Capítulo I
Cinco anos depois
Abro meus olhos já querendo fechá-los novamente. A sonolência me deixava sem ânimo algum para ir à escola, e quase sempre eu estava sonolenta.
Com muito custo, levantei-me para pentear meus cabelos. A escova deslizava sob meus longos fios escuros e ondulados. Ajeitei minha franja rebelde no final.
Coloquei meu uniforme e desci as escadas pra tomar café, torcendo a cada degrau que pisava para que aquela manhã fosse no mínimo agradável.
Muita coisa mudou depois do nascimento da Cristal. Pra começar, meus pais davam muita atenção à ela, e quando digo muita, não estou exagerando. Era como se eu automaticamente tivesse deixado de existir.
Uma vez, na saída da escola, um clima frio e nublado invadiu a cidade de Healdsburg. Eu tinha esquecido meu casaco, mas como estava esperando meus pais que viriam de carro, aquilo não foi um problema pra mim.
Estranhei o atraso deles de UMA HORA, e, preocupada, disquei o telefone da minha mãe.
Moral da história? Eles haviam me esquecido porque foram ao cinema com Cristal. Essa foi uma das milhares de vezes que fui esquecida na porta da escola, pareciam não fazer mesmo questão de esconder quem era a filha preferida.
Hoje em dia, eu volto a pé, normalmente com minha melhor amiga Sofia, o que é bem melhor pra mim.
Minha mãe, além de indiferente, tornou-se seca e agressiva comigo. Muitas das vezes, eu apanhava sem motivo e nunca mais consegui ter a liberdade de conversar com ela sobre garotos, escola e coisas em geral. Era algo que me doía todos os dias, mas que eu simplesmente tive que aprender a conviver.
As coisas nunca mais voltariam ao normal.
Quando cheguei à cozinha, dei de cara com a excelentíssima.
- Bom dia. - digo.
- Amanhã será a festa da sua irmã. Cristal já decidiu a decoração, vamos comprar tudo hoje e já pegar as encomendas. - como sempre, ela ignora o que digo. - O tema será unicórnio. Seu pai e eu decidimos dar um basta nessas coisas de astronomia, agora as decorações serão como Cristal desejar em todas as festas.
Todas as festas? Meu Deus, que coisa ridícula.
Os meus aniversários e até os dela eram sempre decorados com coisas de astronomia, todos diferentes e com um tema único a cada ano.
- Como assim "em todas as festas?" Todas as festas dela, né?
- Quer que eu desenhe? Acho que você entendeu muito bem.
- Mas e as minhas? Por que uma pivete escolheria o tema da MINHA festa?
Sem dizer nenhuma palavra, minha mãe deu um tapa em meu rosto.
- Espero que pense duas vezes antes de ofender sua irmã novamente.
Espremi meus olhos para não permitir que as lágrimas descessem. Não pela dor do tapa, já que era algo que eu estava mais do que acostumada. O que me doía era toda aquela indiferença e rejeição.
Eu não sabia o porque e nem até quando aquilo duraria.
- Posso chamar Sofia pra festa? - perguntei baixinho, temendo a forma como ela me responderia.
- O aniversário é da sua irmã, não seu. Não acha que os convidados devem ser a família e os amigos DELA? - ela deu ênfase à palavra - E você sabe que não vou com a cara dessa aí.
- Por quê? Simplesmente por ser minha amiga?
Antes mesmo de responder, meu pai aparece desejando um bom dia.
- Meninas, a festa da Cristal vai ser um arraso! - exclamou. - E filha, pode chamar sua amiga sim, será um prazer.
Eu sorri, agradecendo-o.
Meu pai não me tratava tão mal, mas poucas eram as vezes que se posicionava para me defender.
Peguei meus biscoitos junto a minha mochila e saí de casa. Não sei o que aconteceu depois do que meu pai disse, mas provavelmente minha mãe deu um sermão sobre não interferir na educação que ela me dava, que era por isso que eu estava rebelde e blá blá blá.
Na escola, as primeiras aulas passaram tão rápido que mal vi a hora do intervalo chegar. Eu gostava de lá por não ter que lidar com as agressões da minha mãe, e claro, por estar com Sofia.
- Sua mãe é uma babaca mesmo. Desculpa, mas nunca vou cansar de dizer isso. - ela comenta depois de ouvir sobre o ocorrido de manhã.
