XXXVIII_Razão para recomeçar
— O que tá acontecendo?— Ela perguntou, enquanto levantava.
— Bom dia, princesa.— Felipe chegou vestindo um roupão e fumando um cigarro.
— O que eu tô fazendo na sua cama, posso saber?
— Eu realmente não lembro pra te contar com detalhes, mas acho que dá pra ter uma noção. — Deu um sorriso malicioso.
— Não dê esse sorriso, tenho certeza de que não fiz nada mais que ficar bêbada e deitar na sua cama.
— Então por que você está nua e enrolada no lençol?
— Não pode ser... NÃO PODE SER!_ Ela gritou enquanto levantava rapidamente da cama e se vestia— DÁ PRA FAZER O FAVOR DE VIRAR DE COSTAS ENQUANTO EU MUDO A ROUPA?
— Posso saber pra quê? Já vi muito mais ontem, mesmo não lembrando.— Gargalhou— Que ódio que eu nunca lembro de coisa boa porque sempre tô chapado.
— Para com a palhaçada imbecil!— Ela jogou um travesseiro na cara de Felipe.
— Relaxa Mirandinha, nem deve ter sido tão ruim assim.— Ela estava chorando— E não precisa chorar como se eu tivesse tirado sua virgindade.— Ela parou subitamente de se vestir— Ou tirei?
— Vai se foder babaca!— Ela colocou a blusa e saiu.
...
Eu estava acabando de fazer os últimos preparativos no quarto da bebê, já na casa da cidade, quando Manoel chegou.
— Oi maninha!
— Oi Manu! Como você tá?
— Tô bem. E você? A hora tá chegando, hein?
— Pois é, o Juliano falou que a qualquer momento vai nascer e eu já tô super nervosa.
— E tá ansiosa?
— Ai!
— Tá até sem palavras, né Maria?— Ele olhava o quarto— Sabe como esse momento ficaria ainda mais perfeito? Se você e o Miguel voltassem.
— Ai Manoel!
— Eu sei, vou ficar quieto.
— AI MANOEL!— Gritei.
— Que foi?— Ele se virou pra mim, me viu abaixada, segurando a barriga e se assustou.
— Estourou. A bolsa estourou.
— Meu Deus! O que eu faço, Maria? Calma, já sei. KARLA!— Ele gritou— KARLINHA, VEM CÁ!
— O que houve?— Ela chegou e se assustou— Meu Deus! Maria, vou ligar pro Juliano e já te levo pro hospital. Só tenta manter a calma, apesar de eu imaginar que seja impossível manter a calma nessa hora.
Enquanto Karla ligava para Juliano, as dores começaram a se intensificar, e o meu grito foi tão alto que parecia se misturar com o grito de ódio de Miranda, que se lavava na banheira de seu quarto, na fazenda dos Fernandes. Quem diria que nós, tão diferentes, estaríamos com uma mesma sensação ao mesmo tempo: dor. Mas, enquanto minha dor era física e logo se transformaria na alegria de ver o rosto da minha filha, a da Miranda era na alma, e seria difícil de ser curada.
Juliano chegou à minha casa e, junto com Manoel, me levou ao hospital. Karla, apesar dos meus pedidos, não quis ir conosco.
Ela correu até ao apartamento no qual Miguel estava morando nos últimos meses.
— Oi Karla.— Ele sorriu enquanto abria a porta— O que você precisa?
— Vou ser direta. Sua filha tá nascendo.
— Do que você tá falando?
— Essas são as fotos do chá de bebê da Maria.— Ela mostrou algumas fotos em seu celular— É uma menina, ainda não tem nome e tá chegando agora. A Maria vai me matar por estar contando, mas acho que é o certo a se fazer, ainda mais que tô vendo essas malas no chão da sua sala.
— Para com essa graça. Qual a armação da Maria dessa vez?
— Como assim?
— Uma mulher que tem a coragem de me usar da maneira que me usou, que fingiu uma visita romântica pra ESPIONAR o meu pai, pode muito bem ter engravidado de outro pra falar que o filho é meu. Não seja tonta Karla, você pode ser amiga da Maria sem ser cega ou se fazer de boba porque ela te pediu.
— Nem tudo na vida da Maria é sobre vingança. Ela te ama e mudou por você.
