O Amor Sempre Ajuda A Vencer Obstáculos
×Visão de Finn
– Tá pronto? – minha fisioterapeuta pergunta, estando na minha frente, após colocar minhas duas próteses.
– Tô assustado. – falo nervoso, forçando meu maxilar.
– Vamos, Finn... estamos há meses nos preparando pra isso. – ela fala, tentando me trazer coragem para que eu tente ficar em pé.
– É, mas eu ainda tô assustado. – ela sorri. Ela era uma mulher muito paciente e cuidadosa, o que melhorava bastante o meu tratamento.
– Você não vai andar totalmente despreparado. Vai andar se apoiando nas barras... – encaro ela por alguns segundos, confirmando com a cabeça em seguida.
Era a primeira vez que eu ia andar com as próteses e pedimos que outro fisioterapeuta filmasse eu me levantando pela primeira vez em meses. Minha fisioterapeuta me auxiliou no momento de levantar e dar os primeiros passos, na verdade, ela me segurou para que eu não caísse nos dois passos que eu dei sozinho. Emma via todo o meu esforço de longe com a mão no rosto, segurando a vontade de chorar.
Quando eu finalmente me vi em pé, mesmo ainda estando apoiado nas barras me senti uma nova pessoa. Não consegui controlar minha emoção e acabei deixando que algumas lágrimas caíssem pelo chão. Quase no mesmo momento, me veio uma dor quase que insuportável no meu coto, mas eu não desisti de tentar me manter em pé.
– Muito bom, Finn! – Emma grita e eu olho pra ela, sorrindo em seguida. Ela estava com os olhos vermelhos como eu e com mãos trêmulas.
– Vai ser moleza, tô parecendo o Bucky, amigo do capitão America. Mas ele tem o braço biônico, eu tenho as pernas. –falo e todo mundo começa a rir. Era a primeira vez que eu conseguia fazer uma analogia com sucesso. Morar com Aaron me ajudou a entender mais da mente humana e finalmente conseguir reproduzir alguns comportamentos, o que me deixava feliz, mas mesmo assim não diminuía a dor física que me acometia.
Mesmo assim, embora as lágrimas continuassem saindo de meu rosto, elas não eram pela dor aguda do primeiro contato com as próteses, e sim vindas realmente da emoção por eu estar em pé novamente, sem que fosse na minha cadeira de rodas. Eu também entendia o motivo daquela dor forte. Ela vinha, porque a minha perna não estava acostumada a levar o meu peso todo sobre ela e minha fisioterapeuta tinha me explicado o que acontecia com o encaixe da prótese e tudo mais, mas isso ainda assim não tinha me preparado totalmente para aquela situação.
Uma das coisas que me deixou bem feliz foi que eu, mesmo que ainda estivesse me preparando para receber as próteses, tive a oportunidade de conseguir próteses eletrônicas, que são bastante parecidas com as próteses comuns, a diferença é que ela carrega, ela se estabiliza com mais facilidade em questão de dar passos, sentar e levantar também. Escolhi ela, por ela ser melhor, sem considerar o peso já que ela é bem mais pesada que qualquer outra.
Posso parecer um louco que gosta de sofrer, mas eu preferia me acostumar primeiro com uma bem difícil e que fosse boa, já que tive a oportunidade de conseguir, do que comprar uma com menor vida útil e com uma qualidade inferior. Para todos os efeitos, eu, mesmo com toda a dor, decidi continuar tentando andar com aquela prótese.
Naquela semana, Aaron tinha conseguido ir para as semifinais com seu time e eu queria acompanhá-lo nos últimos jogos do seu último ano, por isso queria voltar a andar quanto antes, para poder estar ao lado do homem que amo nas novas conquistas dele. Eu parei de ver o Aaron com os olhos que eu via quando acordei. Parei de pensar que ele estava comigo por pena e me deixei convencer que era amor, afinal, se não fosse, ele jamais teria feito tudo o que fez por mim.
Me decidi de usar o carinho e amor de Aaron ao meu favor e me reestabilizar para estar psicologicamente bem ao lado dele, sempre que precisasse. Eu estava vendo o nosso namoro como uma grande corrida de revezamento, em que estávamos vivendo dificuldades, mas era necessário que um desse apoio ao outro quando ele precisasse. No caso, dei apoio quando o Aaron sofreu toda aquela exposição, ele me deu apoio com a minha nova condição e eu daria apoio a ele com sua condição psicológica sobre os jogos futuros que estavam deixando-o nervoso.
