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CAPÍTULO 02
Apenas Nós | Livro Um
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É a minha segunda semana na universidade, e eu havia decorado bem a localização das salas onde são as minhas aulas. Até então foi tudo tranquilo, tenho me adaptado com a dinâmica dos professores, e já posso rotular quais eu gosto, e aqueles que com certeza deixam a matéria incrivelmente entediante. Além do mais, eu e Marcos estamos nos dando bem, temos duas aulas juntos e sempre que conseguimos nos encontramos para almoçar.
As aulas de hoje estão sendo animadoras, mais cedo Rute nos explicou sobre o estudo da alma, no final da aula pediu um artigo para a próxima semana, e eu já estou enlouquecendo antes mesmo de começar a fazê-lo. Por sorte, ela havia nos liberado mais cedo, e agradeci mentalmente por esses minutos a mais.
Marcos e eu estávamos sentados em volta da pequena mesa quadrada conversando, enquanto esperávamos que alguém nos atendesse. Não demorou para que uma moça simpática viesse até nós entregando o cardápio, mas sou indecisa demais e a fome que sinto não me permite folhear tudo com atenção para no final ainda não saber o que pedir — Vou confiar no seu bom gosto — menciono, arrancando um sorriso amarelo do meu colega, que logo fez nosso pedido.
— Temos mesmo que aguentar o Sr. Henriques por 45 minutos? — ele não era o meu professor preferido e sua dinâmica não era exatamente convidativa, e por ser a última aula do dia torna-se ainda mais insuportável.
Marcos sorriu, dando de ombros ao comentar — Você com certeza, eu vou precisar sair.
— Você vai me deixar sozinha nessa? — formando um “O” na boca, quis saber.
— Acredite pequena, eu preferia uma hora de aula com o Sr. Henriques à meia hora com o meu pai — seu semblante está sério enquanto fala, me fazendo engolir o sorriso. Marcos era um cara reservado, mas havia me contado mesmo que superficialmente, algumas desavenças com o pai, resultando uma mágoa significativa nele.
— É tão ruim assim? — perguntei, chegando mais perto ao apoiar meus cotovelos na mesa.
Marcos deu de ombros, desviando o olhar por alguns segundos — Já estou vacinado — sua resposta veio seguida por um sorriso, e seu olhar, de fato, entregava o que suas palavras afirmam — Finalmente, o nosso almoço — empolgado disse, notei a moça vir em nossa direção com nosso pedido e agradeci aos céus por isso.
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Por sorte, os quarenta e cinco minutos de aula passaram voando, arrancando de mim um suspiro de alívio. Anne ainda estava em aula, e me mandou mensagem avisando que iria demorar, em seguida outra surgiu com as seguintes palavras ''Party Today'', eu sabia que não ia demorar para a loira começar com suas festinhas, e também sei que ela vai usar toda a sua arte de persuasão para me arrastar com ela, e já me preparava para todo o seu show.
Tomei um banho relaxante, deixando que a água gelada percorresse meu corpo por um bom tempo, coloquei uma roupa confortável e após fazer um lanche estiquei as pernas na cama, trazendo comigo as belas palavras de Jane Austen em ''Persuasão''.
Mas sou desvencilhada dos meus pensamentos, ao ouvir a porta sendo aberta e o furacão da minha melhor amiga gritar — Giulia.
Talvez eu devesse fingir que estava dormindo, mas se bem a conheço nem isso impediria a loira de me atormentar, ergui os olhos em direção a porta do meu quarto no exato momento em que ela entra — Conheço esse olhar — observo, e Anne sorri — Você está aprontando alguma.
A loira estala a língua, e se aproxima — Nós vamos em uma festa — ela indaga, com empolgação — Precisamos nos divertir — sua testa franziu quando afirmou balançando a cabeça tão pensativa.
Solto uma risada nasalada, debruçando novamente meu corpo na cama — Sinto muito Anne, mas estou bem aqui — aviso, voltando minha atenção para o livro em mãos.
Com um resmungo, se aproxima novamente — Isso não foi um pedido, Giulia — ela segura meus pulsos e praticamente me arrasta da cama — Nós temos que aproveitar enquanto a universidade não nos engole — solto um longo suspiro de frustração notando não ter saída, e mais outro quando uma parte minha concorda com Anne.
— Você é péssima — emburrada comento, embora um sorriso ameaçasse escapar — Tudo bem — cedi, em total derrota, vendo Anne dar pulinhos de alegria.
Horas depois começamos a nos arrumar. Em meu dilema sobre qual roupa vestir, encaro o guarda-roupa e vasculho as peças que trouxe. Anne tentou me colocar em um de seus vestidos, mas o estilo da loira não é bem o meu. Por fim, escolhi um vestido de alças finas e básico em um tom rosa chá, que chega até um pouco antes dos joelhos e uma sandália preta de salto baixo. A loira me fez uma leve maquiagem, e o resultado que vejo no reflexo do espelho me faz sorrir em aprovação.