— Mudou pra pior?
— Te garanto que o que você leu, lá naquele caderno, é a dor de uma garota que viu o pai ser assassinado e foi chamada de louca por acusar o assassino. Eu acompanhei tudo isso e posso te falar com toda a sinceridade.
— Então isso te torna cúmplice.
— Não, me torna alguém com propriedade pra bater na porta da sua casa e te falar essas coisas.
— E como você sabe que foi o meu pai que matou o Sérgio e que a Maria não está louca?
— Por isso ela foi pra sua casa naquele dia. Ela buscou alguns papéis. É um mapa com o caminho exato feito pelo assassino do pai dela com CM escrito. Maria quer descobrir quem é esse cara, porque acha que ele tem as respostas pra todas as perguntas que nos fazemos. Mas por favor, fica com a Maria. Ela tá péssima todos esses meses. Ela te ama. Ela tá esperando uma filha sua. Uma filha que é fruto do amor de vocês dois.— Ela olhou para Miguel e viu que o rosto dele continuava com a mesma expressão.
— Eu consegui ser aprovado no curso da minha vida em Londres e preciso sair agora se quiser pegar o voo.
— Tá certo, eu não vou falar mais, mas espero que o seu coração te faça sentir quando a sua filha nascer. Que te faça sentir outra vez aquele amor que você sentia pela Maria. Até outro dia Miguel, espero que esse curso te faça tão feliz como uma vida ao lado delas faria.
Karla se virou e caminhou até o elevador. Entrou e apertou o botão do térreo. A porta começou a se fechar, mas alguém fez com que ela se abrisse.
— Tá sentindo?— Karla perguntou.
— Eu vou ser pai— Ele sorriu e seus olhos brilhavam.
Os dois foram até o hospital o mais rápido que puderam para que não perdessem sequer um segundo daquele momento mágico.
...
Quando chegaram, viram Manoel na sala de espera. Ela já não roía as unhas, porque não haviam mais unhas para serem roídas.
— E então?— Karla o abraçou— Já nasceu?
— O Juliano ainda não chegou, mas fico feliz que você esteja aqui Miguel. Não sei o que vai acontecer com o relacionamento de vocês dois, mas vir aqui como pai depois de tudo aquilo que leu e descobriu é um gesto grande e te agradeço muito por ele.
— Eu também tô feliz e emocionado.—Ele sorriu— A Maria amadureceu desde que começou a escrever naquele livro, e amadureceu mais depois que me conheceu. De alguém que queria vingança, ela agora só quer justiça, só quer encontrar o culpado pela morte do pai e eu tô disposto a ajudar, mesmo que eu tenha que descobrir que o culpado é o meu pai. Pra mim ainda vai ser difícil digerir tudo isso e voltar a confiar nela, mas acredito que, mesmo que a passos lentos, um dia vamos conseguir.
— Pessoal...— Juliano chegou— Nasceu uma linda menina. Estamos só acabando de preparar tudo e vocês já vão poder visitar tanto a Maria quanto a criança.
— Tá tudo bem com elas?— Miguel perguntou.
— Tá sim papai babão.— Juliano sorriu— E vai ficar ainda melhor. A menina é saudável e, em poucos dias, vai poder ir pra casa.
...
Algumas horas depois, eu estava no meu quarto, conversando com Juliano.
— Agora você já vai poder receber visitas Maria. O parto correu bem, a sua filha tá bem e você não teve nenhuma complicação.
— Só quero receber a visita da minha filha. O pouco que vi dela, vi que é linda.
— Sim, ela nasceu muito bonita, o que me faz pensar que se tornará uma linda mulher.
— Não precisa ser uma linda mulher. Apenas uma BOA mulher já me fará ser a mãe mais feliz do mundo.
— Nos fará os pais mais felizes do mundo.— Miguel entrou no quarto com um buquê de rosas. Juliano sorriu e saiu.
— O que você tá fazendo aqui?
— Karla me contou da menina. E, nos últimos dias, eu estava lendo seu caderno e percebendo o quanto você mudou ao longo do tempo, o quanto você mudou desde que nos conhecemos e nos apaixonamos.
— E por que não falou isso antes?
