XV_ Pele com cheiro de uva
Durante todo o dia fiquei pensando se deveria ou não encontrar Miguel na casa da árvore, mas acabei me deixando vencer pela minha estúpida personalidade vingativa e fui encontrá-lo. E ele também estava lá, sentado em um pano estendido no chão. Sobre o pano havia uma grande jarra de suco de laranja com morango, um mousse de chocolate, uma cesta de pães que pareciam ter acabado de sair do forno, queijo, geleias e morangos lindos.
— Isso é o quê? Um banquete?
— Sim, um banquete para minha rainha._ Me abraçou e me deu um beijo, beijo que retribuí com um certo peso na consciência. Depois ele colocou uma coroa de flores em minha cabeça.
— Preparou tudo!— Sorri— E se eu não tivesse vindo?
— Tinha certeza de que viria. Mas se não tivesse aceitado meu convite, te garanto que ficaria muito triste.
— Pensei muito se deveria ou não vir, mas...
— Seu coração te traiu e acabou falando mais alto.
— Digamos que sim. — Eu não podia dizer que meu coração não tinha nenhuma responsabilidade naquela atitude, nem que ele sequer sentia algo por Miguel.
— E ele não está errado. Não vamos nos deixar dominar pelos caprichos e pelas ameaças da Miranda, vamos lutar juntos contra isso.
— Quando vai entender que isso não é somente pela Miranda?
— É claro que é! Miranda tem que entender que o mundo não gira em torno dela e que a vida real não é o mundinho cor-de-rosa que ela criou e no qual se prende como uma menina mimada.
— Sabe que a Miranda tem problemas e já passou por traumas na vida, poxa! O nosso pai foi assassinado quando ela tinha 5 anos!
— E você tinha sete, mas nem por isso se tornou uma mulher egoísta e calculista.
— Você nem me conhece pra dizer uma coisa dessas.
— Por quê? Você é? Seria capaz de fazer mal a você ou a alguém ou ao menos pensar nisso só para se sentir bem com você mesma?
— Sinto te informar que já fiz isso.— A expressão de Miguel se transformou em uma de espanto, mas logo um sorriso apareceu.
— Para de brincar comigo! Fala dessa forma porque quer proteger a Miranda, mas eu sei que não é capaz de pensar em coisas ruins ou planejá-las como a sua irmã. Eu te conheço e vejo no fundo dos seus olhos que a sua alma é boa e que posso confiar em você com os olhos fechados.
— Não feche os olhos e nem se cegue. As pessoas têm um lado obscuro que se mostra em apenas alguns momentos da vida.
— Eu espero que o seu já tenha passado e que possamos ser felizes lado a lado.—Sorriu, e eu acabei sorrindo em resposta.
Naquele momento eu percebi, pela primeira vez, que precisava mudar minha estratégia de aproximação com Fernando o mais rápido possível. Aquela família tinha me tirado o que eu tinha de mais valioso, mas Miguel tinha um coração nobre, enxergava o melhor das pessoas, e não merecia ser usado por alguém com intenções tão ruins como as minhas. E Miranda... Nunca nos demos bem, mas a verdade era que o sangue realmente falava alto, e saber que minha irmã estava sofrendo por minhas atitudes era angustiante.
Por hora não havia o que ser feito e eu deveria continuar com o falso romance, mas a partir daquele instante eu percebi que não somente o tempo da prescrição do crime importava, mas também deveria correr contra o relógio da bomba que poderia explodir a qualquer instante no coração puro de Miguel.
...
Na plantação, a mesma jovem com quem Felipe estava dias antes, trabalhava na colheita. Foi então que ela se virou e os lindos olhos amarelados puderam contemplar o homem que olhava unicamente para ela de cima de um cavalo marrom: Felipe. Ela correu até ele, os cabelos lisos balançando e brilhando com a luz do sol.
— Oi minha linda!— Ele desceu do cavalo e a abraçou— Quis te ver antes do sol se pôr.