— Agora sim, duas garotas fazendo jus aos seus 19 anos — Anne falou, analisando o resultado de nós duas em frente ao espelho. A loira estava com um vestido branco justo que marcava suas curvas, os cabelos soltos caindo em seus ombros, uma maquiagem leve que destacava o verde dos seus olhos, e sua marca registrada chamando atenção em um batom vermelho sangue nos lábios destacando ainda mais sua pele clara — Vamos — chamou, já abrindo a porta para sairmos.
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No caminho Anne comentou que a ideia de sair havia surgido em uma conversa com seus novos amigos, e que estariam nos esperando no local. Pensei em Marcos e em chamá-lo, mas lembrei que ainda não tenho o seu número e faço um mapa mental para pedi-lo depois. Minutos depois o Uber para em frente a uma casa de festas, e rapidamente me assusto ao acompanhar com os olhos o tamanho da fila para entrar no lugar, Anne percebe o meu espanto e se apressa em falar que um de seus amigos a entregou duas pulseiras vip — Claro — murmurei, não surpreendida com minha amiga e sua arte manhas.
O cheiro forte de bebida e cigarro invade meu olfato no instante que coloco os meus pés no salão, a música alta e o jogo de luzes piscando me deixam meia tonta e o lugar lotado me surpreende por ser apenas 20 horas.
Anne segura minha mão, e enquanto digita no celular nos guia entre os eufóricos que dançavam. Não demorou para que nos encontrássemos com um grupo de cinco pessoas, e a loira me apresentasse a cada um deles — Samantha — uma morena de cabelos cacheados, é tão louca quanto Anne e em cinco minutos de conversa nos arrasta para a pista de dança, seguido de um grito empolgado da minha amiga — Vamos dançar.
Eu não era a maior fã de festa, mas não posso negar que amo balançar o corpo conforme a melodia da música, e ali no centro da pista permiti meu corpo tomar as rédeas dos meus movimentos. Anne e eu colamos nossos corpos de costas uma para a outra e remexemos os quadris, segurando os cabelos em meio a risadas — Eu falei que seria divertido — gritou, para que eu ouvisse, ganhando a minha confirmação.
Não sei quantas músicas passam, até que minha boca seca protesta e pede por algo refrescante — Preciso de uma bebida — murmurei no ouvido de Anne, e animada ela confirma que não sairia do lugar.
Caminhei entre a loucura de pessoas dançando, e foi um sufoco chegar ao bar. Escorreguei o corpo sentando-me em um banco vazio em frente ao balcão e acenei para o cara atrás dele, que não demorou a vir em minha direção — Uma água por favor — pedi, embora minha idade permitisse bebida alcoólica eu não era muito fã, e uma água gelada é tudo que meu corpo queria.
O moreno de olhos escuros logo me entregou o que eu havia pedido, e ainda sentada percorri os olhos pelo local em busca dos fios loiros de Anne e o cacheado de Samanta, que foi a primeira a entrar no meu campo de visão aos beijos com um loiro musculoso, sorri estreitando os olhos e a alguns centímetros para o lado encontrei Anne, e meu sorriso se desfez — Como esse cara se materializou aqui — soltei os pensamentos em bom som, ao olhar fixamente para Anne e Estevão conversando, e tive que engolir a vontade de ir até lá impedi-la de mais uma vez cair na dele.
Anne o conheceu no segundo ano do ensino médio, e desde então eles vivem um ciclo vicioso de tentativas e fracassos. E embora a loira esteja aberta para falar sobre diversos assuntos quando se trata dele, Anne simplesmente foge e me pede para respeitar sua decisão em sempre aceitá-lo de volta, alegando o quanto se amam. Mas isso não me impede de nutrir o sentimento repugnante que ele desperta em mim, Anne merece alguém que lhe arranque mais sorrisos que lágrimas e espero que perceba isso o quanto antes, assim como eu percebi com... ele.
Acabo pedindo uma gin-tônica ao barman, e ainda sentada degusto o drink. Não demora para que eu sinta a presença de Anne sentando-se ao meu lado, com um vinco formado em sua testa ao pedir uma bebida — Você o chamou, Anne? — pergunto, chegando perto para que ela conseguisse me ouvir.
Anne recebe a sua bebida, e vira-se em minha direção — Não — respondeu, antes de beber um pouco do líquido em seu copo — Estevão mandou mensagem pedindo para me encontrar, ele queria conversar e eu acabei soltando que estava aqui — não consegui reprimir o rolar de olhos — Ele apareceu, e bem, nós estamos... conversando.
