13 - Dead Man

    As ruas largas de Hack já não eram mais as mesmas de antes. Os prédios arruinados, o céu escuro e o silêncio modorrento foram substituídos por pichações coloridas e muito obscenas, espalhadas por todo canto. Alec se mantinha calado, tentando respirar por debaixo de um capuz, que foi colocado na sua cabeça. Ele vinha sentado na garupa de um dos Dead Mans, não apreciando nada o fato de não poder ver por onde estava indo.

   –Por que colocaram isso em mim? – Perguntou, com a voz abafada pelo capuz.

   O segundo cavaleiro começou a cantarolar.

   –Olha garoto... – O companheiro de montaria mediu suas próprias palavras por um instante. – Não podemos confiar em você ainda... Infiltrados são muito espertos. Se o Desmond der mole, estamos ferrados!

   –Infiltrados? – Alec se faz de sonso muito bem às vezes.

   –Aqueles caras de preto... Não gostam muito da gente, então ficam tentando nos matar de dentro para fora... Se é que me entende.

   Ele suspirou.

   –Se você andar na linha, vai se dar muito bem com a gente. – Recomeçou. – Mas se fizer merda...

   –Estou morto. – Alec terminou a frase, com uma certa rispidez no tom de voz.

   –Isso aí! – Ele riu. – Eu sou Connor... E você, como se chama?

   –Alec...

   –É um prazer Alec... A quanto tempo está andando por aí sozinho?

   –Alguns dias. – Mentiu.

   Talvez seja uma péssima escolha mentir logo de início. Mas, Alec era um Flag, e os Flags eram inimigos diretos de Dead Man. Se por acaso alguém soubesse que ele pertenceu a facção rival, Alec poderia ser assassinado antes que pudesse explicar o porquê de ter abandonado seu antigo lar.

   –E faz quanto tempo que você saiu do Vespeiro? – Connor continuou. – Os novatos não ficam vagando por muito tempo...

   Tenho a mais absoluta certeza de que estou sendo testado. Dead Man vive atacando o Vespeiro, então sabem quando os novatos chegam...

   –Já estou aqui à semanas... – Disse, tomando o máximo de cuidado possível. – Mas estou "sozinho" à alguns dias.

   Silêncio... A não ser pelo trote tranquilo dos cavalos.

   –As pessoas que estavam com você também eram novas por aqui? – Connor se mexeu sobre a cela. – Tipo... Ninguém "mais experiente" apareceu para ajudar?

   Ele está mesmo me testando!

   –Sim... Uns caras com uma aranha tatuada no pescoço... Mas umas coisas apareceram... E deu tudo errado. 

   –Coisas?

   –Bichos esquisitos... Os que comem pessoas.

   Provavelmente você deve estar achando que eu sou o novato mais ingênuo de todos... Ou o infiltrando mais sacana.

   –Snykers...

   –Os dias foram passando, e as pessoas morreram... – Alec continuou mentindo. – Até que só eu continuei vivo.

   Quando essa história cair por terra, estou frito!

   –Você enfrentou a maior barra hein garoto! – Connor parecia estar muito impressionado. – Qual é o seu código de identificação?

   –A-325...

   Connor riu abertamente.

   –Está explicado... – Disse. – Números cinco dão muito trabalho.

   –É... Seja lá o que isso signifique. – Alec forçou uma risada.

   Ele sentia o frio da noite correr pelo seu tronco desnudo, enquanto acompanhava o movimento suave do animal em que estava montado. Alec se perguntava onde eles teriam arranjado aquelas incríveis criaturas, já que ele nunca havia visto ratos perambulando pelos esgotos, ou pássaros sobrevoando os céus. No entanto, aquela cidade sombria esconde muitos segredos, segredos estes que Dead Man deve conhecer muito bem.

   –Andrew, deixamos os cavalos no campus agora? O você acha melhor ir até o Javali primeiro? – Disse Connor, ao seu calado companheiro.

   Silêncio.

   –Eu levo os cavalos, – Respondeu. – Você vai até o Many.

   –Mas já está escuro... E se você encontrar um Snyker?

   –Não esquenta, eu me cuido. – Riu. – Pior do que um Snyker é um monte deles.

   –Andrew...

