XLII - Consequências (Penúltimo capítulo)


— Me explica direito que eu não tô entendendo.— Karla tremia assustada— A Miranda é capaz de muita coisa, mas não de matar a Maria.

— A dona Maria pediu que eu ficasse aqui garantindo a gravação de uma conversa dela com o senhor Fernando, ele acabou de confessar que matou o senhor Sérgio.

— E tá ameaçando a Miranda pra ela matar a Maria?

— Não dona Karla, ela tá fazendo isso porque quer pelo visto.

— A Miranda é filha do Fernando.— Cecilia falou.

— De onde você tirou isso?

— Conversei com ela outro dia. Ela sabe o monstro que o Fernando pode ser, mas não sei se sob pressão o sangue falaria mais alto, alguém precisa impedir essa loucura.

— Como sabe tanto da nossa vida?

— Eu sou mais ligada a ela do que você imagina.

— O Felipe tá com eles, então acho que deveriam correr logo.—Rodolfo entregou seu revólver para Cecilia—Eu vou continuar gravando tudo pra dona Maria.

— E onde eles estão?— Ela perguntou, enquanto guardava o revólver.

— Eu sei muito bem onde.— Karla correu e Cecilia a acompanhou.

As duas correram o máximo que conseguiram, tentando impedir o que era praticamente certo, pois a cada segundo que se passava a pressão sobre minha irmã era maior.

...

— E o que está esperando Miranda?— Fernando perguntou impaciente.

— Sim Miranda, o que tá esperando pra realizar o que provavelmente é o seu maior sonho?— Perguntei.

— Você nem sabe dos meus sonhos.

— Eu sei de muita coisa sobre você. Sabe por quê?

— Não me venha com sentimentalismo barato falando que é porque é minha irmã porque não vai funcionar.

— Lógico que não é por isso. Eu sei muito sobre você porque nós duas somos iguais.

— Eu igual a você? Me poupe.

— Nós duas perdemos os melhores anos das nossas vidas correndo atrás de algo que não vamos poder usufruir. Você destruiu a sua vida e a sua reputação atrás de um homem pra hoje descobrir que ele é seu irmão, enquanto eu sonhava com um dia que não vou viver pra ver, que e o dia em que esse verme que você chama de pai vai pagar pelo que fez com o homem que nos criou com tanto amor. Quando você apertar esse gatilho, e eu sei que vai, vai estar assinando uma sentença que vai te condenar a longos anos de prisão. Quando sair a sua beleza e juventude não vão existir mais e já vai ser tarde pra encontrar o seu velho amor. A única recordação que você vai ter vai ser a de tudo o que você perdeu tentando ter alguém que não podia ser seu.

— E o que isso te importa?

— Porque comigo vai acontecer o mesmo. Eu passei os últimos 20 anos correndo atrás de uma verdade que não era pra mim, e assinei a minha sentença de morte vindo sozinha até aqui. Quando eu olho pra trás vejo só um rastro de vingança, e quando olho pra frente não vejo nada além de uma cova. Nós somos tão diferentes e ao mesmo tempo tão iguais Miranda, e era isso que nos fazia tão distantes. Uma pena que só descobrimos isso agora que não existe a possibilidade de um futuro juntas e tentando solucionar as nossas diferenças.

— Sua chantagem emocional não funciona com a minha filha, porque ela é uma Fernandes. Ela é filha de um homem, não de uma porcaria como o Sérgio.

— Tão homem que precisou matar o meu pai porque sabia que, com a minha mãe no comando, seria mais fácil roubar, ano após ano, as terras que ele conquistou com tantos anos de luta.

— Já chega com essa palhaçada.— Ele se irritou— Miranda minha filha, só estamos te esperando.

Ela olhou para mim e para Fernando, depois para a arma e balançou a cabeça em sinal de negação. Então abaixou o revólver e falou enquanto olhava para o pai:

— Eu não sou uma assassina. E do mesmo jeito que o meu sangue me faz ficar do seu lado, ele também me impede de matar a minha irmã. Me perdoa por te decepcionar, mas essa não sou eu.— Respirei um pouco aliviada, mas ainda sabendo que não estava completamente a salvo.

— Garota fraca, aquele traste te ensinou muito bem.— Ele apontou para Felipe— Me prova que eu fiz certo em te escolher como meu sucessor e seja o homem que te ensinei a ser.

