Capítulo 4

KILLIAN MONTGOMERY

Eu me sentia completamente ferrado e amaldiçoado.

Desde o momento em que retornei à minha cidade natal, tudo estava dando errado. Parecia que uma série de acontecimentos negativos estava conspirando contra mim.

E enfrentar encontros inesperados com pessoas do meu passado que mexiam com minhas emoções, era apenas o começo dos meus problemas. Percebi que não teria como escapar da pressão das editoras, graças ao advogado velho e anão que insistia em espalhar meus dados por aí. Para piorar, o último investimento que eu planejava fazer para um dos orfanatos do meu antigo bairro também foi um fracasso. Nada parecia dar certo, e agora a questão do dinheiro, que antes não era um problema, se tornou uma preocupação.

Eu precisava encontrar uma solução urgente para reverter essa maré de azar e sair dessa situação ridícula em que eu me encontrava. E aparentemente, eu não tinha muitas opções - na verdade, eu não tinha opção nenhuma: teria que publicar o livro daquela mulher.

Eu senti uma irritação crescente diante da forma como as coisas estavam se desenrolando. Simplesmente odiava me sentir pressionado a fazer algo que eu não queria, mas eu não tinha escolha.

Então, decidi comparecer a apenas duas reuniões de editoras que não paravam de me perseguir. Uma delas, chamada Editora Caminho das Letras ou algo do tipo, me recebeu pela manhã, mas a reunião foi tão decepcionante que nem me dei ao trabalho de ficar até o final. E agora, pela tarde, eu me arrependia pela segunda vez dentro da Editora Cena, ao ter sido deixado plantado por mais de vinte minutos até que alguém aparecesse para me chamar. Essa espera só aumentou minha irritação.

Finalmente, alguém apareceu e eu fui levado a uma sala onde a equipe da editora me aguardava. Sem acanhamento, começaram a me pressionar a publicar o último livro da saga daquela mulher, prometendo uma grande quantidade de dinheiro e sucesso comercial. Eles pareciam achar que eu era apenas um guarda-costas ou um executor de uma vontade. E eu me senti como se estivesse em uma roda de negociação com uma multidão de tubarões corporativos, todos querendo uma fatia da minha herança.

Até tentei argumentar que não tinha nenhum interesse em publicar o livro. Mas os editores pareciam não se importar, insistindo que eu era o único com acesso ao manuscrito e que eles precisavam do meu consentimento para publicá-lo.

— É a chance da vida dela!

— Isso é meio bizarro de se falar, porque ela literalmente não tem mais vida — retruquei, com um humor ácido.

O diretor-chefe pigarreou, visivelmente desconfortável com a minha resposta.

— É a chance do nome dela — um dos editores reformulou a frase do outro, tentando me persuadir — Todos os fãs estão loucos para saber o que acontece no último livro.

Por um lado, eu até entendia - ou tentava entender. Eu sabia que havia um certo apelo na ideia, mas não gostava da pressão que estava sendo colocada sobre mim. Não gostava do fato de ter que lidar com tudo aquilo.

— Preciso de tempo para pensar — disse, levantando-me da mesa de reunião.

Os editores tentaram me convencer mais um pouco, mas eu estava decidido a não ceder tão facilmente. Eu precisava pelo menos pensar com calma e descobrir o que realmente queria fazer com aqueles manuscritos, e se essa escolha valia a pena.

— Daremos uma pequena cerimônia para o último lançamento da editora. Por favor, considere aparecer — um deles me entrega um convite em papel — Você verá como nossa editora atua e poderá pensar melhor sobre a proposta de publicar o livro. Teremos alguns dos nossos autores mais renomados presentes e seria uma ótima oportunidade para você se familiarizar com o nosso trabalho.

Agradeci pelo convite e guardei o papel em minha pasta. Concordei em pensar sobre a proposta, mas não prometi nada. Eles me acompanharam até a porta, desejando-me boa sorte na minha decisão - eu realmente iria precisar.

Saí da reunião com um sentimento de alívio, mas também com um peso em meu peito. Teria que lidar com aquilo mais cedo ou mais tarde. Andei pelo prédio e parei no elevador.

Meu celular tocou.

— Estou ouvindo, Austin — apoio o telefone entre o queixo e ombro, enquanto aperto o botão do elevador.

Irmão, você está ferrado.

Pisco os olhos.

— É a mamãe?

Ela está preocupada com você.

— Eu estava no avião. Cheguei tarde e fui descansar — limito a parte que passei de madrugada no bar do Wesley e acabei dando de cara com algumas surpresas — Mas liguei no dia seguinte para avisar que tinha chegado.

Bom, você conhece a mamãe.

— É eu conheço.

