Correr Para Viver?

×Visão de Finn

E foi naquele momento que a garota deu início ao racha, que eu me vi correndo como se não houvesse amanhã. Meu carro sempre foi um carro ótimo de corrida e a cada volta eu sentia cada vez mais o hormônio da adrenalina tomar conta do meu corpo naquela madrugada de sábado.

Aos poucos, alguns carros foram se batendo, ocasionando um capotamento coletivo e eu me via com Chris ao meu lado. Ele sempre ficava com o carro ao meu lado nas corridas e eu sempre pensava que perderia pra ele, até ele perder o tempo de uma curva e errar feio, saindo da pista e batendo em um poste qualquer.

Quando cheguei à linha de chegada, algumas pessoas aplaudiram e me cumprimentaram. De uma forma inexplicável, eu me sentia bem todas as vezes que isso acontecia, até eu chegar em casa de madrugada e ser pego em flagrante pela minha irmã.

– Que susto, Emma! – falo, com a mão no coração. Ele estava acelerado e descompassado.

– Corrida no subúrbio de novo? – ela pergunta. Bom, ela não gostava muito dos rachas.

– É, aqui está. – jogo um pacote pra ela.

– O que é? – ela pergunta antes de abrir.

– 4 mil dólares. – dou as costas.

– Espera... Eu não posso ficar com isso. – ela rebate e eu a olho, sorrindo em seguida.

– Pode sim, você quem trabalha pra me sustentar e é você que paga as contas. – digo e ela suspira, aceitando o dinheiro. Eu, às vezes, não tinha controle do que dizia, me lembrando o que a Síndrome de Asperger fazia com a minha mente.

– E o carro? – ela pergunta. Emma sabia que eu comprava peças pra ele sempre, pra melhorar tudo quando fosse correr.

– Ganhei peças pra ele, vou lá buscar agora. – ela me encara. – Eu não vou usar nada. Eu já falei que tô limpo faz tempo...

– Usar não, mas... – ela começa e eu interrompo.

– Traficar também não. – afirmo e ela continua me olhando,  ainda desconfiada. – Imagina o problema que vai dar caso alguém me veja traficando pra essa gente rica...

-Se cuida irmão, por favor. – ela fala. Emma era minha irmã mais velha e ela cuidava de mim desde que nossos pais tinham morrido. Claro que eu só dava trabalho e por isso ela se estressava bastante, mas de qualquer forma eu a amava.

Antes de sair, peguei minha jaqueta, dei um beijo em sua testa e peguei uma fruta, fui em direção à porta e sai em seguida. Estava com fome e a adrenalina de correr piorava tudo. Enquanto dirigia, observava as ruas sem movimento da cidade, comendo minha fruta. Quando cheguei na casa do meu amigo, fui recebido com um sorriso largo, mas assim que entrei observei duas meninas deitadas na cama dele.

– Elas vieram por livre e espontânea vontade. – ele comenta, fechando a porta.

– Olha... – começo a falar, mas ele me interrompe.

– É sério, elas vieram porque quiseram, eu juro. – ele fala, levantando as mãos em tom de rendição. Por muito tempo eu tive que me adequar com a forma das pessoas de reagir quando eram postas em condições delicadas. Na realidade, eu tive que aprender muitas coisas, como olhar nos olhos quando tinha algo bem sério para dizer, entender figuras de linguagem e ironia. No começo eu me sentia perdido, mas agora eu conseguia lidar com isso.

– Você sabe que pode pegar prisão perpétua né? – pergunto e ele da de ombros.

– Eu não droguei elas, elas vieram acordadas. – ele reforça. – São 3h da manhã, estávamos juntos desde as 10h da noite de ontem, irmão. É claro que elas iriam dormir. – Não gostava quando Eddie me chamava de irmão, mas não falava nada, pois não queria ser o estranho da turma. Vale lembrar que ele não era meu irmão, era só meu melhor amigo.

– Tudo bem. – falo, ainda desconfiado.

– Olha, se você quiser acordar elas pode acordar. Enquanto isso, vou pegar suas peças. – ele sai andando.

Eu fiquei ali, observando as duas meninas me decidindo se acordaria elas ou não. É, eu não fiz, enquanto estava sozinho com elas. Podem me chamar de covarde e eu sei que sou, mas não sei se teria coragem de ver que meu melhor amigo era tudo o que tinham dito sobre ele no tribunal um tempo atrás.