Emma, depois de me ver andar pela primeira vez com as próteses, teve que ir trabalhar novamente, mas mesmo ela indo, fiquei feliz que ela tenha me visto dar o primeiro passo depois do acidente. Naquele dia, andei por algumas poucas horas e em seguida fui fazer as sessões de massagem no coto para melhorar a dor que chegava a ser insuportável naquela região. Postei o vídeo andando no meu Instagram e recebi diversas mensagens de pessoas que se emocionaram ao me ver andando. Entre as mensagens me chamaram atenção, algumas que falavam sobre:
"Como é emocionante ver a sua felicidade em voltar a andar, nós nunca sabemos a importância que cada parte do nosso corpo tem, até perder e ter que se readaptar sem ela".
"Eu chorei tanto quando vi a sua felicidade em colocar os pés no chão novamente. É estranho, porque nós nunca entendemos o peso de certas ações até vermos como seria se tudo fosse diferente".
Entre outras mensagens de força e foco. Respondi quem eu pude, mas logo minha caixa de mensagens se encheu e eu não pude continuar, pois eram muitas pessoas. Era legal ver que eles viam a minha motivação como inspiração pessoal para valorizar quem são e como levam suas vidas, afinal... você reclama de não ser alto como queria, porque tem pernas. Você reclama do tamanho dos seus dedos, porque tem dedos, reclama do seu cabelo, por não estar passando por alguma situação em que o visse cair contra a sua vontade e por aí vai.
Nós temos a mania de nos autossabotar, olhar para a nossa imagem e ver algum defeito, mas isso acontece, porque conseguimos enxergar. É, a vida é mais fácil quando não nos vemos dentro de tantos pensamentos e reflexões. Claro que ser uma pessoa com deficiência auditiva, física ou visual não é ser uma pessoa menos importante que qualquer outra, mas o que eu quero dizer é que... você só reclama, porque pode reclamar.
Reclama que andou demais durante um dia, porque pode andar, reclama que a sala de aula está barulhenta, por poder ouvir o barulho e reclama quando alguém veste uma roupa que não achou bonita, porque pode enxergar aquela pessoa e pode falar pra ela que não gostou do que ela está vestindo. Consegue perceber que tudo é uma questão de ponto de vista? Fiz muitos amigos com deficiências físicas no hospital e só pude mudar a minha perspectiva de observação, quando realmente escutei o que eles me diziam quando eles falavam "eu perdi meu braço, mas eu tô vivo". Duas pernas, um braço... nada vale mais do que a nossa vida.
Se você possui uma deficiência auditiva ou visual, por outro lado, pode reclamar de forma contrária a quem não tem ou pode simplesmente se adequar ao seu meio e viver. Fazendo comparação de pessoas com ou sem deficiências, posso dizer que pessoas com algum tipo de limitação reclamam bem menos do que quem não tem nenhum. Estranho né? Olhar a vida de uma forma geral e sair apenas da sua particularidade... é, eu sei, é loucura e se não tivesse acontecido comigo, provavelmente também não perceberia.
– Finn? – minha fisioterapeuta me chama, me tirando de todas as reflexões que fiz, enquanto ela me fazia uma massagem.
– Ah, oi... – ela sorri, percebendo que eu estava refletindo.
– Tá tudo bem?
– O coto tá doendo bastante ainda. – ela confirma com a cabeça, sorrindo ainda mais.
– Claro que está. – ela fala. – Você e sua sinceridade sem igual. – continua a massagem, enquanto volto a refletir um pouco.
– Vamos, amor? – Aaron pergunta, entrando na sala depois de algum tempo e eu me viro. Ele estava parado na porta e não tinha dito nada. Eu não sabia quanto tempo ele estava ali, mas ele me encarava com um sorriso disfarçado no rosto.
– Vamos.
– Aaron, você pode levar as pernas? É bom que ele treine em casa, com as barras de proteção móveis que levamos pra lá hoje. – minha fisioterapeuta pede, ficando em pé.
– Tudo bem, levo sim, obrigado.
Me ajeitei na cadeira de rodas e saímos em seguida do quarto, indo até o elevador do hospital e deixando ele em seguida. No carro, Aaron me ajudou a me sentar no banco, colocou minha cadeira no porta-malas e minhas pernas no banco de trás. É bem estranho ouvir alguém dizer isso, eu sei...
Ele se sentou ao meu lado e começou a dirigir em silêncio, sem comentar comigo sobre o seu dia ou algo do tipo. Acho que ele estava esperando que eu dissesse algo, mas a minha única reação foi colocar minha mão na sua nuca enquanto ele dirigia, como ele costumava fazer comigo. Acho que uma das coisas que eu mais sentia falta era apertar o acelerador do meu carro e dar uma volta pra ir em Boulder tomar um café com Aaron, pra voltar algumas horas depois, mas agora tudo parecia tão distante da minha realidade que sequer cogitava essas possibilidades.