Ela quase passou mal — Austin diz — Disse que desde que você chegou ainda não veio ver ela.

Deveria ter visitado dona Mônica assim que pousei, mas minha cabeça estava tão cheia com todas as últimas notícias da minha vida e do testamento, que nem me lembrei. Também estava enrolado resolvendo os problemas atrasados do trabalho e acabei perdendo a noção do tempo. Tenho que dar uma passada lá na casa dela o mais rápido possível.

— Ok, pode deixar. Eu vou ligar para ela e explicar, não se preocupe.

Eu não me preocupo, não. Mas você devia — o mais novo retruca, soltando uma risadinha estranha — Você está sendo leiloado.

— Como é?

Ela se juntou com tia Lory e convidou todas as mulheres solteiras para o casamento do Luke — disse, me fazendo abrir a boca atordoado — Disse para avisar a todos que você está querendo se casar e que irá escolher alguém na festa.

— Eu não acredito nisso.

A loucura da tia Lory tá contaminando a mamãe.

— O que ela está pensando? — pergunto, sentindo meu estômago revirar.

Não acredito que minha mãe está fazendo isso.

Acho que ela está tão empolgada com o casamento do Luke que quer que você se estabeleça também — Austin ri outra vez.

Eu respirei fundo, tentando manter a calma.

— A mamãe está realmente enlouquecendo — digo, pressionando o botão do elevador com mais força do que o necessário.

Bom, você está ferrado — Austin solta uma gargalhada — Só liguei pra avisar.

É para isso que servem os irmãos mais novos.

— Obrigado, Austin. Valeu pela consideração.

O que vai fazer? — perguntou, antes de desligar

— Não sei.

Só sei que não posso ir sozinho nesse casamento, de jeito nenhum.

— Vou dar um jeito — suspirei, decidido.

Boa sorte.

Agradeço e desligo o telefone.

Guardo o celular no bolso e respiro fundo, tentando controlar a frustração. Quando o elevador chega, eu entro e aperto o botão do térreo.

Preciso arranjar algo pra fazer com que minha mãe pare de tentar me encaixar em um relacionamento. Não faz muito tempo, cheguei a conversar com ela e explicar que não estava pronto para uma relação, e que preferia me concentrar em outras coisas, como trabalho e projetos pessoais. Mas pelo visto, ela esqueceu dessa conversa ou simplesmente não dá a mínima. Dessa vez, tenho que ser mais firme e estabelecer limites claros. Preciso de algo definitivo, que a faça parar de uma vez por todas. Ainda não sei o quê, mas vou arranjar.

Logo, a porta do elevador se abre antes de chegar no térreo. Olho no visor em cima dos botões; parei no quinto andar.

A presença que entra em seguida me deixa completamente abismado.

— Ok, não estou gostando disso — Raven McKenzie dispara, tão surpreendida quanto eu, assim que adentra com passos lentos no elevador — O que está acontecendo hoje?

Ela me encara de cima a baixo.

Também estou surpreso por encontrá-la pela terceira vez desde que cheguei aqui em Boston, duas vezes em um dia só, mas tento não demonstrar.

Dessa vez, acho que realmente tenho que chamar de destino.

— O que você está fazendo aqui também? — ela pergunta, arqueando as sobrancelhas pontudas — Alguém te contratou? Você é como um assassino de...

Bufo alto, dessa vez sem paciência.

Ela ainda não me reconheceu, mas continua falando bobagens.

— Que estupidez você está falando? — a interrompo, tentando controlar minha voz para não soar rude.

— Estou falando que é estranho você estar no mesmo lugar que eu duas vezes hoje. Isso não pode ser mais uma coincidência — diz, me olhando com desconfiança — Ou você é realmente um psicopata...

— Qual o seu problema com serial killers e psicopatas?

— Bom... eu gosto de maratonar histórias e casos — Raven pisca os olhos, abrindo um sorrisinho enquanto explica — Eles estão em todos os lugares e podem ser qualquer um.

Fico impressionado com a confissão dela. É estranho que ela fale com tanta naturalidade sobre algo tão sombrio.

— Então, você acha que sou um psicopata ou um assassino em série? — pergunto, com uma sobrancelha arqueada. Não espero por sua resposta — Eu não sou. Na verdade... se um de nós tem que ser o psicopata, com certeza seria você.

Eu?

— Você — a observo — Todo lugar que eu estou, você aparece. Todo lugar que eu olho, você surge. Deixe-me lembrá-la... você que invadiu o meu carro, mais cedo. E agora, acabou de entrar no elevador que eu estou.

Ela parece horrorizada com a minha acusação e isso me faz querer sorrir e provocá-la ainda mais.

