XXVII_Imprevisível

_ Eu tava procurando uma tesoura._ Falei, sorrindo e mostrando a tesoura_ Eu sei que não deveria estar aqui, sei que o senhor Fernando não gosta. Mas vamos deixar isso cá entre nós, pode ser?

_ Claro dona Maria, podia ter me pedido, tem uma ali na sala. Tá bem em cima da mesa.

_ Desculpa, sou meio míope._ "Que desculpa esfarrapada, Maria"_ Mas pensei em procurar aqui e encontrei essa, será que posso usar?

_ Claro. O senhor Fernando não gosta que usem as coisas dele, mas quem liga?

_ Sim, eu não gosto de fazer essas coisas erradas, sabe? Mas é porque sou muito perfeccionista e vi um fiapo solto na toalha. Aquilo não parece nada pra muita gente, mas pra mim é a morte._ Ri.

_ Eu te entendo._ Ela também riu.

_ E você? Já acabou de limpar?

_ Quem me dera, só cabei a primeira parte, saio daqui com a coluna estourada todos os dias. Só que a senhora veio ao banheiro e sumiu, daí fiquei preocupada.

_ Não precisa se preocupar, se eu tiver qualquer problema te grito, pode ser? Aliás, sabe que horas o Miguel chega?

_ Acredito que em meia hora.

_ Sendo assim, preciso me apressar_ "Me apressar pra tirar essa maldita foto logo"_ O que acha de eu te ajudar depois que acabar de organizar o piquenique? Assim você pode sair mais cedo.

_ A senhora quer é ficar sozinha com o seu namorado, não é?_ Ela sorriu_ Vou arrumar bem o quarto do senhor Felipe e, qualquer coisa, arrumo rapidinho o do senhor Miguel quando ele chegar.

_ Pode ser, eu falo com ele que você não quis atrapalhar nosso jantar. Ele não vai ligar com certeza.

_ Então está tudo bem! Vou subir e terminar de limpar.

_ Tá ok, vou cortar a bendita linha solta e já já devolvo a tesoura pro lugar onde peguei. Não se preocupe que ele não vai brigar com você.

A empregada subiu e eu fui até os fundos. Então, fingi cortar o fio solto e voltei para o escritório.

Fechei a porta e fiquei atenta a qualquer barulho.

Fui até a mesa, o mapa estava por cima. Peguei o celular e tirei várias fotos para assegurar de que ao menos uma daria certo. Depois, olhei uma sequência de fotos que havia tirado de todas as camadas de folhas da gaveta e as coloquei novamente. Garanti que o mapa estaria escondido no fundo, guardei a tesoura e saí.

...

Alguns minutos depois, Miguel chegou. Eu o esperava na sala de estar, com a luz apagada e lhe dei um susto quando ele a acendeu.

_ Maria? Que surpresa te ver, meu amor._ Ele me beijou.

_ Você me surpreendeu outro dia, agora é a minha vez, meu amor. Fiz um piquenique pra nós dois, pra comemorar nosso namoro.

_ Você é imprevisível._ Ele sorriu de lado.

_ Você ainda não viu nada.

...

Durante o mês que se seguiu, tudo foi normal, tanto na minha casa quanto na casa dos Fernandes. A única coisa anormal continuava sendo aquele estranho romance entre Miranda e Felipe: alguns beijos, nada mais (pelo menos na frente de todos, é claro)

Por coincidência, fomos todos, Soares e Fernandes, para as nossas fazendas no mesmo dia, pois tínhamos diferentes assuntos que deveriam ser tratados com a mesma urgência. Somente Miranda e Felipe não tinham nada para fazer e foram só pelo simples prazer de ver os outros trabalhando, enquanto eles não faziam nada, e talvez tentar criar ainda mais a impressão de que o que tinham era real.

Um certo dia, eu estava na plantação, quase na fronteira com a dos Fernandes, quando escutei uma voz de homem se aproximando com bastante rapidez:

— Maria!

Me virei e fiquei surpresa ao ver Fernando Fernandes, chegando a cavalo.

— Olá senhor Fernando!

— Nada de senhor, não sou tão velho assim!— riu— O que está fazendo aqui?

— Dando uma olhada na plantação. A sua colheita já acabou, não é verdade?

— Sim, finalmente. Chega a ser incômodo aquele monte de gente desconhecida perambulando pra lá e pra cá dentro da propriedade, além do trabalho extra que fazem. O tanto de bebês da safra que aparecem não é brincadeira, poucas são as mulheres que conseguem voltar no ano seguinte.

— E foi uma boa colheita?

— Excelente! — Ele subiu na cerca baixa de madeira, que dividia as duas fazendas e se sentou na parte mais alta_ É claro que sempre pode ser melhor, já que o Felipe faz muita gracinha com as empregadas e acaba diminuindo o rendimento delas. Ficam mais preocupadas em vigiar a chegada dele todas as tardes, pra ver quem vai acompanhá -lo para a cabana, do que com os morangos.— Riu— Aquele menino não tem jeito mesmo, parece mais meu filho do que o próprio Miguel.

— Mas ele é tão seu filho quanto do Miguel. — Olhei confusa pela expressão que ele tinha usado, como se Miguel fosse seu filho e Felipe não.