   Ambos riram.

   Depois de horas cego, montado num cavalo e completamente morto de vontade de ver a luz novamente, Alec mal podia conter a sua felicidade em ter o capuz arrancado do seu rosto. O ar úmido e abafado foi substituído por uma lufada fria, que adentrou as narinas e encheu seus pulmões com o mais puro frescor. Os olhos miravam a escuridão noturna, imperando por toda parte, refletida nas vidraças dos prédios e se perdendo em meio ao labirinto dos mesmos.

   Alec soltou um assobio longo.

   O norte de Hack era composto pelos mais altivos, espelhados e imponentes arranha-céus já vistos em qualquer lugar. A maioria deles estava intacta, se equilibrando sobre uma base sólida e muito bem presa ao chão. Alí, em meio àquelas torres esplendorosas, Alec se sentia o mais ínfimo e diminuto dos seres, deslizando silenciosamente pelo império de concreto e vidro.

   –Todo mundo fica meio besta quando vê esse lugar... – Andrew disse, rindo do semblante assombroso que estava pintado no rosto de Alec.

   –Pois é. – Connor concordou, descendo do belíssimo mangalarga escuro que o carregava.

   Alec repetiu a ação, sem se demorar muito. Pelo visto, a sensação de estar sobre o dorso daquele gigantesco animal era muito boa. Admirado, ele contemplava o pelo curto, o relinchar barulhento e a crina rebelde ondulando com o vento, acompanhando o ritmo do pescoço grosso e da postura superior que exibia, orgulhosamente.

   Com um baque seco, as botas de Andrew se chocaram contra o chão, despertando Alec do seu transe.

   –O campus não está longe... Eu vou demorar... Tenho que alimentar o Angus e a Saphire ainda hoje. – Disse, tomando as rédeas para si. – Vejo você depois.

   –Ok, se cuide então...

   Dizendo isso, Andrew venceu o espaço que separava os dois e beijou Connor nos lábios, segundos antes de desaparecer por entre uma ruela deserta, conduzindo os dois cavalos para o local onde deveriam dormir.

   –Andrew, não esquece que eu... – Gritou.

   –Sem despedidas Connor. – Respondeu, no mesmo tom. – Vai se foder!

   Os três garotos riram, embora Alec só estivesse servindo de candelabro para os dois. Por um instante, ele se lembrou de Maggie xingando seus colegas, agindo impulsivamente ou demonstrando toda a disposição e clareza que existia em sua alma. Onde ela estaria agora? Como encontrá-la, se estivesse perdida? Será que conseguiria sobreviver tranquilamente?

   Perguntas demais, respostas de menos.

   –Alec... – Connor chamou. – Tudo bem? Você está meio desligado.

   Ele suspirou...

   –Me lembrei das pessoas que estavam comigo, antes... antes de...

   –Sei como é... – Disse, com uma certa tristeza na voz. – Também perdi muitos amigos antes... Mas, infelizmente, você acaba se acostumando... Ou não, se você for um cara que se apega muito fácil.

   Ambos riram.

   –Eu ainda não sei... – Respondeu, chutando pedras pelo caminho.

   Um cercado rudimentar se fez presente, se alongando por cerca de uma centena de metros, parcamente iluminado, por tochas ardentes e lamparinas enfraquecidas. Era feito de grades de ferro, confusamente entrelaçadas, mas muito resistentes, ao que parece. Do lado de fora, grossas e pontiagudas estacas se projetavam ameaçadoramente, sujas com um líquido viscoso e escuro, que provavelmente é sangue de Snyker. Alec pôde distinguir as formas de dois guardas, empoleirados sobre uma improvisada torre de vigilância, de onde observavam a entrada e ostentavam seu avassalador poder de fogo.

   –Quem está aí? – Perguntou um deles, levantando o seu ameaçador fuzil para os intrusos.

   –Sou eu, Connor. – Anunciou, oferecendo a sua rendição. – Trouxe um novato... Many está está lá em cima?

   O vigia baixou a arma, trocando o semblante sério por um mais despreocupado.

   –Ele acabou de chegar das rondas. – Disse. – Onde está o Andrew?

   –Foi para o campus... Alimentar os cavalos. Acho que ele não deve demorar.