Eddie era acusado de estupro de vulnerável e estava em condicional. Segundo a justiça, ele drogou e estuprou uma garota algum tempo atrás, além de me convencer a pegar a responsabilidade sobre sua droga e isso fez com que eu me distanciasse dele. De qualquer forma, segundo a justiça, ele tinha levado a garota para um lugar afastado de todos então se elas estivessem passando pelo mesmo caso que ela elas não deveriam estar ali, deveriam? Eu não sei.

– São essas? – pergunto, vendo ele se aproximar com algumas peças para o meu carro. Enquanto estávamos ali minha cabeça fazia questão de me incomodar, preocupada com as meninas. Esse sistema de empatia pode facilmente ser levado como uma coisa que eu aprendi com a Emma: Pessoas boas se preocupam com as outras.

– Sim, quer montar agora? – Eddie pergunta e eu começo a pensar, não sobre isso e sim sobre o que eu deveria fazer naquela situação.

~Você não pode deixar elas ali sem saber se estão bem. ~Penso.

~É claro que pode, ele não precisa fazer nada por elas, se o cara disse que elas estão seguras, elas estão. ~Penso.

~O que a Emma faria? ~Penso.

Bom, se Eddie fosse mesmo o estuprador que todos acusavam, eu deveria ser o primeiro a saber, então... Eu precisava fazer aquilo... A Emma faria aquilo, eu tenho certeza.

– Só um minuto. – afirmo pra ele e vou até as meninas. Eddie, então, parece ficar incomodado com a minha falta de confiança nele pelos movimentos de impotência, mas não diz nada.

Eu começo a tentar acordá-las e quando elas abrem os olhos me olham e sorriem. Uma delas até me pergunta se eu queria fazer parte da brincadeira deles e eu fico sem entender o que ela quis dizer. Elas pareciam estar tranquilas, uma delas acenou para Eddie e ele acenou de volta, me olhando com um olhar de "eu disse". De qualquer forma, eu tinha tirado um peso enorme das discussões na minha cabeça ao ver que aquelas meninas não eram vítimas dele.

~Eu disse que era pra confiar nele. ~Penso.

~É claro, você sempre fala algumas coisas bem coerentes. ~Penso.

~O que importa é que elas estão bem. ~Penso.

– Vamos. –o chamo, pegando uma das peças para avaliar e passando por Eddie.

– Eu falei, elas vieram porque quiseram. A gente saiu junto depois viemos pra cá, chapamos e transamos. Nada mais que isso. Eu não quero voltar pra cadeia de novo, irmão. E eu não quero te perder mais uma vez. – apenas concordo com a cabeça. Às vezes eu não entendia alguns termos que ele dizia, mas preferia me poupar de perguntar.

Eddie me ajudou com algumas peças do carro que eu estava precisando, mas é claro que eu não deixava ele tocar no meu carro. Geralmente eu sempre montava algo nele diferente e não gostava de ser interrompido. Desde que comecei a correr, acabei lendo ainda mais sobre carros e mecânica, logo entendi tudo muito bem e me dedicar a isso ficou ainda prazeroso. Eu nunca me cansava... Além de montar, eu também treinava as corridas durante muito tempo antes do horário e por isso ganhava todas que participava. Meus rivais de racha geralmente treinavam algumas vezes e desistiam, enquanto eu passava horas treinando o mesmo trecho. Tenho que dizer que isso me fazia mais bem ainda. Depois de montar tudo, enquanto conversava com Eddie, fui para casa, faria o resto dos reparos mais tarde. Era domingo 5h da manhã e eu precisava dormir, a minha corrida de mais cedo tinha exigido muito dos meus braços e as dores musculares começavam a aparecer.

............................................................× °  × Aquele Piloto × °  ×.............................................................

Deixa eu me apresentar. Chamo-me Finn Longford, tenho 19 anos e sou piloto de racha aqui em Colorado. Comecei, correndo com um carro velho do meu falecido pai e conforme fui vencendo os rachas, fui comprando peças para o carro e juntando para comprar meu carro novo, quando finalmente pude, comprei esse que tenho agora e fui modificando, até deixar ele mais ou menos como quero. Sou fascinado por mecânica e gosto de passar horas lendo sobre.