— Porque eu ainda não tava totalmente seguro se você tinha mudado, ou se era só o meu coração querendo que eu voltasse pra você. Mas a Karla me fez perceber tudo, fez eu voltar a enxergar tudo com clareza, enxergar o quanto nos amamos e estamos dispostos a mudar um pelo outro.
— Não sei o que dizer.
— Só quero te pedir que me perdoe, não só pelo que falei, mas por ter beijado a Miranda. Entenda, por favor, que foi um momento de fraqueza, o que não me justifica, mas que estou arrependido e disposto a provar que não vai se repetir.
— Eu que tenho que pedir perdão por tudo de mal que já te desejei, mas peço também que entenda a cabeça de uma criança que viu o pai ser morto e que foi chamada de louca por acusar o assassino. Não quer que você acredite que foi o seu pai, porque sei que seria pedir muito. Um dia eu vou poder te provar e tudo vai se resolver.
— Não vamos pensar nisso agora meu amor.— Ele se aproximou e segurou a minha mão— Temos uma filha, que é fruto do nosso amor. Uma criança pura, sem maldade ou ódio no coração, que veio também pra purificar as nossas almas de todo o rancor. Ela vai nos fazer pessoas melhores meu amor, você vai ver.
— Com licença.— Uma enfermeira entrou no quarto, sorrindo, com nossa filha nos braços— Vim trazer essa princesa pra mamar e conhecer os pais.
Ela me entregou a menina. Era tão linda, que me hipnotizava com sua beleza. Como era possível que de tanto ódio havia sido gerada uma menina tão linda? Mas, como eu sempre disse, Miguel era o amuleto contra o ódio, contra a vingança.
Miguel e eu nos olhávamos e olhávamos, em seguida, para nossa filha, sempre sorrindo, enquanto eu a amamentava. Aquele momento era perfeito, parecia não haver mais nada no mundo além daquela interação, éramos só os três em um momento de paz. Até que...
— Finalmente vamos conhecer a princesa!!— Manoel chegou super animado no quarto, com a voz um pouco mais alta do que a indicada pra se entrar no quarto de uma mãe que acabou de dar a luz, principalmente quando a filha recém nascida está junto.
— Fala baixo Manoel!— Karla brigou, sussurrando.
— Me desculpa gente, mas tô muito feliz que a minha sobrinha nasceu.— Ele abaixou a voz.
— Não tem problema.— Sorri— Ela tá acabando de mamar.
— Que linda...— Karla olhou admirada— Parece que tem um pouquinho dos dois.
— Eu também achei isso.— Miguel falou.
— E, a propósito, como ela vai se chamar?— Manoel perguntou.
— Sabe que eu tinha me esquecido completamente disso?— Falei.
— Como assim vocês ainda não tinham escolhido o nome da menina?— Miguel estava confuso—A Karla falou alguma coisa do tipo, mas achei que era só o afobamento de me contar tudo rápido.
— Eu queria olhar pro rostinho da nossa filha pra escolher o nome. É muito ruim quando os pais já escolheram um nome e nasce uma criança que não se parece nem um pouco com ele.— Brinquei.
— E então, você acha que a nossa princesa tem cara de quê?— Miguel também perguntou brincando.
Olhei para o rostinho dela e ela pareceu sorrir para mim. Pensei por alguns instantes e logo encontrei a resposta.
— Luciana.— Falei, e tive a impressão de que ela sorriu ao escutar o nome.
— Luciana...— Miguel repetiu— Eu gostei! Mas o que te fez escolher esse nome?
— É muito simples. A Karla mesmo acabou de falar que ela se parece um pouquinho com cada um. Minha mãe se chama Lúcia e a sua se chamava Ana. A Lu veio pra unir nossas famílias, representando que o amor é capaz de unir aquilo que o ódio e a vingança separaram.
— Que lindo.— Miguel estava emocionado— Então essa é a nossa Luciana.
Luciana, aquela que uniria as duas famílias, e que representava o fim de décadas de ódio. Ela representava o fim da vingança. Ela era meu novo amuleto contra todo o mal que pudesse tentar invadir meu coração outra vez. A vingança não era mais a razão da minha vida. A Luciana e o meu amor pelo Miguel eram, e esse sentimento aliviava a minha alma.
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