XXXVII - Em uma nova convivência
— Claro que sim Miranda, entre por favor. Você está ensopada, vou pedir que os empregados tragam alguma coisa para você vestir, nem que seja uma roupa deles.
_ Eu agradeço bastante senhor Fernando.
Ele foi até a cozinha e voltou menos de dez minutos depois, com uma saia longa já um pouco gasta, uma blusa simples de manga comprida e uma toalha na mão.
_ Toma, pode entrar no lavabo para se trocar.
Miranda foi até o lavabo e voltou pouco tempo depois, já vestida. Uma empregada já havia levado um chá quente para perto da lareira.
— Sente-se aqui minha querida.— Fernando apontou para o grande sofá no qual estava sentado— O que te trouxe aqui em meio a essa tempestade?
— Desculpa ter vindo sem avisar mas...
— Já estou sabendo do que aconteceu.
— Olha, eu sei que o senhor não gosta de mim, mas...
— Eu nunca disse que não gostava de você, só não aprovava o seu relacionamento com o Miguel.
— Então provavelmente está bravo comigo pelo que eu fiz.
— Pelo que o meu filho me contou por telefone, eu deveria te agradecer, nunca imaginei que a Maria poderia ser tão dissimulada. Mas não foi isso que te trouxe aqui, não é verdade? Ou por acaso está querendo fazer uma aliança comigo, para que eu te ajude a reatar seu namoro com meu filho?
— Não, eu realmente não quero saber do Miguel nesse momento. O que me trouxe aqui foi algo muito mais sério e que pode acabar com muitas das minhas dúvidas.
— Se eu puder ajudar, será um prazer. Eu nem perguntei se você quer uma bebida.
— Não, muito obrigada, eu vou direto ao ponto. Você nunca aprovou o meu relacionamento com o Miguel. Por quê?
— Já expliquei que nunca encontrei compatibilidade entre vocês dois e acho que um casamento só faria mal a vocês.
— É só esse o motivo?
— Como assim? Eu não entendo.
— Hoje eu recebi uma ligação falando que eu era sua filha.
— E você acreditou nessa calúnia?
— A princípio não, mas, logo depois, a minha mãe me disse que eu era exatamente igual ao meu pai. No caminho, até aqui eu pensei muito sobre como sou diferente dos meus irmãos, da minha mãe e de como eles contam que meu pai era...
— Isso não é motivo para que...
— E como eu sou igual a você.— Fernando se calou diante dessa frase— Já escutei muitas coisas nessa fazenda, e sei que você é capaz de fazer muitas coisas pra conseguir o que quer, que não mede esforços para se dar bem... Assim como eu.
— Isso é um absurdo!
— Não, não é, e isso explica o porquê de o senhor nunca ter aceitado o meu namoro com o Miguel. Mas o que não sai da minha cabeça é por que você aceitou o meu relacionamento com o Felipe.
— Porque eu sou adotado.— Felipe apareceu na porta, também muito molhado.
— Pelo amor de Deus, vocês tiraram o dia pra falar besteiras!
— Não papai, não é besteira e nem mentira. Por anos eu escutei conversas atravessadas entre os empregados, mas nenhum deles teve a coragem de me falar o que tava acontecendo. Até esse ano. Demorei bastante pra assimilar, mas depois de investigar a fundo, descobri também sobre a Miranda e liguei pra ela hoje mais cedo.
— Por que você fez isso, garoto?— Fernando perguntou enfurecido— Deveria ter falado comigo antes!
— Então isso significa que é verdade?— Miranda perguntou, já com os olhos cheios de lágrimas.
— Miranda, eu sei que você não vai me per...
— Então eu não sou órfã?
— Eu te contei esse monte de coisa e você tá pensando nisso?
— Claro que sim! Por muito tempo eu senti falta de realmente pertencer a algum lugar e agora a minha vez pode chegar. Eu sei de tudo o que a Maria acha de você, já conheci sua face cruel, mas acredito que, por trás de uma máscara existe um homem bom e que pode ser um pai que eu quase não pude aproveitar.
— Eu entendo que é muito tempo pra assimilar tudo o que aconteceu, por isso não te cobro carinho ou compreensão nesse momento. Mas estou disposto a sentar para uma conversa sincera quando você estiver preparada.
— É bem difícil aceitar tudo isso de cara, ainda mais com tudo o que eu tenho passado lá em casa.
— Tô sabendo.— Felipe falou— A sua irmã tá brava demais com você. E o Miguel tá bravo com ela.
— Melhor que continuem assim.— Ela falou friamente.
— Tá sabendo que o Miguel é seu irmão e que vocês não podem ficar juntos, não é?— Felipe segurou em seu ombro.
— É por isso que você sempre foi contra?— Ela perguntou para Fernando.
— Sim.— Ele respondeu com uma expressão de arrependimento.
— Não era mais fácil ter me contado que eu era sua filha?