— Sim, é só um modo de dizer que criei dois filhos praticamente sozinho, portanto da mesma forma e, enquanto um saiu a minha cópia, o outro é o oposto. O Miguel nunca foi galinha, sempre foi super comportado.

— O senhor também se engraçava muito com as trabalhadoras quando tinha a idade deles?

— Não vou te falar que não, porque seria mentira. Fiquei viúvo muito cedo, então comecei a experimentar o melhor que a vida tinha a me oferecer.

— Mulheres?

— Você talvez não entenda por ser mulher, mas a atenção que um homem de poder recebe é impagável. Esse é um dos motivos pelos quais não voltei a me casar. Prefiro amores prazerosos, que duram pouco e acabam, a amores que duram muito, perdem o encanto e acabam da mesma forma.

— E nunca teve problemas com isso? Gravidez, alguma mulher te acusando de algo pesado em mídias?

— Ela estaria encrencada se fosse a público me acusar injustamente Pode ter certeza que eu a faria com que ela dissesse que estava mentindo em um segundo, ou teria que tomar atitudes mais graves.

— Chegaria a matar alguém por isso?

— Não por declarações falsas, mas se alguém ameaçasse a mim ou a minha família, sim. Inclusive eu garanto a você que até seu pai seria capaz disso.— Ele olhou para mim e viu raiva no meu olhar— Não, esse não foi o caso do seu pai, porque eu não o matei, mas infelizmente vejo que essa ideia ainda não saiu por completo da sua cabeça.

— Mas eu não falei nada...

— Seus olhos te traem, eles dizem muito do que você pensa. Mas pode ficar tranquila, eu não me chateio com esse pensamento. Entendo que deve ter sido um trauma perder seu pai tão cedo. Não sei o que te fez pensar que eu faria algo assim, mas não me chateio por isso.

— Me perdoa mas, como o senhor mesmo disse, é estranho estar perto de alguém que por anos eu acreditei ser o assassino, e hoje perceber que não foi você e que então o assassino do meu pai continua impune e livre.

— Eu sei, você cismou comigo desde pequena. Mas garanto que vai perder essa má impressão rapidinho.— Ele se aproximou, passou o braço em volta do meu ombro e começou a passar a mão no meu cabelo. Me afastei— Ei! O que foi? Desculpa, eu só estava tentando te passar confiança, te mostrar que posso ser como um pai para você.

— Você não é meu pai!— Me afastei mais.

— Não foi isso que eu quis dizer Maria, se acalma por favor! Me desculpa, eu não quis te deixar triste, mas é que eu sempre tentava passar um carinho de pai pra Miranda. Ela sofre muito com a ausência do Sérgio.

— Todos sofremos. E, por falar nisso, eu queria que me respondesse uma coisa com toda a sinceridade que eu sei que você tem.

— Claro, até duas!

— Por que fez o Miguel terminar com a Miranda, mas me aceitou tão bem?

— Digamos que eu simpatizei com você.

— Ou quer se aproximar de mim pra descobrir se eu ainda acho que você matou o meu pai?

— Mas é claro que não, eu nunca gostei muito da Miranda como nora.

— E por que aceita ela com o Felipe?

— Digamos que eu não achava que ela era mulher para o Miguel...

— Então você acha que ela não vale nada, então não serve para o Miguel. Mas para o Felipe, que vale menos ainda, ela vai servir? Que tipo de pessoa é você? Pra que tratar uma mulher dessa forma tão suja?

— Você pediu sinceridade, então é o que eu estou fazendo. Acho que se juntar dois que não valem nada, eles podem se dar melhor do que a Miranda com o Miguel, que é íntegro, respeitoso.

— E acha que eu valho alguma coisa? Mesmo depois de tudo o que eu disse de você e de tudo o que eu fiz, você ainda acha que eu valho mais que alguém que viveu pra amar o seu filho?

— Depois de todos esses anos eu percebi que aquela era sua forma de defesa em meio a uma situação tão horrível que foi o assassinato do seu pai. Seu irmão sempre falou muito bem de você, de como se esforça para atingir seus objetivos, sejam eles quais forem.

— Qualquer um mesmo, principalmente os que tenho desde pequena._ Falei baixo, olhando fixamente para ele_ Agora eu tenho que ir, foi uma conversa muito agradável. Espero ter outras oportunidades de conversar assim com você.

— Eu digo o mesmo.

Fui em direção ao cavalo.

— Até mais!— Falei enquanto subia no cavalo.

— Até!

Fernando desceu da cerca e também foi até seu cavalo. Depois, cada um dos dois seguiu seu caminho.

...

— Miranda minha filha, vem cá._ Minha mãe chamou Miranda, assim que a viu passar pela sala de jantar.

— Precisa de alguma coisa mãe?

— Sim, sabe se o seu pai já chegou?

— O meu pai o quê? É algum tipo de piada?

— Piada nenhuma, só tô esperando meu marido pra comer com ele.

— Tá, já pode parar com as suas gracinhas ok? O que você precisar, me fala logo, porque já tenho que sair.

— O que tá acontecendo? — Entrei em casa junto com Manoel pela porta da cozinha.

— A mamãe tá me perguntando pelo papai. Que brincadeira sem graça é essa? — Os três olhamos assustados para minha mãe, que olhava fixamente para a janela.

— Mamãe. — Eu a chamei —Por que perguntou isso pra Miranda?

— Perguntei o quê?

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