XXIX_Amuleto
Manoel observava a plantação, distraído, quando sentiu algo tampando seus olhos.
— Meu Deus, fiquei cego! Não posso ficar cego! Será que foi isso que a Miranda sentiu quando ficou cega?— Ele se desesperou, mas logo escutou uma risada familiar vinda de perto de sua nuca.
— Você não tá cego seu bobo!— Karla tirou as mãos e se virou para ele— Sou só eu.
— Oi, o que tá fazendo aqui?
— A Maria saiu com o Miguel e a Miranda daqui a pouco vai chegar com o Felipe. Acho que você é uma companhia melhor do que eles.
— É a primeira vez que alguém me diz que eu sou uma companhia melhor do que a Miranda.
— Provavelmente porque ela atrai homens. Homens querem ser atraídos e mulheres querem estar perto de homens atraídos.
— Isso faz sentido, mas as mulheres nunca sentem vontade de me atrair.
— Isso não é verdade, talvez você só não tenha encontrado a pessoa certa.
— É bom estar perto de você, sabia?
— Você é a primeira pessoa que me diz isso. Aliás, a segunda, tem a Maria também.
— Por que só nós dois?
— Com sinceridade são só os dois. É claro que eu já ouvi de outros homens que eu era atraente porque queriam algo além, mas no geral eu sei que não sou atraente.
— Não entendo por que não atrai os homens, uma menina tão linda, tão inteligente.
— Acho que só você acha isso, a Miranda sempre me disse que eu era apagadinha.
— Ela que é acesa demais.— Riram— Agora me responde uma coisa?— Ele tirou um morango do pé e a entregou para Karla, que pegou a fruta e comeu.
— Claro!— Seu coração parou por um instante quando ela pensou na possibilidade de a pergunta ser o que nós duas estávamos conversando nos últimos dias, mas vindo do Manoel, não seria algo tão direto.
— Você já espionou alguém?
— Nunca, por quê?
— Tá afim de fazer isso agora?
— Vamos espionar o namoro estranho da Miranda com o Felipe? Se for isso eu vou ter que recusar, porque vim pra cá exatamente pensando em fugir daqueles dois.
— Achei que tinha vindo porque gosta da minha amizade e companhia.
— Isso também, é claro.
_ Mas não, eu tava pensando em espionar a Maria e o Miguel.
— Eu acho uma ideia melhor.— Riu— Mesmo sabendo que a Maria vai me matar se nos descobrir.
— Ela vai NOS matar, mas acho que vai valer a pena.
— Então vamos! Eles devem estar na casa da árvore.
Os dois subiram em seus cavalos e cavalgaram até o estábulo. De lá, eles subiram até a sede e pegaram um atalho por uma grande pedra até o bosque onde estava a casa na árvore.
...
— Chegamos.— Miguel segurava a minha mão quando falou.
— Por que estamos aqui?— Estávamos na cachoeira, mais especificamente na segunda piscina, justo no lugar onde o corpo do meu pai havia caído. Eu tinha a impressão de que aquelas águas ainda tinham uma cor mais escura do sangue dele.
— Eu te disse que hoje você vai perder um dos seus medos.
— E qual seria?
— O medo de entrar nessa água.
— O que quer dizer com isso?
— Eu sei que o seu pai foi assassinado por um homem que ainda não foi encontrado. Meu pai me contou.
— Ele te contou isso?
— Sim, e me contou também que você ficou anos sem vir aqui por isso, porque não queria se lembrar da morte dele. E eu não quero que você vá outra vez.
— Eu não vou embora, meu amor. E que diferença faz para você se eu vou ou não entrar nessa água pelo resto da minha vida?
— Eu quero te ajudar, quero que você não tenha medo de nada. E quero que supere a morte do seu pai.
— Tem coisas que não tem como superar.
— Sempre tem.
— Você diz isso porque o seu pai não foi assassinado.
— Eu digo isso porque minha mãe morreu porque eu nasci, e mesmo assim eu superei. Mas superei porque alguém me fez entrar no quarto onde ela havia morrido, o quarto onde nem o meu pai ousava entrar desde a morte dela.
