cheios. – Vai precisar de mais algumas.
Maggie, junto dos seus outros amigos, deram espaço para que Alec escolhesse o que lhe conviesse dentre os diversos tipos e modelos de armas espalhadas por uma mesa comprida. Outros soldados avaliavam a mira, sentiam o peso, checam os compartimentos, o gatilho, a quantidade de disparos, o alcance e a precisão. Alec optou por um belo rifle puma e duas facas, visando economizar espaço para armazenar mais munição dentro dos muitos bolsos da sua jaqueta.
–Tome isto... – Sophie entregou algo que se parecia muito com uma granada. – Gás lacrimogêneo. Deixa o faro delas enlouquecido e estraga o disfarce.
–E não se esqueça do sinalizador Alec... – Maggie alertou. – Não vai querer ficar na escuridão, enquanto Snykers estão caçando você!
Alguns riram, mas pensar nesta possibilidade deixou Alec apavorado.
–Atenção todos... – A voz de Amy ecoou por toda parte, em alto e bom som. – Nossa missão é crucial, inevitável e muito perigosa.
Ela vestia roupas escuras, assim como os óculos emoldurando a sua face. O pouco cabelo acastanhado ondulava com o vento, arranjados numa curta e grossa trança embutida, entranhada no cerne do seu couro cabeludo.
–O ninho ameaça nossa segurança... – Continuou. – Elas estão perto demais, famintas demais e são muito perigosas.
Amy andava de um lado para o outro, apertando o cabo da sua faca entre os dedos, até os nós ficarem brancos.
–Tenho certeza de que iremos acabar com a raça daquelas coisas... Mas não vou mentir, vai ser difícil, e alguns dos nossos vão morrer.
Algo gelado se agitou dentro do peito de Alec, como um pressentimento ruim, crescendo na dúvida.
–Por isso, fiquem firmes, não se separem e não se desesperem... Haverá uma recompensa para aquele que matar a alfa, uma recompensa muito gratificante, além do meu reconhecimento e minha confiança.
Murmúrios de empolgação começaram a se manifestar, lenta, mas fervorosamente.
–Vamos entrar por cima do ninho... Pegá-las de surpresa, agora de manhã, enquanto estão menos ativas. Será uma missão furtiva e de ação rápida... Atirem para matar e não economizem munição!
Urros preencheram o silêncio da manhã... Dando início ao plano arriscado e provavelmente suicida de Amy...
Alec, Maggie e os amigos dela se enfiaram dentro de um jipe, barulhento e caindo aos pedaços, mas que daria conta do serviço. Todos descontraídos, ouvindo os gritos de Maggie, xingando um tal de Oliver, no meio da multidão. Depois de alguns minutos de ajustes e instruções, cerca de cinco veículos partiram para fora da fábrica, entre pick-ups e caminhões, voltando ao céu nublado e monótono de sempre. Regressando aos prédios sucateados e o silêncio modorrento de Hack, entregue às intempéries da natureza e ao abondono do acaso.
Quinze minutos após a partida, o comboio de Red Flag estacionou, bem no meio de uma miríade de edifícios altíssimos e construções mais clássicas. Muito bem conservadas, para o padrão dos outros edifícios.
–É aqui... – Amy sussurrou. – Em baixo.
Quarenta pessoas armadas miravam um enorme shopping center se elevar como uma catedral. A clarabóia já jazia em estilhaços, a pintura desgastada e as vigas de metal corroídas pela ferrugem. Mas, mesmo assim, o lugar ainda era muito convidativo, imponente e preservado.
Apesar de ser um monumento dedicado ao consumismo...
–No subsolo? – Maggie riu. – Putz... Vai ser uma merda!
–Não posso discordar... – Alec disse, extremamente preocupado.
–Tenham fé pessoal... – Amy suspirou. – Vivos ou mortos, saímos daqui!
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