XXXV - Sem limites

Cerca de dois meses se passaram, a obra já estava muito adiantada e, em pouco tempo, Miguel e eu poderíamos nos mudar para nossa nova casa. Minha relação com Miranda estava bem melhor e ela já não parecia mais se importar tanto com a ideia de Miguel como seu cunhado, apesar de eu ter visto uma sombra parecida com a dela algumas noites na janela do meu quarto.

A única coisa que me incomodava era a chave que ainda não havia aparecido. Imaginei que ela havia sido sugada pelo ralo da piscina ou até que tivesse caído na rua e, como tinha uma cópia guardada, não me incomodei em pedir que o chaveiro trocasse a fechadura do cofre, que ainda tinha uma senha.

— Tira essa chave da sua cabeça Maria.— Karla falou, enquanto colocava uma colher de sorvete na boca. Estávamos na sorveteria da esquina da minha casa.

— Não tô mais pensando nisso.

— Então tá pensando em quê? Você quase não tocou no sorvete.

— Não tô sentindo bem.

— Como assim?

— Sei lá, mas já faz uns dias que tô cansada e com enjoo. Todas as noites quando durmo, acho que vou melhorar no dia seguinte, mas só parece que piora.

— Pensa em que pode ser?

— Não faço a mínima ideia.

— Acho que você devia procurar um médico, esse cansaço que você tinha falado antes pode ser anemia, e acho que deveria olhar esse enjoo junto.

— Para de ser exagerada!

— É sério! Vamos lá no hospital e você faz um exame, daí tira qualquer dúvida e toma qualquer medida se precisar.

— Quer saber? Você tá certa, não aguento mais passar mal. Acredita que outro dia eu segurei pra não vomitar e acabei soltando no pé do Manu?

— Ele me contou sim.— Ela sorriu— Eu te dou uma carona e a gente vai.

Fomos até o hospital. Lá, encontramos com Juliano e ele pediu que eu fizesse alguns exames que demoraram bastante para ficar prontos.

...

— O-oi Miguel.— Miranda disse, parada na porta do meu quarto, enquanto olhava para Miguel, que estava do lado de dentro— Achei que era o Manoel.

— E eu achei que era a Maria. Sabe onde ela tá?

— Ela e a Karlinha saíram pra tomar sorvete.

— E por que você não foi?

— Porque elas têm os assuntos delas, a amizade delas. Eu já não faço mais parte, e já faz muito tempo.

— Acho que você deveria buscar novos amigos.

— Todos os que eu tive me decepcionaram, só os Julianos que se salvaram. Mas eu falhei com eles... Com os dois.— Ela abaixou a cabeça, como se fosse chorar e Miguel a abraçou.

— Calma, não precisa chorar. Eu tenho certeza que se você for agora conversar com o Juliano, ele vai te entender. Ele é um cara super bacana e você tem a mim também, afinal, agora somos cunhados.

— Você também falhou comigo. Eu dediquei anos da minha vida a você, eu destruí a minha reputação, perdi amigos... Tudo por você. E como me agradeceu? Me abandonou quando eu mais precisava.

— Eu te poupei de viver em um casamento infeliz.

— Sabe de uma coisa? Eu preferiria ter vivido infeliz do que te ver com alguém que só te usa, com alguém que te odeia.

— Vai começa com essa história outra vez?

— Só tô falando a verdade. E quer saber? Dessa vez eu posso provar. Quer que eu prove?

— E eu achei que você tinha mudado. Mas era só um disfarce, não é?

— Mais ou menos.

— Me mostra a "prova" que você diz ter então.

Miranda puxou a alça do sutiã e tirou de lá a chave. Depois, sem dizer nada, caminhou até o cofre e digitou a senha. Lá haviam coisas minhas e do Miguel. Ela puxou um pequeno alçapão que revelou uma pequena porta, com uma fechadura, onde colocou a chave e abriu. Pegou o caderno preto e o entregou para Miguel.

— Tá aí, pode ler. Em qualquer lugar que abrir você vai ver, com a letra da Maria, palavras de ódio contra o seu pai e a sua família.

Ele abiu e uma lágrima escorreu de seu olho enquanto lia a página escolhida.

— Por que tanto ódio?— Ele perguntou, ainda com os olhos fixos no caderno.

— A Maria acredita, desde pequena, que o seu pai matou o nosso pai.

— Não! O meu pai faz coisas erradas, mas não seria capaz de matar alguém.

— Manoel e eu pensamos o mesmo, mas a Maria teve um trauma, viu nosso pai cair da cachoeira. Minha mãe acha que ela colocou na cabeça que tinha sido o seu pai por ter ouvido o meu pai falar mal dele antes. Tadinha, eu até entendo ela.