Também sem pensar duas vezes, Felipe apontou o revólver em minha direção. Mas, ao contrário da minha irmã, eu sabia que devia ter medo do que ele faria quando mandado pelo pai. Felizmente um grito alto interrompeu aquele silêncio perturbador.

— Felipe pelo amor de Deus não faz isso!— Cecilia gritou assim que ela e Karla chegaram à estrada.

— O que você tá fazendo aqui?— Ele perguntou assustado, ainda sem tirar os olhos de mim.

—Outra vez estragando os planos do Fernando.

— Mas dessa vez saiba que não vai ficar impune, porque tudo o que você falou tá gravado em segurança e vai compor o seu processo.— Karla complementou.

— Eu vou ter que resolver isso sozinho e ainda com três?— Ele pegou seu revólver e apontou para Cecilia, mas ela foi tão rápida quanto e fez o mesmo.

— Papai o seu problema é com a Maria, então vamos resolver o problema com a Maria.— Felipe falou nervoso.

— O problema dele não é só com a Maria, é com absolutamente todo mundo, porque ele prejudica todo mundo e só pensa no próprio bem. Felipe me escuta e não faz essa besteira.

— Ela virou amiguinha da Maria e quer te prejudicar meu filho, não acredite nela. Eu sou seu pai, acredita em mim.

— E eu sou a mãe do seu filho Felipe. Eu sou a mulher que quer passar o resto da vida com você, mas não se você for um assassino.

— Felipe me escuta.— Era minha última oportunidade e eu precisava tentar, caso contrário meu corpo cairia daquele paredão assim como o do meu pai havia caído um dia— Se você fizer isso vai perder o crescimento do seu filho e também a chance de viver com uma mulher que eu percebo que te ama.

— Não acredita nela meu filho.

— O seu pai quis que a Miranda me matasse e agora quer que você o faça, porque ele não quer sujar as mãos outra vez como fez com o meu pai. Ele sabe que tá encurralado pelo que eu e Miguel descobrimos e sabe que, se me matar agora, a vida dele acaba. O Fernando nunca se preocupou nem com os próprios filhos e a prova tá aparecendo agora, é só você enxergar.

— Meu pai só quer que eu o orgulhe.

— Nós dois sabemos que isso não é verdade e que nós dois só estamos sendo usados pra ele não pegar uma pena alta por dois homicídios.— Miranda continuou— Larga isso e vamos viver em paz.

Felipe fez a menção de soltar o revólver, mas foi impedido pelo pai.

— Eu tô com a minha arma apontada pra cabeça da Cecilia e não tenho medo de apertar o gatilho se você continuar me irritando.

— Você não seria capaz papai.— Uma lágrima escorreu pelo olho de Felipe.

— Eu seria sim e você sabe. E a Cecilia sabe também porque eu já deixei uma marca nela, a marca da minha faca. Alguém vai morrer hoje meu filho, resta saber se vai ser a mulher que você ama ou a que te desprezou por toda a vida e só pensou em fazer mal pra sua família.

— Eu não posso.

— Felipe eu vou atirar.— Fernando começou a cantarolar.

— Papai por favor não faz isso.

— Seu filho vai ficar sem mãe.

— Papai!— Os olhos de Felipe já estavam encharcados, mas ele com certeza me via por trás das lágrimas.

— Você quer encontrar com a sua mãe Cecilia?

— Já chega!

Eu quase não ouvi o fim da última palavra antes de sentir meu corpo queimar por dentro, e o ato de respirar se tornar algo incrivelmente doloroso e impossível. Era isso que meu pai havia sentido no tempo entre o tiro e a minha chegada até ele, e agora eu entendia o porquê de ele não ter esperado que eu chegasse antes de seu próprio corpo o jogar para a morte.

Sabe a sensação de se estar caindo cada vez mais fundo em um abismo interminável? Essa é a sensação de estar morrendo, ou talvez a MINHA sensação de estar morrendo. Uma corrente interminável de adrenalina percorrendo todo o corpo se misturava com o ar que insistia em não entrar pelos pulmões, a sensação angustiante de que aquilo duraria para sempre... Tudo isso na fração mínima de segundos entre sentir a perfuração e o corpo ignorar todas as súplicas da mente e se atirar em um abismo real para que tudo aquilo acabasse. Mas mais estranho que isso é a sensação de que, em meio à queda, o seu corpo segue preso ao alto por algo... Ou alguém.