- É, pois é. Ainda bem que meu pai autorizou você ir, porque senão eu também daria um jeito. A festa já vai ser um lixo, acredita que o tema é o unicórnio? Tipo, quebraram a tradição por causa dela!
- Caraca, quem diria que sua família iria estragar a tão famosa tradição astronômica? - ela ri. -- Mas pelo menos unicórnio é fofinho, vai. A decoração vai ficar legal, apesar de eu preferir as anteriores.
Sofia, assim como eu, amava todas as coisas relacionadas ao universo. No meu aniversário de 15 anos, ela me deu o melhor presente do mundo: Um telescópio.
Sempre falávamos que éramos irmãs gêmeas estelares, pois somos praticamente uma cópia da outra, tratando-se de gostos.
- Mas e aí, já terminou The Outsiders? Porque eu já! - Sofi perguntou, referindo-se ao livro que estávamos lendo juntas.
- Ainda não, esses dias fiquei enrolada com um desenho. Mas o livro é tão bom quanto o filme, tô amando.
Voltamos à sala assim que o sinal tocou. As duas últimas aulas seriam de física, minha matéria favorita. O professor Halson explicava tão bem que descomplicava qualquer fórmula difícil.
Com certeza a escola era um lugar que me deixava feliz.
Eu e Sofi fomos pra casa conversando sobre séries, livros e os garotos bonitinhos que encontrávamos nas ruas.
Às vezes, eu me sentia bastante estranha pelo fato de ter 17 anos e nunca ter namorado, nem beijado na boca.
Sofi, com a mesma idade que eu, já tinha namorado duas vezes e beijado umas incontáveis bocas.
Não era novidade, já que ela realmente era uma morena muito linda. Seus cabelos cacheadinhos eram castanhos escuros, e seus olhos, da mesma cor. Tudo nela era um charme.
Eu não me achava feia, mas também nunca me senti preparada pra beijar alguém. Talvez eu seja aquela famosa tia dos gatos quando ficar mais velha, o que não me incomodaria em nada, já que sou apaixonada por esses bichanos.
Sofi foi pra casa dela e eu segui meu caminho, não morávamos muito longe.
Quando cheguei, meus pais me disseram que iriam atrás das coisas da festa e eu cuidaria de Cristal. Como não podia discordar, apenas assenti e fui cozinhar minha comida.
Preparei macarrão com queijo, um dos meus pratos preferidos. Cristal já tinha comido, então não precisei me esquentar com essa parte.
Enquanto almoçava, assistia "As Visões da Raven", meu seriado predileto.
- A minha festa vai ser um arraso amanhã!! - Cristal gritava em meu ouvido e pulava no sofá.
Revirei meus olhos sem dar muita atenção.
- Celeste, você vai ser a empregada da minha festa, vou até falar com a mamãe sobre isso.
Além de ter que suportar todo o descaso dos meus pais, de bônus, ainda tinha que aturar a implicância da Cristal, que por ser exageradamente mimada, transformou-se em uma criança chata, arrogante e muito metida.
Ela me lembrava todos os dias que era a filha preferida e que meus pais a amavam muito. Eu tentava não dar muita trela, mas no fundo, sabia que todas as coisas que dizia eram verdade.
Depois de insistir quinhentas vezes para eu tirar meu seriado e colocar algo que ela gostasse, encontrei alguns desenhos passando na TV. Ela dormiu poucos minutos depois.
Assim que meus pais chegaram, fui rapidamente para o meu quarto. Eu gostava tanto dele, era o quarto dos sonhos para mim.
A decoração era, obviamente, galáxias e estrelas, e o teto brilhava no escuro. Ele também tinha uma sacada onde eu fazia minhas observações noturnas do céu através do telescópio.
Era como uma terapia pra mim.
Em determinadas épocas do ano, eu conseguia observar alguns planetas. Saturno era o meu preferido, mas sempre tive uma paixão por Urano e seu verde-azulado fascinante. Uma pena ainda não conseguirmos vê-lo daqui da Terra.
Já estava de noite, e como sempre, ajustei meu telescópio para observar o céu.
Eu gostava bastante de desenhar as coisas que via, meu quarto era cheio de quadros pintados por mim mesma.
O céu, recheado de estrelas, contava também com uma Lua cheia. Peguei minha câmera fotográfica para registrar a primeira noite estrelada depois de seguidas nubladas.
Queria terminar o desenho que estava fazendo também, mas decidi dormir quando o sono chegou. Eu precisava estar bem descansada para aguentar Cristal e seus amiguinhos na festa do dia seguinte.
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