Eu ainda modifico algumas coisas nele com frequência, mas nada que seja muito significativo, talvez eu faça isso mais pela necessidade de montar algo. Moro com a minha irmã, Emma, desde que nossos pais faleceram em um acidente de ônibus. Ela é legal, é professora em uma escola de gente importante. Eu só vou lá às vezes para buscá-la ou levá-la quando o carro dela estraga, mas nada muito chamativo por não gostar da maioria dessas pessoas.

Eu não trabalho. Tive alguns problemas com drogas algum tempo atrás e por causa disso eu vivo do racha, por isso minha irmã é tão preocupada... Ela sabe da vida do Eddie e tem medo que ele me induza a voltar a usar heroína e anfetamina, mas acreditem em mim quando digo que estou limpo. Tenho Síndrome de Asperger e ela misturada com drogas não fica legal.

A Síndrome de Asperger, na verdade, é o Espectro Autista e eu fui diagnosticado quando ainda era criança. Pela minha necessidade de entender a minha cabeça, eu acabei estudando bastante sobre ela durante a minha vida e hoje eu acredito que tenho comportamentos compulsivos por correr e por mecânica por causa dela. Eu também tenho problemas na hora de socializar e por mais que eu tenha aprendido a viver no meio de muitas pessoas, odeio isso. Eu não falo para as pessoas que sou autista, até porque o que eu iria dizer? Oi, sou o Finn e tenho um estado leve de autismo, gosto de carros e sou agressivo... Às vezes.

Pra mim, a pior parte de correr são os sons dos motores dos carros. Eu tenho bastante sensibilidade com os barulhos que eles produzem por eles cortarem a minha concentração, mas assim como em tudo na minha vida: aprendi a lidar. Eu era o garoto mais quieto na aula e não suportava o barulho das conversas, mas aprendi a lidar. Eu não gostava de contato social, mas às vezes eu aceitava ir em uma festa para não ser tão estranho. Sou compulsivo e tenho alguns traços de ansiedade. Meus pensamentos não param e não me deixam em paz em nenhum momento, mas mesmo com tudo isso eu ainda me esforço para não ser agressivo com Emma... a amo demais.

Outra característica minha é que eu sou uma pessoa que não liga muito para a presença das outras. Nunca me apaixonei, mas isso é questão pessoal, afinal nunca gostei de nenhuma das meninas que fui obrigado a beijar durante a minha vida. O ponto principal da coisa é: na minha cabeça, minha vida com ou sem você vai continuar. Adapto-me bem a falta que as pessoas fazem até não ligar mais.

– Chegou tarde. – Emma fala, vindo até minha cama e deitando-se ao meu lado.

– É, o Eddie me ajudou a montar algumas peças. – respondo. Eu tinha acabado de tomar banho e estava vestido com calça moletom e meia. É, enquanto eu narrava minha vida para vocês eu estava recebendo água morna no corpo e agora estava relaxado.

– Ele continua vendendo aquelas coisas? – pergunta só para entrar no assunto de drogas e ver se usei alguma.

– É a renda dele... Viciar adolescentes. –respondo, enquanto ela deita sobre meu peitoral.

– Covardia. – diz, enquanto eu faço carinho em seu cabelo. Vencer obstáculos. Eu sabia que as pessoas gostavam de caricias e coisas desse tipo... nunca entendi muito bem, mas se era pra ver a Emma bem, eu fazia.

– Não posso julgá-lo. Eu também não sou nenhum exemplo de ser humano. – ela sorri, suspirando em seguida.

– Olha pra você... Tão lindo. – diz me olhando. – Mamãe falava que você iria se tornar um príncipe e você se tornou. – ela fala em um tom trêmulo e eu a abraço enquanto estamos ali, juntos.

Minha irmã era sensível. Eu sabia que ela sentia falta dos nossos pais e sofria com a pressão de ter um irmão ex-viciado dentro de casa, principalmente pela visão da sociedade sobre mim. Eu podia me vestir bem e me comportar melhor ainda, mas eu sempre iria sentir que todos me olhavam com desprezo pelo meu passado e pelo meu estado psicológico. De qualquer maneira, eu me sentia menos inútil por ter parado de usar coisas erradas por ela, já que ela trabalhava bastante por mim e esse era o mínimo de retribuição que eu poderia lhe dar.