   Connor pareceu um pouco tenso...

   –Se ele não aparecer em uma hora, vamos atrás dele. – Disse o vigia, erguendo o polegar direito para ele.

   Minutos depois, Alec se viu subindo escadas e mais escadas até o alto, onde Many Desmond deveria estar. A medida que os andares superiores surgiam, os integrantes de Dead Man brotavam por todo lado, andando apressadamente, carregando armas ou simplesmente ocupados com algum afazer. A grande maioria deles tinha uma caveira tatuada no rosto, o que lhes conferia feições assustadoras e um olhar macabro. Suas roupas se misturavam a pouca luz, criando uma atmosfera fantasmagórica no seu entorno, que deixou Alec arrepiado. Mas, além da aparência, se comportavam como pessoas comuns, conversando alto, rindo uns dos outros e contando suas histórias.

   –O Desmond vive na cobertura... – Connor disse, depois de cumprimentar uma meia dúzia de companheiros. – Para a nossa sorte, Snykers não gostam muito de lugares altos.

   –Você sabe o porquê disso?

   –Não, ninguém sabe... – Respondeu. – Mas, se eu fosse cego como eles, preferiria ficar com os pés bem presos no chão.

   Alec riu, observando a movimentação daquelas pessoas.

   Depois de muito subir, os dois rapazes chegaram ao último andar daquele prédio, onde uma imensa, medonha e grotesca cabeça de javali estava pendurada na parede. Alec não podia nem imaginar de onde aquilo viera, mas soube o porquê do nome dado aquele lugar. A cabeça do animal tinha apenas uma das duas presas que os javalis possuem.

   Isso é muito... Eu diria... Peculiar.

   –Você vai gostar dele. – Connor o tranquilizou. – Não se preocupe.

   Ele deu três batidas numa porta de mogno africano avermelhado, que dividia a atenção com a cabeça de javali e esperou até que o tão famoso Many Desmond desse a sua permissão para que entrassem. Alec tentava conter o nervosismo diante de todos os rumores terríveis que ouviu a respeito do líder de Dead Man. Para muitos, ele era um sádico cruel, que sentia uma atração enorme por torturas e todo o tipo de pensamentos depravados.

   Mas, isso tudo pode ser apenas um bando de besteiras absurdas, que nada tem haver com a realidade.

   –Entra... – Uma voz, arranhada como um disco em mal estado atravessou a porta e alcançou os ouvidos dos dois garotos.

   Alí, nas alturas, Alec deu uma boa olhada pela parede de vidro da cobertura, de onde tinha uma bela visão dos outros altíssimos prédios que rodeavam o Dente do Javali. Alguns deles estavam escuros e quietos, como deveriam ser. Mas, outros emitiam pequenos pontos luminosos, o que denunciava a presença humana.

   Então Dead Man não se prende a um único lugar...

   Depois de muito adiar esse momento, Alec adentrou a cobertura, de uma vez, como costumava fazer quando tinha de tomar uma decisão importante. Não havia nada de mais naquele espaço, apenas o piso escuro, mesas cheias de armas, cadeiras, vasos de plantas, papéis, louça suja e peças de roupa jogadas pelo chão.

   –Quem é esse? – A mesma voz arranhada voltou a se manifestar.

   Many Desmond surgiu, molhado e envolto em uma toalha. Tinha estatura mediana, olhos escuros e firmes, aliados aos caracteres asiáticos do seu rosto. Cicatrizes dividiam o espaço com as suas tatuagens, algumas delas grandes e antigas, outras menores e mais recentes. Ele poderia ser qualquer pessoa, mas Alec não achava que ele era o torturador cruel e temível, de quem todos tem medo.

   –Encontrei esse aqui vagando perto da divisa... – Disse Connor. – Pelo o que me disse, só ele restou, depois que os Snykers mataram as pessoas com quem estava.

   Many olhou bem fundo nos olhos de Alec, sentindo um certo incômodo se agitar dentro dele.

   –Você confirma isso? – Perguntou, sem desviar o olhar.

   –Sim... – Alec respondeu, um tanto hesitante.

   –A coisa está ficando feia meus rapazes... – Many suspirou, se sentando numa cadeira, onde repousou. – Os Vespas estão fazendo algo grande... E eu já nem sei se vamos vencer essa.