— Eu só descobri depois que o seu pai... Que o Sérgio morreu. Tinha medo que você fosse igual à Maria e me rejeitasse e, depois, tive medo que você me odiasse por não ter contado antes.
— Te odiar? Claro que não! O senhor cuidou tão bem de mim durante o tempo que eu fui amiga do Miguel. E quando começamos a namorar, mesmo que sempre tentando nos separar, o senhor era muito bom pra mim. Mesmo sem contar que era meu pai, cuidou de mim como tal, e vou ser eternamente grata por isso.
— Imagino que você não queira voltar pra sua casa, certo?
— Realmente não.
— Então fique aqui por um tempo, pelo menos pra conhecer como é viver com o seu pai._ Fernando se ofereceu.
— Mas eu realmente não queria dar de cara com o Miguel.
— Não precisa, acredito que ele vá ficar um tempo na capital, foi pra lá hoje e não pretende voltar pra algum lugar que sequer lembre a Maria. Se quiser, temos alguns chalés. O Felipe, inclusive, dorme em um deles.
— Acho que aquele perto do açude tá vazio.— Felipe disse— Eu te levo lá Mirandinha.
— Eu adoraria.
— E amanhã você vai até a cidade com o Felipe e compra algumas roupas, pra não precisar ir até a sua casa buscar.
— Infelizmente eu vou ter que ir em casa buscar dinheiro, porque o que eu trouxe não é suficiente pra roupas novas.
— Não precisa, eu sou seu pai. Considere como o seu presente de 15 anos.— Ele riu.
— Seria ótimo se não estivesse quase 10 anos atrasado.— Ela também riu.
— Uma coisa que você deve aprender comigo é que nunca é tarde pra nada.
— Muito obrigada papai...— Ela se aproximou, o abraçou e deu um beijo em sua bochecha— Se eu posso te chamar assim.
— É claro que pode minha filha, você é minha filha.— Ele sorriu.
Sorrisos no rosto de Fernando Fernandes eram raros, principalmente os sinceros. Mas aquele era.
Miranda e Felipe seguiram até o chalé de pedra que ficava de frente para um pequeno açude. Ao abrir a porta de madeira, Miranda se deparou com um espaçoso lugar, com uma sala de visitas e de jantar, uma linda cozinha e um banheiro na parte de baixo, e de uma cama ao lado de um grande guarda-roupas em um espaçoso mesanino.
— Quem vê de fora não imagina que é tão espaçoso.— Ela falou, ainda admirando o lugar.
— Pois é. É até por segurança, assim ninguém tem vontade de procurar alguma coisa aqui.
— Então quer dizer que aqui é perigoso?
— Não é. Os seguranças ficam entre o meu e o seu chalé. Qualquer coisa é só gritar ou assoprar um apito que eles vêm.
— E você tem um apito pra me emprestar?
— Na verdade não, foi só uma ideia mesmo. Mas se você achar melhor, eu posso trazer um dos seguranças pra sua porta.
— Eu agradeceria se pudesse.
— Claro que sim. Olha, amanhã quando acordar, pode ir até a casa do meu pai tomar café, porque tudo é servido lá. Tudo bem?
— Claro, só que eu acordo um pouco tarde.
— Garanto que não mais que eu.— Ele sorriu—A comida e o serviço são garantidos a qualquer hora. Durma bem, eu já vou pro meu canto antes que volte a chover.
— Boa noite.— Ela trancou a porta, deitou-se na confortável cama e, sem fazer mais nenhum movimento, rapidamente dormiu.
...
Em casa, todos estávamos preocupados com o estranho sumiço de Miranda, principalmente por conta do bilhete que ela havia deixado em cima de sua cama, onde era clara ao dizer que não voltaríamos a vê-la tão cedo, mas que teríamos notícias dela em breve.
— Tá na cara que ela tá armando alguma coisa.— Falei com uma expressão de preocupação no rosto.
— A questão é saber o que é e como podemos fazer para pará-la.— Manoel completou.
— Será que ela se uniu aos conhecimentos do Felipe pra dar algum desfalque na empresa? Ou pior, desfalcar a empresa dos Fernandes e colocar a culpa em mim, afinal, era um dos pontos da vingança que estava escrito no caderno.
— Você também, hein Maria... Onde já se viu armar uma vingança desse nível pra cima do Fernando Fernandes?
— Eu era uma criança Manoel, uma criança que não sabia o que estava fazendo e que estava cega pelo ódio.
— E olha aonde o seu ódio te levou.— Minha mãe falou triste.
— Querem parar de me condenar como se eu fosse a única culpada da história?
— Agora já não adianta mais encontrar culpados.— Karla entrou na sala e secou a bota encharcada em um tapete colocado na entrada— Rodei a cidade inteira e nada do carro da Miranda. Ela só pode ter ido pra fazenda.
—Lá ela também não tá, acabei de conseguir falar com o Rodolfo.— Manoel se angustiou ainda mais.
