parte 4

   Sabe aqueles momentos em que você se sente no modo automático? Em que você não sabe bem o que está fazendo, mas continua a reger os movimentos como se sua vida dependesse disso? Era assim que Rodrigo se sentia, e nesse caso sua vida realmente dependia de que ele continuasse a dirigir e ignorasse o desespero que fazia seu estômago revirar. 

Ele tinha que continuar com as duas mãos no volante, com os dois olhos na pista à sua frente, mas esses insistiam em procurar Alice no banco da carona, onde ela estava há dois minutos. Onde ela devia estar. Rodrigo repetia para si mesmo que foi a noite mal dormida que criou essa confusão em sua cabeça. Que na verdade eles nunca tinham entrado no carro juntos, que a ansiedade em saber o que estava acontecendo estava pregando peças em sua mente cansada. 

Isso. Cansaço. Ansiedade. Nervosismo. Era uma combinação perfeita para o desastre. 

Rodrigo não se importou muito em estacionar dentro da vaga ou em furar a fila da recepção, mas as recepcionistas não se importaram com ele. O hospital estava cheio, algum acidente no centro da cidade tinha lotado a recepção de pessoas esperando para serem atendidas e parentes preocupados. Rodrigo queria se importar com o olhar aflito das mães querendo saber de seus filhos, queria ficar irritado com a má organização do lugar que fazia pessoas como elas e ele esperarem por tempo demais. Mas não conseguiu. 

Não conseguiu porque ele queria vomitar, e estava focando todas as suas forças em não fazê-lo. Rodrigo não sabia bem o que estava fazendo ali, não sabia onde estava Alice e não sabia porque ela tinha insistido em arrastá-lo para lá. E era o não saber que fazia com que a única torrada ingerida duas horas atrás quisesse voltar por onde entrou.

Quarenta e sete minutos depois ele colava o adesivo de visitante na camisa, que só tinha percebido naquele momento que estava do avesso. Ele também não se importou com isso. 

E como se estivesse de volta ao modo automático, seus pés o levaram de volta para aquele quarto que o causou tanta angústia durante a pior semana de sua vida. Rodrigo não precisou perguntar onde era, ele era atraído como um ímã, e mesmo que suas pernas quisessem vacilar entre um passo e outro, o automático não o largou. 

A maçaneta estava fria. Seus dedos pousaram ali por um tempo, sem coragem de deixar o peso deles caírem. Uma enfermeira perguntou se ele precisava de ajuda depois dos cinco minutos que Rodrigo passou imóvel. 

— Não, eu só... 

Entre tantas coisas que ele não sabia, também não sabia uma resposta. A mulher assentiu sem dizer mais nada, apenas lhe ofereceu um sorriso calmo. Sua boca, levemente curvada para cima e com os lábios avermelhados, lembrava a de Alice. 

Alice. 

Foi como um clique que o trouxe de volta daquele devaneio e fez com que ele finalmente abrisse a porta. O quarto estava coberto por uma penumbra, as cortinas abertas apenas pela metade escondiam a luz do sol do lado de fora, escondiam o dia bonito que ainda começava. Alice teria odiado isso. Ele viu que ela estava de pé ao lado da cama, olhando para as cortinas como se quisesse abri-las por completo, mas não conseguisse se mover.

Mas Alice também estava na cama, como se dormisse há dias. Semanas. Meses. 

Pareciam duas pessoas diferentes, ele não sabia para quem olhar. Em quem acreditar. Alice esbanjava vida enquanto agora o olhava, pedindo silenciosamente que ele se sentasse na poltrona ao lado da cama. Mas Alice também estava abatida, pálida, sua mão estava fria quando ele a segurou. Diferente do toque quente e acolhedor que ele vinha sentindo nas últimas semanas. 

Rodrigo não conseguia falar, a voz não saía. O peito doía, os olhos mal piscavam. Ele queria entender como podia ter duas dela, em um outro momento da vida poderia ter gostado daquilo. Era sua pessoa preferida no mundo, ao dobro. Mas ele não entendia o que estava acontecendo, ele não sabia o que aquilo significava, e Rodrigo odiava não saber. 

Eles saíram de lá juntos, de mãos dadas. Foram para casa juntos. Ele a beijou naquela noite como se tivesse sido a primeira vez. 

Ele a viu dormir todas as noites por duas semanas seguidas, agradecendo a cada deus e entidade que ele nunca acreditou por ter ela ao seu lado, com medo de sentir o mesmo medo que sentiu naquele mesmo quarto. E que voltava com tudo, dez vezes, vinte vezes mais forte. 

— Nós saímos daqui. 

Ele conseguiu murmurar. Para Alice, uma delas. A que estava de pé agora do seu lado. Ele não a viu se mexer, não sentia o peso de sua mão no seu ombro. 

— Não, amor. Você saiu. 

Rodrigo não conseguia distinguir a expressão que ela fazia, sua visão estava embaçada pelas lágrimas que agora corriam sem pestanejo. Ele negava com a cabeça, as mãos apertavam as têmporas como se a dor fosse capaz de o fazer acordar daquele pesadelo. Mas tudo doía, e ele estava mais acordado do que nunca. 

— Não, não, não. Não, Alice, nós saímos juntos daqui. Eu passei os dois últimos meses prometendo a mim mesmo que nunca mais teria que ver você deitada numa cama de hospital, nessa cama. Eu tive pesadelos quase todas as noites, amor, com você exatamente assim. Sem cor, sem vida. Não, amor, não. Por que você não responde?

Ela não estava mais ao seu lado. Mas ainda estava na cama, na mesma posição. 

Ele já não conseguia distinguir o que sentia. Se seu choro era de desespero, de tristeza, da confusão que o fez quase cair da poltrona ao se levantar cambaleando. Ela não estava mais no quarto, a Alice com quem ele viveu não estava mais ali, não estava do lado de fora, no banheiro, atrás das cortinas. É claro que ela não estaria atrás das cortinas. 

— Você estava bem aqui.

Até que não estava mais. Entre o choro que tirava seu ar aos poucos ele a viu, mas um piscar de olhos foi o bastante para que sumisse de novo. 

— A gente ia casar. Você disse sim. Por que você disse sim se não estaria mais aqui?

Ele perdeu a noção do tempo no momento que entrou naquele quarto. Rodrigo não sabia quantos minutos tinham se passado desde que sentiu o chão sob si desabar. Não sabia se tinham passados horas desde que ele se sentou no chão, deixando que as lágrimas saíssem no modo automático, enquanto ele segurava a mão dela. Esperava qualquer coisa, qualquer mero movimento que provasse que aquilo não era real. Que seus sonhos absurdos tivessem voltado a aparecer e que na verdade ele nunca saiu da cama aquela manhã. 

Rodrigo abriria os olhos, suando feito louco, o coração quase rasgando o peito. Alice estaria ao seu lado, com a mão em seu rosto e sussurrando que tinha sido apenas um sonho. Sussurrando como um mantra que ela estava com ele e que estava tudo bem. 

Alice estava com ele, mas não estava tudo bem. 

Ele não sabia quanto tempo tinha se passado quando ele deixou os enfermeiros o carregarem para fora do quarto. Ele não lutou. Não tinha forças. Até mesmo o modo automático tinha o abandonado. Como Alice fizera. 

Por que ela disse sim se não estaria mais ali?




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