   Silêncio...

   –O que houve? – Connor perguntou, com uma das sobrancelhas arqueadas.

   –Red Flag foi invadida ontem... Não sobrou ninguém. – Disse, depois de alguns segundos em silêncio. – Logo agora que a Amy estava cedendo...

   Ele alisava a coronha de um fuzil desgastado, sem tirar os olhos de Alec.

   O garoto mordeu o lábio inferior, tentando conter o nervosismo.

   –E o que você está querendo fazer? – Connor voltou a perguntar.

   Many deixou a arma de lado, e a trocou por uma intimidadora faca.

   –O de sempre... – Disse, um tanto cansado. – Reunir armas, saquear bases... Tentar fazer da vida deles um verdadeiro inferno.

   –E se eles resolverem nos atacar?

   –Eles que tentem. – O olhar de Many Desmond pareceu ainda mais escuro e sombrio do que jamais esteve.

   Connor riu.

   –E Dark Spider?

   –Fugindo, como sempre... Mas, com a queda da Amy, acho que o Cruz pode cooperar... Então podemos ter uma chance.

   Connor suspirou.

   –Eu estava pensando... – Disse, com cautela. – A Eva tem poucas pessoas. Poucas mesmo... Talvez podemos mandar esse cara para lá.

   O líder ponderou por um instante.

   –É uma boa ideia... Falamos com ela de manhã. – Many fez uma pausa. – Não sei se ela vai concordar... Mas não custa nada tentar.

   Connor estava exultante.

   –Leve ele lá para baixo. – Many continuou, sem tirar o brilho ameaçador do seu olhar. – Dê roupas e tudo o que precisar... Ele pode dormir por lá mesmo, amanhã, se a Eva concordar, mando o Ryan  buscá-lo no campus.

   –Ok... – Connor concordou. – Alec, vamos?

   Um tanto quanto aliviado, ele concordou e deu meia volta, disposto a não voltar assim tão cedo. A princípio o líder de Dead Man era educado, tranquilo e um tanto esquivo. Mas, Alec bem sabia que ele é o tipo de pessoa com quem se deve tomar muito cuidado. O seu jeito de manusear armas, de falar calmamente ou até mesmo de encarar um desconhecido não deixava dúvidas.

   Esse cara é mesmo sinistro...

   Depois dessa curta, porém esclarecedora conversa, Alec se viu deixado num dos andares inferiores, onde o restante da facção se reunia para passar a noite. O lugar não passava de um amplo espaço vazio, lotado de sacos de dormir e objetos diversos. Alec imaginou que aquela seria uma noite gelada e difícil, pois o clima do lado de fora não era nada agradável. No entanto, quando se viu banhado pela pouca luz, percebeu que uma brisa morna flutuava pelo ar, se misturando ao som de suspiros e silvos baixos. O que aliviava um pouco as coisas.

   Deve ter um aquecedor aqui dentro...

   Ele olhava pela vidraça, contemplando a silhueta imponente do prédio vizinho. Uma, incomum claridade pairava sobre o silêncio sonolento, tornando aquela noite diferente de todas as outras. Isso era curioso, mas muito reconfortante. Um mês já se completou desde que Alec acordou, dentro do Vespeiro. Ele se perguntava onde estariam D-673 e V-402, o mais próximo de "amigos" que já teve durante a infância. Talvez fossem membros da Guarda Cívil, soldados da Inteligência ou, na pior das hipóteses, Vespas robóticos e cruéis. Os três se falavam pouco, durante os treinos ou em missões de campo. D-673 era um garoto franzino e muito alto, enquanto V-402 era ruiva e sardenta. Alec gostava muito da companhia deles, embora já tenha sido advertido muitas vezes por conta de "falar no momento errado".

   Bons tempos...

   No canto direito onde se encolhia, Alec podia ver o topo da cabeça de Connor, aninhado nos braços de Andrew, que resmungava, de vez em quando. Eles eram boas pessoas, assim como a maioria alí dentro parecia ser. As outras facções e até mesmo os Vespas diziam que os Dead Mans eram estranhos e selvagens. Um mero  estereótipo advindo das tatuagens, que de fato eram assustadoras, mas não ditam o que eles realmente são ou fazem. Talvez Alec estivesse redondamente enganado e aquelas pessoas fossem mesmo um bando de facínoras sanguinários. Mas, premeditar isso é um tanto quanto injusto, já que foi acolhido tão amigavelmente. Não importa o quanto tempo tenha passado, as pessoas ainda cometem os mesmos erros de séculos atrás.