— E pra que você quer entrar naquele lugar, pra pensar que ela morreu lá?
— Pra sentir a presença dela lá. Eu sei que você sente falta do seu pai, e sei que vai se sentir melhor estando perto dele. E talvez consiga libertar as suas almas assim, porque você também tá morta por dentro.
— Não sei se consigo...
— Você vai conseguir. Nós vamos conseguir. Juntos.— Ele estendeu a mão— Eu vou te ajudar.
Eu não conseguia entender aquele momento. O pai dele tinha deixado aquela cicatriz em mim, o pai dele tinha matado o meu pai. Mas ele... Ele era diferente. Era como se não fosse um Fernandes, como se não fosse filho daquele infeliz. Ele não tinha culpa, ele me amava... E, naquele momento, eu percebi que merecia amá-lo.
— Você vai conseguir— Ele repetiu, ainda com a mão estendida.
— Eu vou CONSEGUIR.— Falei enquanto dava a mão para ele.
Foi estranho sentir aquela água gelada tocando meu pé, aquela água onde eu ainda sentia o sangue do meu pai, mesmo depois de todos aqueles anos. Tanta água já havia passado por aquele lugar, mas não conseguira limpar todo o mal causado por Fernando Fernandes.
Meu corpo foi afundando lentamente, a blusa permanecia grudada a mim pelo espartilho e pela mão de Miguel, que me puxava pela cintura. Foi então que comecei a sentir uma sensação estranha. Foi quando meu corpo percebeu que eu estava naquele lugar, estremeceu e comecei a chorar sem perceber. Um choro assustado, desesperado, um choro de medo.
— Você tá bem?— Miguel perguntou assustado ao olhar para mim e me ver pálida como papel.
Era como se estivesse pisando em um lugar amaldiçoado. Eu ESTAVA pisando em um lugar amaldiçoado, que havia amaldiçoado a minha vida quase 20 anos atrás.
Mas quer saber? Já era hora de essa maldição acabar, e eu sabia que Miguel estaria ao meu lado. Ele ESTAVA ao meu lado, ele era o amuleto capaz de me proteger daquela maldição. E eu finalmente deveria assumir isso e me libertar daquela terrível vingança, que só semeava o mal por onde passava.
— Eu estou ótima.— Sorri_ EU ESTOU ÓTIMA!— Gritei e logo mergulhei naquelas águas.
Ao emergir outra vez vi os olhos de Miguel, seu sorriso, e senti suas mãos tocando minha cintura. Como em um impulso o beijei, um beijo forte e apaixonado, e logo comecei a tocar cada parte de seu corpo, sentindo cada músculo, cada parte de sua pele macia. E ele retribuía as carícias, desamarrando com calma o espartilho e permitindo que minhas roupas flutuassem enquanto a correnteza calma tentava levá-la do meu corpo.
Conforme a água nos tocava ele passou também a me tocar com mais intensidade, puxando minhas pernas para que pudesse senti-las contra seu corpo, passando pela coxa e parando no botão da calça. Foi então que paramos de nos beijar e nossos olhares voltaram a se cruzar.
— Você... Você quer? Digo, nós podemos?— Miguel parecia terrivelmente nervoso.
— Primeiro fica calmo, segundo sim, nós podemos.— Me aproximei novamente e voltamos a nos beijar, nossas mãos percorrendo cada parte do corpo do outro, desabotoando calças e camisas e nos livrando de tudo o que nos afastava, mesmo que fosse por milímetros.
Sim, aquele era o nosso momento, o momento de nos conectarmos por inteiro. E já não importava se aquele lugar havia me amaldiçoado por anos ou se alguém nos veria ali, o que importava era viver com intensidade aquele momento onde nos sentíamos e éramos como um só. Era a primeira vez que eu realmente conseguia entregar meus sentimentos por inteiro a outra pessoa e, feliz ou infelizmente, aquela pessoa era o filho do homem que, um dia, tirou da pequena Maria todos os bons sentimentos.
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