– O que foi? Você parece pensar demais hoje. – Aaron fala, depois de alguns minutos, enquanto dirige. Ele ainda estava com o uniforme da escola, como sempre estava quando ia me buscar.
– Tava lembrando dos nossos passeios, de quando íamos em Boulder tomar café e voltávamos... – Aaron sorri, me olhando por alguns segundos em seguida.
– Você fazia isso muito antes de passar a fazer comigo, não é como se fossem exclusividades do nosso namoro.
– Mas as melhores vezes que fui, estava com você.
– Vi seu vídeo andando no seu stories do Instagram hoje
– Viu como eu fiquei bonito com as minhas novas pernas? – ele sorri.
– Vi, vi sim...
Nos dias seguintes, comecei a treinar em casa. Eu passava o dia tentando me adaptar com as próteses e doía tanto, que às vezes eu chorava de dor, mas não podia desistir. Minhas próteses eram mais pesadas que a média, mas elas tinham a maciez ao andar que eu tinha quando ainda tinha minhas pernas, o que me ajudava a conseguir me manter de pé.
Por conta dos meus stories que causavam comoção e dos vídeos de Aaron sobre a minha recuperação, fui chamado para dar uma entrevista sobre como estava sendo tudo aquilo, para um dos maiores canais sobre automobilismo do país. Eles queriam saber os meus planos futuros e como estava sendo esse processo de adaptação, por isso eu viajei para Califórnia nos dias seguintes.
Fui para a entrevista ainda com ajuda das muletas e da minha fisioterapeuta, que se mantinha ao meu lado o tempo inteiro, para caso eu sentisse alguma dor. No horário da live, o canal se encheu com as pessoas que gostavam de mim e queriam me ver falar pela primeira vez de forma concreta e aberta após o acidente. Aaron não estava comigo, pois no dia teve aula, mas estava tudo bem.
– E então Finn, é um prazer tê-lo aqui comigo hoje. – Scarlet, a entrevistadora fala. Ela era uma das maiores na internet que tratava de assuntos relacionados a automobilismo.
– Muito obrigado, é bem legal estar aqui hoje.
– Essa é a sua fisioterapeuta? – ela pergunta e eu confirmo com a cabeça.
– Sim, Hellen. – apresento as duas.
– É um prazer, Hellen. – ela fala.
– É um prazer. – minha fisioterapeuta responde.
– E então Finn, como está a recuperação? – Scarlet pergunta.
– Difícil. Na nossa cabeça nós temos a impressão que andar com isso aqui é só colocar na perna e sair, mas na prática não é assim.
– Incômodos? – confirmo com a cabeça.
– Incômodos diversos e dói bastante também. É complicado conseguir achar o equilíbrio e mesmo estando com elas há alguns bons dias, não consegui nem dar 3 passos sem muleta ou sem ajuda, o que tira totalmente a magia de achar que tinha me tornado um cyborg.
– O que te motiva a continuar sua recuperação? Pensa em voltar às pistas? – Scarlet pergunta.
– Sim, mas o que me motiva realmente a vencer isso tudo é o Aaron. Ele me motiva tanto, que me sinto renovado sempre.
– O amor nos ajuda a superar coisas inimagináveis, não é? – Scarlet pergunta.
– É sim. – afirmo.
– Mas e então, pretende voltar a correr?
– Sim, eu ainda preciso conversar com a Mercedes sobre isso, mas espero voltar as pistas assim que conseguir controlar as minhas pernas. É engraçado falar isso... – digo e Scarlet, junto com todos que estavam ali, começa a rir.
A entrevista correu bem aquele dia. Ela me perguntou mais algumas coisas e eu tentei levar tudo com ótimo humor, afinal... eu precisava voltar me amar. Precisava me reerguer com urgência, para poder ajudar o Aaron a se manter de pé.
Com o passar dos dias, comecei a andar definitivamente de muletas, saindo totalmente da barra de proteção. Eu sentia que estava com um gesso pesado que pegava quase toda a minha perna e me impedia de andar direito. A sensação era a mesma de ter quebrado as duas pernas e estar tentando me sustentar sobre elas, mas sem sentir dor pela extensão das pernas e sim uma dor única e aguda na coxa. Muita dor na coxa, ou seja: no meu coto.