   Julgar apenas pelo o que percebem, logo de início...

   Isso pode ser um defeito, ou apenas uma reação natural... Há certas coisas que não podem ser mudadas.

   Alec suspirou, fitando o teto. Será que um dia deixaria Hack? A quanto tempo essa cidade existe? Como as pessoas começaram a ser mandadas para cá? A Omnigon tem parte nisso? Com certeza... Talvez a única saída seja a morte... Talvez os Snykers nunca sejam extintos totalmente... Ou talvez toda essa história de falha genética catastrófica seja só um teatro, uma mentira barata, que esconde um propósito maior.

   Alec tateou os bolsos, onde a Sig Sauer e o mapa de Claude estavam escondidos.

   Talvez as respostas estejam no Vespeiro... Faz até sentido... Lá é o quartel general deles.

   E, envolto em suas maquinações, Alec adormeceu, embalado pela atmosfera morna e o manso ressonar de pessoas dormindo.

***

   –Hey Alec... – Uma voz estridente se meteu entre seus sonhos. – Acorde.

   O rosto coberto de tatuagens pertencente a Connor se coloriu diante de um profundamente adormecido Alec. Depois de se recuperar do susto, ele não teve outra escolha, a não ser se pôr de pé com um salto e comprimir a face com um violento bocejo.

   –Você está com sorte. – Disse Andrew, assim que Alec e Connor se juntaram a ele, encostados na parede de um corredor.

   –Por quê? – Perguntou, ainda sob efeito da sonolência.

   –A Eva aceitou você no time dela...

   –Acho que o Desmond e a Kat estão envolvidos nessa decisão. – Connor interrompeu.

   Andrew soltou uma risada maldosa.

    –Quem é Eva? – Alec perguntou, cogitando a ideia de dormir de pé, assim como estava.

   Connor e Andrew se entreolharam.

   –Acho que é melhor você descobrir por si próprio... – Andrew riu. – O pessoal dela é meio... Difícil de definir.

   Mandado para os braços da morte... De novo!

   –Tudo o que sabemos é que ela vive com mais duas pessoas... – Disse Connor, mastigando algo que Alec não pôde identificar. – Estão com a gente, mas nem o Many consegue dar conta do temperamento deles.

   Os dois riram... Mas Alec estava apavorado demais para achar graça.

   –Adoram se meter em encrencas... – Andrew tomou o "alimento não identificado" das mãos de Connor . – Mas dão conta do recado... Estará seguro com eles... E, em duas semanas, vai estar tão louco quanto!

   A risada deles voltou a ecoar, vigorosamente.

   –Mas, se não gostar de lá, você pode voltar. – Connor disse, por fim.

   Alec suspirou.

   –Vamos ver no que vai dar...

   –Vai dar tudo certo. – Andrew riu. – Sabe cavalgar?

   –Ah... Eu... acho que...

   –Não sabe. – Connor interrompeu novamente. – Não esquenta, você aprende.

   Droga!

   Depois de alguns minutos tentando acordar direito e por os pensamentos em ordem, Alec e seus dois guardiões desceram o Dente do Javali e caminhavam pelos caminhos de Hack, admirando as pichações coloridas brotando por toda parte. A todo momento, grupos de soldados cruzavam as ruas, portando armas, carregando coisas ou simplesmente passando. A maioria deles seguia uma rota única, que, na concepção de Alec, só poderia terminar no tal campus.

    Minutos silenciosos transcorreram tranquilamente, enquanto Alec explorava a região. Não havia nenhum sinal de Snykers por perto, o que significa que os Dead Mans trabalham duro para mantê-los longe de um perímetro vasto e seguro.

   –Já estamos chegando. – Connor disse, apontando para uma construção mais antiga, a alguns metros de distância.

