XXX_Aqui estou eu
Karla chegou ao barranco do bosque que dava vista para a cachoeira puxando Manoel, que já estava bufando, no exato momento em que viu Miguel e eu. Sem pensar duas vezes ela o empurrou para trás, fazendo com que ele descesse pelas pedras nas quais havia acabado de subir.
— Mas que droga Karla!— Manoel reclamou— Demorei um tempão pra subir isso e você me empurra.
— Eu não te empurrei, eu me desequilibre. E a propósito, obrigada por me ajudar a não ser eu rolando até aí embaixo.
— Então por nada, mas ainda não achamos os pombinhos.
— Acho que já foram, com o tanto que você demorou pra chegar aqui, seria estranho se tivessem permanecido né?
— EU demorei?
— Você ficou preso na sela do cavalo e quase caiu quando foi descer.
— Foi a porcaria da bota que agarrou.
— Sei... E demorou uma eternidade pra subir a pedra.
— Aquela pedra é muito ingrime e alta.
— Manoel, eu gastei menos de um minuto pra subir sem colocar a mão pra apoiar.
— Não vamos tentar encontrar culpados, não é verdade?
_ Claro que não, porque não existem CULPADOS no plural, só um. E ele se chama Manoel Soares.— Ela riu.
— Para de ser chata!— Ele fez cara de bravo, mas logo sorriu, enquanto novamente tentava subir pelas pedras.
— Mas então, o que vamos fazer agora? Já estamos aqui mesmo... Ei, por quê você tá subindo?
— Eu quero ver a cachoeira.
— Ela... Ela é a mesma de sempre ué.
— Tá me escondendo alguma coisa?
— O que acha de espionarmos a casa na árvore?
— E se a Maria e o Miguel chegarem?
— A gente fala que estava procurando eles, não vai dar em nada. No máximo vão ficar bravos.
— E nos expulsar de lá.
— Pois é, nada muito grave. Vamos.— Ela fez cara de dó.
— Sabe Karla suas emoções transparecem muito fácil, eu sempre sei no que está pensando e se está escondendo alguma coisa ou não.
— Você... Você sabe?— "Que eu não esteja transparecendo nenhum sentimento por ele, eu não posso fazer isso", era só no que ela pensava.
— Eu acho que você tá estranha e não quer que eu veja alguma coisa na cachoeira.
— Não...—Ela nunca havia se sentido tão aliviada na vida— Não tem nada que eu não quero que você veja, só não quero que suba pra depois a gente descer.
— Mas você tá aí e eu quero subir também.
— Pois eu digo que quero descer.— Ela começou a descer rapidamente, tentando parar Manoel que vinha subido, quando realmente tropeçou e os dois rolaram juntos pelas pedras, parando no chão macio, que na verdade era o meu irmão por baixo dela.
Seus rostos estavam assustadoramente próximos e Karla sentia que seu corpo a puxava mais e mais para perto daquela boca que ela tanto desejava sentir.
— O que é aquilo?— Manoel perguntou apontando para um brilho que parecia vir do lado da cachoeira.
— E-eu...— Ela rapidamente se levantou— Sei lá, parece água empoçada.
— Não tá parecendo não, mas quer dar uma olhada?
— Lá deve estar cheio de mosquito.
— Então tá, eu vou pra cachoeira, será que consigo pular dali de cima?
— Eu também tô achando que não é água empoçada. Vamos olhar?
— Ai não, tem um descidão até lá, acho que a gente não chega.
— Vai amarelar agora?
— Eu não sou desses caras que amarela ok?
— Então vai.
— Eu vou mesmo!
— Eu sei.— Ela riu— Vai lá.
— Fica olhando daqui?
— Fico, não vou tirar o olho de você um segundo. E pode ficar tranquilo que se você cair no buraco eu chamo o socorro.
— Você é fantástica, sempre me dá apoio.— Ele falou ironicamente— Tô indo.
Ele desceu e foi em direção ao brilho e, conforme chegava perto, seus olhos arregalavam e brilhavam.
— KARLA!— Ele gritou.
— O QUE FOI?
— VEM CÁ! VEM VER ISSO!
— VALE MESMO À PENA?
_ VALE SIM, VEM VER! PODE ME BATER SE NÃO VALER!
— NÃO VOU FAZER ISSO COM VOCÊ!
— ENTÃO VEM!
Karla foi correndo até onde Manoel estava e também se surpreendeu com o que viu: uma caverna aberta entre as pedras da cachoeira, que tinha um lago de água cristalina formado pela água que infiltrava pelas frestas.
— É lindo!— Karla disse— Vamos lá dar uma olhada?
— Entrar ali? Não, acho melhor não.
— Por quê?