Eu amava minha irmã e naquele dia eu a abracei e ela dormiu comigo, como fazia às vezes. Ela não namorava ou se relacionava com alguém e eu sabia que era por medo de ser maltratada como a mamãe era, mas uma coisa eu posso jurar a vocês: Eu mataria qualquer um que triscasse um dedo na minha irmã para machucá-la... E pela minha condição vocês podem levar esse "mataria" realmente para o lado literal da palavra.

Para todos os efeitos, acordamos de manhã e ela me convenceu a ajudar na faxina de domingo. Eu odiava ter que acordar cedo no domingo pra arrumar tudo, mas a chantagem emocional dela era boa. Tão boa, que me fazia ajudar sem reclamar ou pensar em reclamar.

Enquanto arrumávamos tudo minha irmã curtia a música "There For You" do cantor Troye Sivan. Ela fazia lip sync "cantando" a música e se divertia. Minha irmã adorava esse cara e embora as coisas em casa não estivessem muito boas, esses momentos faziam com que todos os problemas dessem um tempo e as vozes que me acompanhavam também – tendo em vista que essas "vozes" nada mais eram do que questionamentos que eu costumava a fazer a mim mesmo em forma de conversa.

– Vai sair hoje? – Emma pergunta, me olhando enquanto estávamos sentados no sofá da casa.

Nossa casa era pequena, e alugada. Morávamos ali por ser razoável e pelo dono gostar bastante de nós por causa dos nossos pais. Mesmo assim, algumas coisas estavam desabando na nossa frente, mas até esse presente dia ainda não tinham completamente. Posso dizer que algumas contas estavam atrasadas por causa do trabalho dela que (mesmo sendo uma escola de gente rica) pagava muito pouco e não tínhamos muitos móveis, mas minha irmã fazia a casa sempre estar arrumada e isso dava um ar casual e aconchegante ao lugar. As nossas maiores dívidas eram externas e com o tempo vocês vão entender do que se trata.

Acredito que eu não saberia me virar sem ela e que... Bom, ela é a única pessoa que tenho. Seus olhos são verdes como os meus e seu cabelo era negro, cortado em um corte curto chamado "pixie cut". Como eu sei? Levei-a pra cortar e o cabeleireiro não parava de falar desse corte, me lembro bem da sua decisão e do dia. Minha irmã era alta como eu e seu sorriso era correto, além de largo. Ela era uma moça muito bonita e eu não entendia o motivo pelo qual ela sequer tentava uma vida amorosa, mas respeitava acima de tudo.

– Talvez. Quando eu estava voltando pra casa ontem senti uma puxada estranha na direção, talvez eu tenha que ir ao Eddie olhar se tá tudo certo com as rodas do carro. – respondo e ela suspira. – Eu não vou demorar, nem vou usar nada. Já te disse. – afirmo de forma sincera, ela sabia que eu não conseguia mentir e confiava em mim, mas eu sabia também que o problema de tudo era o próprio Eddie.

– Se você for pego com o Eddie, vai preso por tráfico de novo e dessa vez junto com ele. – ela afirma. Eu entendia sua preocupação.

– Olha, eu só vou, porque ontem à noite eu ia olhar e meu macaco mecânico quebrou, preciso de um pra olhar o carro. – afirmo e ela revira os olhos.

– Tudo bem, eu vou tomar um banho e sair com a Megan, ela quer ir ver alguns vestidos para um casamento que ela vai e eu vou ajudá-la. 

– Tá. – digo, dando um beijo na testa dela e me levantando do sofá.

Tenho a completa noção que ela reprova qualquer atividade minha com o Eddie. Com tanto tempo ao lado dela, eu podia sentir tudo o que ela sentia. Depois de um banho gelado eu saio e vou colocar uma blusa regata pra sair, de qualquer forma eu pego minha jaqueta e levo-a também. Geralmente eu não saia sem ela, por medo de passar frio na rua. O Colorado às vezes era frio e quente, aquele clima indeciso me deixava indeciso também.

– Você... Pode me levar lá? – minha irmã pergunta quando vê que eu vou sair.

– Claro. Acho que vou arrumar tempo pra dar uma revisada no seu carro também. – falo, enquanto saímos de casa.

– Ficaria bastante agradecida. –Ela fala sorrindo em minha direção.

Eu deixei minha irmã na casa da amiga para que saíssem juntas e em seguida fui para a casa de Eddie, que morava no subúrbio do outro lado da cidade de Denver, capital de Colorado.

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