— Maria fica comigo!— Karla gritava enquanto insistia em me segurar, assim como um dia eu tinha feito com o meu pai—  Maria eu não vou aguentar por muito tempo, reage!

E quando o meu corpo parecia vencer a briga contra Karla, insistindo em  descer quando ela queria que eu subisse, algo mais forte fez com que eu sentisse a terra firme sob mim antes de desmaiar, algo que pareceu ajudar Karla a me puxar para cima.

...

— O que você fez garota estúpida?— Fernando parecia possuído pelo ódio enquanto olhava para Miranda, me trazendo de volta à estrada junto com Karla.

— Ninguém vai morrer hoje.— Ela falou, olhando unicamente para mim e tentando encontrar a fonte do sangramento.

— A gente precisa descer com ela agora e levar pro hospital, tá pronta?— Karla falou para Miranda enquanto apoiava minha cabeça.

— Ninguém vai descer!— Fernando gritou.

— Aí você se engana.— Cecilia segurou firme o gatilho— Elas vão descer agora com a Maria ou você vai descer com um caixão, e não adianta me ameaçar porque eu não sou burra e sei que ninguém vai me condenar por impedir um homicídio.

— Você sabe que a sua vida vai ser um inferno enquanto eu souber onde está, não sabe?— Ele perguntou, desafiante, para ela.

— Não mais do que a sua na cadeia, que é onde vai passar o resto da sua vida.

Enquanto eles discutiam, Miranda e Karla conseguiram me segurar e começaram a descer, o mais rápido que podiam, o morro que as levaria para perto da casa grande. E Cecilia ficou ali: a arma apontada para o próprio pai para defender uma pessoa que nem sequer conhecia.

— Agora resta saber qual dos dois vai morrer.— Fernando a encarou.

— A Miranda já disse que ninguém!— Felipe gritou, fazendo com que os dois percebessem que havia alguém mais além deles e suas rivalidades ali.

Ele apontava o revólver para sua cabeça e chorava incontrolavelmente.

— Felipe pelo amor de Deus solta isso.— Cecilia pediu.

— Eu não vou soltar. Eu não vou pra cadeia!

— Meu filho é claro que você não vai, você é meu filho e eu vou garantir a sua segurança.

—  Eu matei a Maria.

— Você não matou, o seu pai te obrigou a atirar e ela tá viva. Tem uma pessoa gravando tudo o que tá acontecendo aqui por um microfone que tava escondido na blusa da Maria. Você é inocente e não vai nem precisar provar isso.

— Eu não acredito em você! E não quero estar em um mundo que não vai ter você.

— Não acredita na mulher que mais te ama no mundo? O Fernando só te usou, você não vai pra cadeia, a gente vai ficar junto e com o Bernardo. Nós vamos ficar juntos, tá me ouvindo?

— Eu tô com medo.—Ele chorou.

— Eu sei, mas eu tô aqui.

— Ele vai te matar Ceci. E eu não vou viver sem você.

— Tenho certeza de que o Fernando não vai querer mais uma morte na conta dele, muito menos se isso for te fazer tanto mal.

— Soltem as armas, os dois.— Ele pediu, mas os dois não se mexeram— Eu não tô brincando!

Cecilia foi a primeira a tirar o cartucho e jogar o revólver no chão. Logo depois Fernando fez o mesmo, mas mesmo assim Felipe não soltou a arma.

— Felipe agora é a sua vez.— Cecilia se aproximou rapidamente de Felipe, que estava quase na beirada do penhasco.

Com o susto pela aproximação de Cecilia ele se afastou, dando alguns passos para trás. Isso fez com que desequilibrasse e, antes que alguém pudesse segurá-lo, cair em direção à água.

...

— Miguel!— Karla gritou ao ver Miguel, já na porta da casa.

— O que tá acontecendo?— Ele se desesperou ao ver a quantidade de sangue sob nós e correu ao nosso encontro.

— O seu pai obrigou o Felipe a dar um tiro na Maria.

— Onde ele tá? Eu vou matar esse infeliz!

— Não vai precisar, a gente saiu de lá com ele praticamente dando um tiro na cabeça.— Miranda falou ofegante— Eu não tô aguentando mais, pega ela.

— Claro, coloquem a Maria no chão.— Ele se aproximou.

Assim que me colocaram no chão, Miranda também caiu desmaiada. Foi então que Karla e Miguel perceberam que o sangue que havia no chão não era só meu, mas também da minha irmã, e manchava completamente suas calças.



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