O gosto de vodca tornou-se mais presente em meu paladar, devido ao enorme gole que tomei, e a careta que fiz foi totalmente involuntária. Contava com uma dose de álcool no meu organismo para lidar com minha amiga, e a sua falha tentativa em se manter longe do seu — até então — ex.
Não queria julgá-la, já havia presenciado o quão belo eles eram juntos, mas chegou um momento em que tudo desandou e o garoto de cabelos loiros que tanto parecia um anjo, passou a ser totalmente o contrário... era assustador a forma como seu amor tornou-se uma obsessão — O que isso significa? — pergunto, deixando a bebida de lado e tomando o resto de água na garrafa.
Anne somente deu de ombros, e bebericou mais um pouco do seu drink antes de deferir deliberadamente o que eu não queria ouvir — Acho... que vamos nos dar mais uma chance — eu abri a boca para argumentar, mas Anne me cortou antes mesmo que eu conseguisse soltar as palavras — Eu sei o que você vai falar, Giulia, por favor poupe o seu tempo — sua voz era tranquila ao falar, não havia resquício de arrogância, e eu de fato engoli as palavras — Só preciso que você entenda...
No entanto, foi a minha vez de interrompê-la — Que você o ama.
A loira esboçou um singelo sorriso, e virou o rosto em minha direção. Anne não precisava falar, era nítido em seus olhos o que tanto cultivava — Não consigo imaginar um dia em que não o amarei — ela menciona, e eu quase suspiro com paixão, mas sei que ele não a merecia.
Dei o braço a torcer, eu estaria sempre ali, afinal — Tudo bem, só quero que você seja feliz — falei, jogando os braços em seus ombros a abraçando com força.
Podia sentir a tensão se dissipando, e agradeci mentalmente por isso, olhando em volta foi que me dei conta que ainda estávamos rodeadas por pessoas eufóricas dançando e bebendo — Vamos nos divertir, hum.
Anne sorriu, e então estávamos novamente na pista de dança movendo nossos corpos em total sincronia com a música. De fato, nos divertimos, mas então os olhos de Estevão fixaram-se na loira, e aquele olhar falava muito mais que palavras, eu o odiava, e não demorou para que Anne viesse até mim e murmurou em meu ouvido — Você se importa em ficar com Samantha, eu e Estevão...
— É sério? — questionei, antes dela concluir, já havia entendido que Anne estava dando o pé.
— Me desculpa — pediu — Queremos conversar melhor, e bem, aqui não é o melhor lugar — se defendeu, mas não era sobre isso, era ele e seu ciúmes doentio falando mais alto.
— Anne..., — eu quis falar, mas ela pediu que não e me calei mais uma vez. Olhei para o relógio em meu pulso e verifiquei as horas, notando que ainda eram 21 horas e 14 minutos, e não demorei a decidir — Tudo bem, acho que vou voltar para o apartamento.
Anne assentiu e falou — Estevão veio de carro, podemos deixar você no apartamento — não precisava nem pensar em uma resposta, ela já estava pronta e não precisei usar palavras para que a loira entendesse — Vai chamar um Uber? — quis saber, ganhando a minha confirmação.
O ar fresco soprou em meu rosto assim que coloquei os pés para fora do local, Anne estava bem atrás de mim e teclava em seu celular, enquanto eu procurava pelo meu para chamar um carro, torcendo para que houvesse algum perto o bastante para que eu não esperasse por muito tempo. Um suspiro de frustração saiu de meus lábios quando a minha internet se mostrou lenta demais para a minha necessidade, estava prestes a pedir o celular de Anne quando uma buzina interrompeu minha ação, e eu visualizei Estevão dentro do carro chamando por ela.
— Me mande uma mensagem quando chegar, hum — pediu, depositando um beijo em minha bochecha, logo indo até o carro e acomodando-se no banco do passageiro.
Encarava o celular com um vinco formado em minha testa, já havia perdido a conta de quantas vezes tinha recarregado o aplicativo e ainda assim não recebia uma resposta, suspirei fortemente, e dei graças aos céus por não ser tão tarde e a rua estar bastante movimentado, inclusive com outros estabelecimentos ainda abertos.
Pensei em pedir o celular de Samantha, mas desistir só em pensar voltar lá dentro e procurar por ela entre tantas outras pessoas, por isso avancei alguns passos em busca de um sinal melhor, no entanto, do outro lado da rua, um pouco mais distante consegui visualizar uma livraria ainda com as luzes acesas e com a placa de aberta em evidência, tentei controlar o meu instinto de leitora compulsiva, mas quando me dei conta de já estava em passos largos caminhando até a livraria.
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