— Eu... Eu tenho claustrofobia.— Ele passou a mão pelo cabelo, um pouco sem jeito.
— Mas é aberto!
— E se isso desabar com a gente lá dentro?
— Isso não parece uma formação nova, e se não desabou ainda, não acredito que vá ter problema.
— Não sei não...
— Vem! Você vai perder um lugar lindo desses porque tá com medo de entrar? Olha, pensa pelo lado positivo: se você ficar preso aqui, pelo menos vai estar comigo.
— Realmente seria muito bom, mas não sei... Tenho medo.
— Vai mesmo perder o lugar maravilhoso que tem ali embaixo por medo? Vem comigo.— Ela estendeu a mão— Eu não vou deixar que nada de mal aconteça com você, confia em mim. Eu vou te proteger.
— Vai me proteger?
— Sempre.
— Só você mesma pra me fazer entrar em um buraco desses.— Ele segurou a mão de Karla— Mas me convenceu. Tudo bem, eu vou.— Ela sorriu com a resposta e meu irmão retribuiu o sorriso.
Os dois desceram o pequeno barranco que levava à entrada da caverna e viram que lá dentro realmente havia um lindo lago. Manoel parecia hipnotizado com a beleza daquele lugar, ele foi se aproximando lentamente da água até que Karla o puxou para trás.
— O que foi? Ficou louca?
— É fundo.— Ela apontou com a cabeça para o meio do lago, onde havia uma cratera assustadoramente funda e escura.
— E daí? Não vai me dizer que não sabe nadar, não é?
— Não é isso, é que essa cratera me assusta.
— O quê? Tem medo de ter um monstro lá em baixo?— Ele riu.
— Não é isso, é um problema que eu tenho desde pequena. Não quero falar sobre isso, de verdade.
— Não precisa falar se não quiser. Olha, tem um caminho que leva àquele lugar bonito do outro lado do lago. Vai demorar mais, mas não temos nada pra fazer mesmo...
Me acompanha?
— Claro que sim!
Eles caminharam até uma parte que formava uma espécie de "península" de pedras, e lá ficaram por horas. Manoel contava suas piadas e alguns casos engraçados de sua vida enquanto Karla não parava de rir. Depois de algum tempo, eles decidiram que estava tarde e que deveriam voltar porque o sol já estava quase se pondo.
Manoel se levantou e estendeu a mão para Karla, que continuou observando a escuridão no fundo do lago.
— Em que está pensando?
— Sabe, eu não tenho medo de lá em baixo ter um monstro ou alguma coisa do tipo. Já não sou mais uma garotinha pra acreditar nessas lendas urbanas.
— Então por que não entra?
— Eu... Eu tenho medo de não ter o controle da situação, de não saber exatamente o que tá acontecendo e pra onde eu vou se entrar e alguma coisa der errado.
— Como assim?
— Me incomoda olhar para aquela escuridão, sem saber o que tem lá em baixo, sem saber a profundidade. Eu não tenho controle nenhum da situação, me entende?
— Tem medo de, por acaso, afundar e não conseguir saber até aonde vai chegar ou como voltar.
— Exatamente, esse é um dos motivos de eu odiar a escuridão e a altura e, talvez, o motivo pelo qual eu tanto luto contra o amor ou ter um caso sério com alguém.
— Olha, eu não sei o que te dizer, porque não sou muito bom com palavras. Aqui na minha família, nós somos melhores com números.— Riu— Mas só te digo que, se você afundar, eu vou estar lá do seu lado e vou tentar te ajudar com todas as minhas forças, mesmo que eu afunde com você.
— Isso não foi muito encorajador.
— Só tô te falando que se quiser tentar, eu vou estar aqui pra te apoiar, pra te ajudar. Ou simplesmente pra não te deixar olhar pra baixo enquanto atravessa.
— Obrigada, Manoel.— Ela sorriu e, logo depois, o abraçou.
— Eu vou estar aqui sempre. É pra isso que servem os amigos, não é?
— É.— Karla concordou, mesmo que alguma coisa em seu coração dissesse a ela que não queria que eles fossem apenas amigos. Mas já estava bom, ter Manoel por perto já era bom.
— Quer tentar?
Karla olhou por um longo instante para ele e depois para o lago. Depois, caminhou na direção de Manoel e o segurou, apoiando as mãos em sua nuca como se fosse beijá-lo. E ele a segurou pela cintura, como se aprovasse o que tivesse que acontecer. Mas ela parou ali, desceu da ponta dos pés onde estava apoiada e se soltou dos braços do meu irmão.
— Acho que não agora.— Ela abriu um pequeno sorriso e Manoel retribuiu. Então os dois voltaram para casa.
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