_ Agora a gente tem que se esforçar pra descobrir onde a Miranda se enfiou e o que ela tá querendo fazer, porque eu tenho certeza que ela vai voltar com força total pra nos prejudicar.— Todos olharam para mim como se eu tivesse falado alguma mentira— Ok, pra ME prejudicar.
...
Pelos próximos meses, nenhuma notícia de Miranda e tudo estava estranhamente normal. A minha barriga já estava grande e o bebê estava programado pra nascer em alguns dias.
Entre Miguel e eu não havia mais nada, ele nem sequer havia ido até a fazenda conversar pessoalmente e o pedido de divórcio apenas havia chegado e eu fiz questão de assiná-lo.
Eu estava sozinha na sede, assistindo televisão na sala de jogos. Manoel e Karla haviam saído para comprar algumas coisas e minha mãe tinha sido convocada para uma reunião de emergência na empresa. A única coisa na qual conseguia pensar era sobre o paradeiro de Miranda e o que ela poderia estar tramando.
...
Ela, por sua vez, havia feito uma amizade, ou melhor, uma aliança, com Felipe, e os dois se encontravam frequentemente para decidir o que poderiam fazer para obter a maior vantagem possível na empresa quando fossem donos. Em um desses encontros, Miranda percebeu que Felipe estava demorando muito para chegar, e foi buscá-lo em seu chalé.
— Posso entrar?— Ela falou ao bater na porta. Ninguém respondeu, mas minha irmã podia escutar alguns homens conversando.
— Amanhã eu te pago o que faltou.— Um homem falou— Mas enquanto isso, tem como você me dar mais um pouco? Coloca na minha conta.
— Você não tá me entendendo, parceiro, eu compro o produto caro pra usar e faço o favor de te vender uma parte. Só que até eu, que sou rico, preciso receber, senão fico pobre, entendeu?
— Me quebra um galho dessa vez amigo. Se eu for comprar direto, eles me matam por não pagar.
— Vamos fazer o seguinte: eu te dou um pouquinho pra você passar a noite e você me paga até o fim da semana que vem, senão eu não vendo mais.
— Tudo bem. Obrigado amigo.
Miranda se escondeu quando o homem saiu e caminhou até um carro que estava mais à frente. Depois ela entrou no chalé.
— Agora entra sem bater?— Felipe falou, enquanto acendia um cigarro.
— Isso não parece ter tabaco dentro.— Ela falou ao fechar a porta.
— E desde quando se importa?
— Não me importo, só tô falando.
— Então pode ficar quieta.— Deu uma tragada— Quer experimentar?
— Não, eu tô bem assim.
— Então é problema seu, mas se quiser pode pedir. E o que você quer?
— Nada,só achei estranho que você não foi ao meu chalé.
— Queria a minha companhia lá?
— Só achei estranho...— Ela se assentou no braço do sofá— Posso te fazer uma pergunta?
— Já fez, mas pode fazer outra.
— O que leva um dos caras mais ricos da cidade a vender droga? Ou melhor, a cobrar as dividas atrasadas?
— De onde você tirou isso? Eu só uso alguma coisa às vezes.
— Não foi o que deu a entender depois que aquele cara saiu daqui.
— Ficou espiando atrás da porta Mirandinha?
— Claro que não, mas queria falar com você e não queria interromper.
— Sugiro que você fique quieta quanto a esse assunto.
— Caso contrário...
— Você ficou mais atrevida depois que se descobriu como uma Fernandes. Sabe que eu gostei disso? Só não gosto quando isso envolve se meter nos meus assuntos, e acho que você também não vai gostar.
— Não seria louco de fazer algo contra mim.
— Vamos fazer o seguinte: você fecha a boca e eu te dou uma porcentagem das minhas vendas. O que acha?
— Quanto?
— Posso te dar 10% do lucro. Não me venha com chantagens, porque eu sei de várias coisas erradas que temos organizado nessas semanas.
— Tá,pode ser. Não preciso do seu dinheiro sujo.Tenho 1/4 das terras da fazenda e vou ter 1/3 depois que aquela idiota morrer. Além disso não duvido que o Fernando me deixe algo.
— Tá falando da sua mãe?
— Tô falando daquela mulher que não se importa se eu tô viva ou morta, desde que esteja bem longe dela.
— Não fica assim. Olha, eu tenho coisa melhor do que isso que eu tô fumando e que vai te deixar super animada. Eu vou até pegar um pouco pra mim porque essa semana tem sido puxada.
— Não sei, mas não confio em você me oferecendo droga.
— Eu testo tudo o que vendo e tô vivo até hoje. Mas se quiser eu posso te oferecer só bebida por enquanto.
— Tá.
— Ele foi até o bar e voltou minutos depois trazendo dois copos.
— Ao nosso sucesso.— Ele sugeriu o brinde.
Brindaram e beberam.
...
Miranda não sabia o que havia feito, o que tinha misturado, por quanto tempo tinha ficado anestesiada por toda a dor que transformou em química dentro de seu organismo. Só amanheceu com muita dor de cabeça, nua, e enrolada no lençol da cama de Felipe.
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