Com o decorrer do tempo gritei, chorei, me bati, me irritei, mas acima de tudo Aaron sempre estava ali, pronto para me abraçar, quando eu chegasse no ápice da dor e do ódio por sentir tanta dor na perna. No começo do tratamento apenas com as muletas, eu não conseguia passar mais de algumas horas com as próteses, mesmo com a ajuda, mas foi em um dia de domingo chuvoso que tudo mudou.
– Você continuaria me amando se eu desistisse das próteses? – pergunto a Aaron. Estávamos deitados na cama assistindo série e ele estava sobre o meu peito.
– O que? – ele pergunta de volta, me olhando.
– Você continuaria me amando se eu desistisse das próteses? – repito.
– A questão não é se eu continuaria te amando. A questão é se você continuaria se amando se desistisse pela primeira vez de um sonho. – ele sabia que eu queria muito voltar a andar, mas a dor estava quase me fazendo desistir.
– É tão difícil. – olho pro teto, tentando não chorar.
– Nada nunca foi fácil pra você, Finn. Largar as drogas, correr em racha pra ajudar sua irmã, entrar pra equipe da Mercedes... a única coisa que sempre foi igual, foi a sua força de vontade em conseguir alcançar seus objetivos.
– Aaron, dói tanto... – digo, olhando pra ele, sentindo algumas lágrimas saindo de meus olhos.
– Como foi se limpar da heroína e da cocaína? – pergunta, limpando minhas lágrimas.
– Eu quase morri.
– Mas você conseguiu. Quando bateu aquele carro, quase morreu, mas você resistiu e acordou. Quando acordou, quase morreu quando viu que estava sem suas pernas, agora precisa resistir e conseguir superar isso de uma vez por todas.
– Eu te amo tanto... – Aaron se senta sobre a minha virilha, segurando meu rosto.
– Olha pra mim, amor... – ele pede, segurando meu rosto e eu faço, com meus olhos ainda cheios de lágrimas. – Seja lá o que você decidir, vou estar aqui, mas não se decepcione por causa da dor... já venceu ela tantas vezes, não pode dar a ela a importância de ditar as suas escolhas de vida. – me da um beijo na testa em seguida. Eu deixo que minhas mãos passem pela sua cintura e ele me beija na boca em seguida.
Na segunda feira levantei cedo com Aaron e me despedi, para que ele fosse até a escola. Hellen, minha fisioterapeuta, chegou alguns minutos depois que ele saiu de casa e foi direto para o meu quarto, me procurar, como sempre fazia.
– Bom dia. – ela fala, entrando no meu quarto e abrindo as janelas.
– Bom dia... – digo, me sentando sobre a cama e desligando a televisão.
– Então, vamos subir nessa cadeira?
– Não. – ela me encara. Geralmente eu ia de cadeira de rodas até a sala, onde ela montava as barras para os meus treinos dentro de casa. Mesmo eu usando apenas as muletas quando saia de casa, dentro dela ainda usava as barras, pela falta de espaço para andar com as muletas o tempo inteiro.
– O que? – ela pergunta se entender.
– Hoje eu vou passar o dia inteiro com as próteses e com as muletas. Vou andar bastante, hoje nós vamos dar uma volta pela cidade. – Hellen sorri.
– Finn, você sabe que vai doer, não sabe? – ela pergunta, mas eu já tinha cansado de me isolar e não sair de casa.
– Claro, por isso eu tô esperando a sua massagem de preparação. – ela confirma com a cabeça, sorrindo mais ainda em seguida.
Hellen fez uma massagem demorada em ambos os meus cotos, colocou o liner de silicone para a proteção do meu coto e me ajudou a colocar ambas as próteses. Minhas próteses eram pretas e ambas tinham o logo pequeno da Mercedes prateado próximo do meu joelho, para me lembrar de mais um dos motivos pelo qual eu queria voltar a ter controle do meu corpo.
Coloquei tênis e me levantei com dificuldade da cama. Helen me ajudou a levantar e me entregou ambas as muletas. Eu estava confiante aquele dia. Fui escovar meus dentes e em seguida fui tomar café. Lisa ficou surpresa de me ver tentando andar sozinho, mas não disse nada.
Durante o dia eu sabia a dor que me esperava e não só no coto, como no braço, cintura e axilas, por causa das muletas. Se eu ia desistir? Jamais, por isso saímos do prédio e fomos andar pela rua. Para a minha surpresa, diversas pessoas vieram tirar fotos comigo e me abraçar. Era a primeira vez que eu sentia que estava recebendo afeto verdadeiro de pessoas que sequer conhecia.
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