— Eu não! Ela fala de conquistar a nossa confiança, de se aproximar, de nos destruir.

— Acho que tem um lugar que ela fala de matar o seu pai.

— Ela é uma... Uma louca! Uma psicopata! Como eu me casei com um monstro assim? Como eu durmo ao lado de uma mulher que pode me matar a qualquer instante?— Ele chorava muito.

— Foi por isso que eu tentei impedir. Viu? Eu te falei desde o início e você achou que eu tava de marcação.

— Me perdoa Miranda, eu não sei nem o que dizer ou pensar.

— Se acalma.— Ela o abraçou e ele continuou chorando, e depois de cerca de um minuto abraçados, ela olhou para ele— Eu tô aqui pro que você quiser. Eu sempre estive e sempre estarei. Porque eu me importo com você e te amo.

Ela se aproximou e eles se beijaram.

...

Cheguei na porta de casa rindo atoa junto com Karla e logo encontramos com Manoel, que estava abrindo o portão.

— O que houve? Vocês estão tão felizes.— Ele perguntou.

— A Karla te explica tudo porque agora eu tenho que falar com o Miguel!

...

Subi correndo com um papel na mão, mas nem tive tempo de falar nada, pois quando parei na porta do meu quarto vi Miguel e Miranda se beijando. Eu não conseguia me mover. Não sabia mais onde estava e nem o que estava acontecendo. Não sentia nada, nem quando o papel escapou da minha mão e caiu no chão. Foi nesse momento que Miguel olhou para mim, seus olhos molhados de choro.

— Eu vou deixar vocês aqui conversando.— Miranda saiu rapidamente.

— O que tá acontecendo?— Perguntei, já chorando.

— Eu que te pergunto. Queria matar o meu pai?

— De onde você tirou isso?

— Desse caderno.— Ele me mostrou meu caderno.

— Então era com a Miranda que tava a minha chave? Ela não vale nada.

— ELA que não vale nada? Olha o que você tava armando!

— Você não tem o direito de me julgar, isso eram anotações de uma adolescente ainda inconformada com a morte do pai!

— O MEU pai não tem nada haver com isso! Queria matar ele só porque tava revoltada? O meu irmão e eu não temos que ficar órfãos de pai porque você é órfã de pai!

— Acha que eu escolhi uma pessoa avulsa e quis matá -la só porque o meu pai foi morto?

— Acha que o meu pai matou o seu? Ele não seria capaz de tanto!

— Você realmente não conhece o seu pai.

— Eu conheço muito mais do que você! Ele é meu pai, eu cresci ao lado dele!

— Você cresceu ao lado da farsa que ele inventou pra enganar todo mundo!

— Então o que você quer dizer é que somos todos idiotas, e que só você conhece a verdade!

— Só eu VI a verdade!

— Você é uma surtada! E eu mais surtado ainda de ter me casado com você!

— Caso se arrependa tanto de ter largado a Miranda, pode trazer o papel com o pedido de divórcio que eu assino com todo prazer!

— É o que eu vou fazer!

— Fica a vontade, só não vai ficar mais nenhum segundo nesse quarto! Sai daqui!

— Vou pegar minhas coisas.

— Manda o seu irmão vir buscar amanhã, daí eu aproveito e conto pra ele o tipo de namoradinha que ele arrumou!

— Pode deixar que eu não quero nem pisar aqui nunca mais! Te vejo no dia do divórcio Maria.

— Te espero lá.

Ele jogou o caderno no chão e saiu pisando forte. Karla e Manoel chegaram sorrindo, mas seus sorrisos logo desapareceram quando viram Miguel descendo furioso as escadas.

— O que aconteceu?— Karla perguntou logo que chegou ao meu quarto e me viu olhando com ódio para a porta.

— Aquele desgraçado tava beijando a cachorra da Miranda! E ainda por cima leu o caderno e achou que podia falar merda comigo por isso!

— Então ele não tá sabendo?— Manoel perguntou.

— Não, e nem vai. Agora a vingança vai recomeçar, mais forte que nunca, e atingindo ainda mais pessoas.

— O que quer dizer?

— Agora, além de TODOS os Fernandes, a Miranda tá no meio.

— Não pode fazer mal à sua irmã!

— Eu posso Karlinha, eu posso.

Foi nesse instante que vi o papel no chão e comecei a chorar. O que eu tinha feito? Mas agora já não importava. Aquele teste positivo de gravidez caído no chão me dizia que era definitivo e eu estava decidida que, mesmo que não tivesse o Miguel ao meu lado, aquela criança nasceria rodeada de amor.

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