— Felipe, eu... Eu preciso falar com você.— Os olhos já estavam apreensivos.
— Pode falar.
— Não pode ser aqui.
— Então vamos para a cabana vazia. Sobe aqui no cavalo.
Ela subiu e ele subiu logo em seguida e os dois cavalgaram até a cabana vazia. Chegando lá, ele logo fechou a porta.
— Essa história de ter que falar comigo foi só uma desculpa, não foi?— Ele sorriu e a beijou.
— Não, é sério.
— Você não parece bem. O que foi?
— É que...
— Senhor Felipe! Senhor Felipe!— O capataz da fazenda começou a gritá -lo sem parar.
— Já vou!— Ele gritou— Vou ter que ir, mas à noite te encontro aqui e a gente termina essa conversa.
— Felipe espera... Eu... eu só queria te dizer que te amo muito e que, aconteça o que acontecer, você é, foi e sempre vai ser muito especial pra mim.
— Eu também te amo.— Ele foi até ela e a beijou, e depois disso saiu.
...
Depois de algum tempo comendo e conversando, Miguel e eu percebemos que já estava anoitecendo. Começamos a arrumar as coisas e, em alguns minutos, já estávamos indo até a estrada pegar o ônibus das 6 da tarde. Achamos que seria melhor assim pois, dessa forma, ninguém nos veria.
...
Felipe chegou à cabana vazia. O cheiro de uva da pele daquela bela mulher que tanto disparava seu coração ainda invadia todo o espaço.
— Minha linda, como prometido eu cheguei! Onde você tá?
Foi então que ele viu uma carta escrita à mão que estava em cima da mesa de madeira antiga no centro da cabana. Abriu -a e começou a lê -la:
Felipe; quis te contar mais cedo, mas não pude. Recebi hoje pela manhã uma ligação na qual minha mãe me contava sobre o estado delicado de saúde em que meu pai está. Não posso continuar trabalhando sendo que não sei nem se ainda está vivo. A coragem e as palavras me faltaram enquanto estava com você, mas só quero que saiba que te amo, mesmo que para você eu tenha sido apenas uma aventura. Sei que não sou mulher pra você. Vi o dia em que estava beijando a Miranda no seu carro e percebi que homens com seu status social ficam com mulheres do mesmo status, e não quero me meter nisso ou prejudicar a sua vida. Não vou mais te incomodar ou te procurar. Sabia que o que aconteceu entre nós dois acabaria no momento em que eu fosse pra casa. Só não sabia que esse momento seria adiantado. Não se esqueça de mim, porque eu não me esquecerei de você. Eu te amo.
Felipe correu da cabana até seu carro, com o qual saiu em disparada em direção à cidade.
...
Já era começo de noite quando Miguel e eu chegamos de ônibus à rodoviária e fomos os últimos a descer.
...
Felipe parou o carro de qualquer maneira e entrou correndo na rodoviária, correndo até um guichê.
— Preciso saber a que horas vai sair um ônibus para Minas.
— Para qual lugar?
— Eu não sei, só sei que é no interior e em Minas. Qual o mais próximo?
— Saiu um mais ou menos 2 horas atrás
— E pode me dar a lista de passageiros que está nesse ônibus?
— Perdão, mas não posso. É confidencial.
— Eu realmente preciso.— Ele abriu a carteira e tirou cerca de 200 reais de dentro dela.
— Desculpe, mas tudo aqui é monitorado por câmeras. Eu adoraria aceitar, não só pela quantia mas também porque vejo que o senhor está desesperado, mas infelizmente não posso.
— A mulher que eu amo está nesse ônibus!
— Sinto muito, mas não posso mesmo.
— Então vai se foder!— Ele deu um soco no guichê e saiu.
...
Miguel e eu estávamos quase na porta da rodoviária quando nos beijamos. "Ninguém vai estar aqui e ninguém poderá nos ver.", pensamos, mas nos enganamos. Felipe estava lá, saindo revoltado dos guichês e nos viu.
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