   Muros altos e grossos cercavam o local, que parecia se estender para além de onde Alec poderia ver. A tintura desgastada e a aparência mais clássica faziam do campus um lugar incomum. Vivendo seus dias cercado por prédios imensos e vazios, abandonados ao tempo. Bandeirolas e todo o tipo de lixo estavam amontoados embaixo de uma grossa camada de trepadeiras, que cresciam verdejantes, do chão ao teto.

FACULDADE VETERINÁRIA

   Alec leu, com uma certa dificuldade, inscrições numa placa enferrujada, se agarrando, firmemente, aos tijolos nus das crateras abertas na parede.

   –Onde conseguiram os cavalos? – Alec perguntou, matando a dúvida que lhe consumia por dentro. – Não existem muitos animais por aqui.

   Andrew abriu os portões, com uma careta de desaprovação.

   –Eles estavam aqui, quando os primeiros Dead Mans chegaram... – Connor respondeu. – A maioria já tinha morrido de fome... Passamos a cuidar dos que restaram, e com o tempo, começaram a procriar.

   Com a curiosidade bem satisfeita, Alec adentrou o campus, um tanto receoso, mas, não deu nem dez passos, e seus olhos se encheram com uma gloriosa visão.

   Wow...

   Um imenso gramado se estendia por quilômetros, tão verde e saudável quanto uma árvore na primavera, crescendo entre o peculiar cheiro de grama e de umidade. O campus era retangular, vazio no centro, onde se abria para os céus e permitia que os animais obtivessem um meio de alimentação. Cavalos nas mais diversas cores e tamanhos pastavam tranquilamente, enquanto eram selados, escovados ou alimentados por uma grande quantidade de pessoas.

    –Arrumamos um pônei bem tranquilo para você Alec... – Andrew debochou.

   –Engraçadinho. – Respondeu, com um certo humor áspero.

   Os três garotos desceram por uma escadaria e se viram no meio de uma confusão de pernas, patas e cascos, misturados à relinchos e comandos, escapando no ar.

   –Seguinte... – Disse Andrew, trazendo um imenso cavalo branco pelas rédeas. – Este é o Siggar... Diga oi ao Siggar.

   –Oi Siggar... – Disse Alec, sem emoção alguma.

   Não estou entendendo nada...

   –Coloque seu pé esquerdo aqui. – Andrew apontou para o estribo. – Depois, agarre a sela e lance sua perna direita sobre o dorso dele.

   Alec acatou a ordem, mas antes que pudesse agarrar a borda da sela, Siggar se moveu repentinamente, quase lançando o garoto de costas no chão.

   –Cuidado... – Connor riu, montado no dorso largo e escuro de Angus.

   Alec se debateu, fez força e se manteve firme, até que, depois de muito sofrer, conseguiu montar em Siggar, o imponente equino branco.

   Andrew parecia satisfeito.

   –Se quiser que ele vá para a direita, puxe a rédea para a direita. – Disse, um pouco mais sério, desta vez. – Se quiser que vá para a esquerda, puxe para a esquerda... Pressione os calcanhares se quiser que ele vá mais rápido, mas não seja rude. E puxe as rédeas para trás se quiser que Siggar pare.

   Não parece ser muito difícil...

   –Ah, antes que eu me esqueça... – Andrew, montou em Saphire. – Não seja muito bruto, porque se o cavalo empinar, você pode cair, quebrar o pescoço e morrer...

   Droga!

   Sem mais nada a dizer, Andrew e Connor saíram na frente, enquanto Alec vinha logo atrás, apavorado, rezando para que Siggar tivesse gostado dele e não ousasse lhe sacanear. Por sorte, ou por um pouco de prática, ele se manteve firme, cometendo tropeços vez ou outra, mas, como Siggar  era um pouco mais velho e nada agitado, o percurso se desenrolou tranquilamente...

   Se Connor e Andrew não ficassem apostando corrida o tempo todo...

   E, depois de muita insegurança, Alec descobriu que gostava daquilo...

   –Morte súbita está vindo aí... – Connor disse, depois de quase meia hora em silêncio.

   –O quê? – Alec mirou o horizonte, mas só o que pôde ver foi a silhueta de um veículo, se aproximando rápido.

   –Acho que é aqui que nos separamos... – Disse Andrew, forçando Saphire a parar.

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