— Isso não é normal — concluo, depois de ter feito o jogo virar — Por favor, pare de me seguir. Eu não sou fã de stalkers.

Raven parece confusa e um pouco irritada com a minha acusação. Ela se aproxima de mim, os olhos castanhos fixos nos meus, como se quisesse me desafiar.

— Eu não estou te seguindo — diz ela, com voz firme e decidida — Eu trabalho aqui, tipo, todos os dias.

Ela continua falando, mas com sua aproximação, não consigo mais prestar atenção.

Eu fico ali, observando-a de perto, quase hipnotizado. Seus olhos brilham sob a luz fraca do elevador, e seus lábios cheios parecem prestes a se curvar em um sorriso provocante. Tem algo familiar no cheiro que ela exala e imediatamente sou transportado para o passado.

Raven McKenzie era uma das garotas mais bonitas que eu já tinha visto, e eu não conseguia deixar de pensar em como ela estava ainda mais linda do que da última vez que a vi, anos atrás. Mas agora ela não era mais uma garota de quinze anos, era uma mulher adulta. Tinha um ar de confiança e autocontrole que me fazia sentir um pouco intimidado.

Seus cabelos continuam cheios mas estão mais curtos. Seu rosto parece mais maduro, seu nariz que antes era grande demais, agora se encaixava perfeitamente no formato desenvolvido do rosto, com a boca desenhada que completa sua beleza, carregando seu pequeno sinal entre o nariz e o canto dos lábios. Seu corpo está mais esguio e imaginar o quão curvilíneo ele deve ser pode me colocar em apuros, deixando claro que ela não é mais a mesma menina que eu costumava conhecer na infância.

Mas como ela pode não se lembrar de mim? Como ela pode não se lembrar de nós?

Estou decepcionado.

Passamos tantos momentos juntos que parecia impossível ter esquecido tudo. Eu me sentia um pouco magoado, admito, por estar diante da garota que eu costumava conhecer tão bem, mas que agora não parecia ter a menor lembrança de mim.

Tento disfarçar, mas não sei se estou disfarçando muito bem. Raven parece notar o meu olhar e me encara de volta, meio confusa. De repente, ela para de falar e se afasta, como se finalmente tivesse percebido a minha atenção intensa.

— O que você está olhando? — pergunta, desconfiada.

Estou olhando para o primeiro rostinho conhecido que vi assim que cheguei em Boston. É tão surreal encontrar ela de novo, depois de tanto tempo - foi a primeira coisa que pensei quando a encontrei bêbada na noite do bar de Wesley, logo quando eu havia acabado de chegar de viagem.

— Nada — balanço a cabeça, tentando me recompor.

— Algum problema?

— Não, nenhum.

Ela olha para mim, incerta, e por um momento eu penso que talvez ela finalmente esteja começando a reconhecer quem eu sou. Mas então ela balança a cabeça, como se estivesse tentando afastar um pensamento inconveniente, e a tensão some.

— De qualquer forma, como eu estava falando, por que eu te seguiria? — Raven questiona em um tom crítico, com uma risada curta — Você não é tão interessante assim.

Solto um riso, com sua atrevidade.

— Então... o que você está fazendo aqui? — pergunto, curioso.

— Eu trabalho aqui, já falei — respondeu, como se fosse eu que estivesse no lugar errado — E você?

Penso em mentir, mas decido ser sincero. Já que ela trabalha aqui, deve saber o que a editora está querendo.

— Eu herdei uns rascunhos de uma escritora famosa e agora estou sendo perseguido por editoras que querem publicá-los.

Ela pisca os olhos, em câmera lenta, parecendo analisar o que eu tinha acabado de falar.

— Puta merda — dispara, me fazendo soltar uma gargalhada, surpreso com seu linguajar.

— Que boca suja você tem.

— Está falando sério? — Raven arregala os olhos e balança a cabeça em descrença, me observando — É você o guardião que está com os rascunhos da Dove?

A porta do elevador se abre no térreo e antes de sair, viro-me para ela com um sorrisinho:

— Sim, sou eu.

Sem esperar sua resposta, saio.

Por hoje, eu não iria suportar escutar mais ninguém falando dos livros ou daquela mulher. Já basta as reuniões que tive com todos eles elogiando a grande autora que ela era. Eu não aguentaria se e a mulher por quem sempre nutri sentimentos começasse a enaltecer a escritora que me abandonou.

De qualquer forma, sigo meu caminho para fora do prédio.

Enquanto me dirijo até o carro, não consigo deixar de pensar sobre os eventos caóticos que ocorreram só no dia de hoje. A imagem de Raven continua ecoando em minha mente, e começo a questionar se sua presença em minha vida é realmente apenas uma coincidência

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