𝐶𝑎𝑝𝑖𝑡𝑢𝑙𝑜 3
Cheguei numa fase da minha vida que vejo que a única coisa que fiz até agora foi fugir, fugir de mim mesmo, do meu nada, e agora não tenho mais para onde ir, nem sei o que vou fazer, fui péssimo em tudo.
Charles Bukowski.
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NYC - EUA
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𝑀𝑖𝑙𝑙𝑒𝑛𝑛𝑎 𝐴𝑙𝑏𝑢𝑞𝑢𝑒𝑟𝑞𝑢𝑒...
—Senhorita Albuquerque. Poderia vir à minha sala por favor? —chamou Aiden.
Claramente não seria algo bom. Não sou uma mulher totalmente otimista, sempre fui aquele tipo de pessoa que sofre por antecedência. Pessoas como eu, que tem a vida completamente fodida, custa a acreditar quando algo bom acontece.
Tirei meu avental e o coloquei no balcão, trabalho nesse restaurante há quase dois anos, no auge de meus vinte e três anos, nada tão extraordinário acontece em minha vida pacata. Trabalho desde os quatorze anos, abandonei cedo demais a minha suposta pré adolescência e cai no mundo adulto, não que eu esteja reclamando, só que, pobre não tem um dia de paz. Costumo frisar que só terei paz morta, e a cada dia que passa isso se torna ainda mais concreto.
—Pode se sentar. —disse o gerente assim que adentrei sua sala.
—Aconteceu algo ? —perguntei firme.
O mesmo apoiou as mãos na mesa polida e me olhou com certa pena, foi assim que toda a minha paranóia e ansiedade cantarolaram o quão certo estavam. Porém, o motivo ainda me era desconhecido.
—Não tem um jeito correto para tais notícias. Então serei breve.—disse Aiden dando uma breve pausa antes de prosseguir.
—Infelizmente terei que demiti-la.
Levei uns milésimos de segundos para entender o que o gerente acabou de me dizer. Uma demissão? Tão de repente? Merda.
—Posso saber o motivo? —perguntei sentindo um nó em minha garganta, cerrei as mãos em punho para que Aiden não pudesse ver o quão trêmula eu estava.
—Alguns clientes têm reclamado de seus serviços Millenna. Fora que...—suas palavras foram interrompidas por um pigarro. Aiden estava desconfortável.
Após ver levemente um tom de rubor em seu rosto, percebi o motivo.
—Está brincando comigo? Não é um segredo que eu tenho outros empregos que não seja esse.—falei um pouco alto do que pretendia. Aiden. Os clientes estão incomodados por eu ser dançarina em um bar noturno?
—Millenna. Eu sinto muito. —respondeu simplista.
Me levantei rapidamente, meus olhos já estavam marejados e um pânico imenso se formar em meu peito.
—Sem problemas. —ditei sem fita-lo.
De qualquer forma, nada do que eu disser irá mudar a situação em que estamos. Esses clientes são filhos de uma puta, preconceituosos. Não sabem diferenciar nada, pior, não se colocam no lugar das pessoas.
—Aqui está tudo o que tem que receber. Os papéis para assinar também. Eu realmente sinto muito, infelizmente a decisão não partiu de mim. —confessou Aiden.
—Eu sei disso. Não é sua culpa.
Assinei os papéis, e saí de sua sala para trocar de roupa e pegar minhas coisas, não consigo acreditar que tudo isso está realmente acontecendo.
Meu Deus. O que eu fiz para merecer essa vida desgraçada?
Vesti as roupas limpas que sempre trago para não sair cheirando a gordura do serviço, tentei respirar, tentei me acalmar, porém estava sendo difícil. Era sempre dessa forma. Sempre que descobriam me demitiam sem ao menos me dar uma chance de explicar. Ser stripper era um emprego mal visto, obviamente as pessoas comparavam isso com prostituição, ou algo pior. Se é que existe algo pior do que isso.
Me despedi de cada funcionário que cultivei uma certa amizade ao longo do tempo em que estive aqui, explicar a sensação que sinto é algo que não pretendo fazer. Me enfiei em uma ilusão ao achar que tudo estava por fim,dando certo.
Sai para a tarde fria, o sol já sumia por detrás dos prédios imensos, caminhei pela calçada até o ponto de táxi, minhas pernas doíam demais pelas horas andando de um lado a outro, fora que não consegui dormir tão bem noite passada, me esforçava demais e não tinha retorno algum. A vida é totalmente injusta.
Ao chegar no condomínio em que moro, recebi uma carta, na altura do campeonato nada poderia ficar pior. Na verdade, tinha sim. Não esperei entrar no apartamento, a carta era do proprietário, as letras em contraste vibrante de vermelho dizendo : Ordem de despejo.
Mesmo tendo dois empregos, o salário era miserável, fazia certos três meses que meu aluguel estava atrasado, o dinheiro só cobria pequenos gastos e nada mais.
É oficial. Eu odeio a minha vida.
Tranquei a porta e me sentei no sofá, apoiando a cabeça no encosto e fitando o teto.
—Porque tudo isso acontece comigo? —perguntei a ninguém além de mim mesma.
Se há um lado bom na vida, eu estou definitivamente do lado de fora.
Meu celular vibrou no bolso, não precisa ser um gênio para saber que era meu outro chefe me perguntando se eu iria trabalhar, ignorei a mensagem e deixei o aparelho no sofá. O apartamento que aluguei era modesto, havia apenas os móveis necessários, não tinha dinheiro nem para decorar, sou literalmente uma pobre fodida e azarada.
Tomei um banho, vesti roupas confortáveis e coloquei macarrão com queijo no microondas, cogitei milhares de hipóteses, algumas semanas atrás minha única amiga me convidou para morar junto com ela, assim minhas contas entrariam no eixo e as preocupações diminuíram, seria perfeito, entretanto, sou o tipo de pessoa que prefere ser sozinha, conviver com pessoas era um problema imenso para mim.
Resumindo tudo. Minha existência consiste em. Trabalhar, ser demitida, receber pouco e tomar literalmente no cu de tanto azar que tenho.
O microondas apitou me tirando dos devaneios, peguei meu prato, o pouco do suco que tinha na jarra de vidro e me sentei na mesa, além do tintilar dos talheres, outros sons vinham da rua.
Darei um jeito, por pior que seja, alguém que não tem a quem recorrer precisa aceitar até o que não gosta para poder sobreviver. E isso é uma merda.
Terminei o jantar, limpei a cozinha e me deitei para dormir, parece ser a única coisa no qual eu não tenho problemas.
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—Sério que a demitiram de novo? —perguntou Anna indignada com a notícia.
—Sim.
Enquanto Anna estava sentada em minha cama falando de seus supostos problemas, aproveitei e falei os meus já que ela era a única que me ouvia e me aconselhava sempre que podia. Ambas tem a vida completamente fudida e mesmo assim, buscamos meios de aconselhar uma a outra. Enfim, a hipocrisia.
—A oferta para morar comigo ainda está de pé Mi.
—Sei disso. Prefiro lidar com tudo sozinha.
—Orgulhosa pra caralho. Puta merda. —xingou enquanto jogava um travesseiro em mim.
Terminei de dobrar as roupas e me sentei na cadeira um pouco cansada, já estava nessa faxina desde cedo. Conversei com o proprietário do apartamento, tentei convencê-lo a me dar mais tempo, só que não havia mais tempo e isso me abalou mais que a demissão.
—Olha, eu tenho um amigo que poderia ajudar você Millenna..—disse Anna.
—Me ajudar com o que? Olha, lembro bem de você ter sugerido ser acompanhante. Eu não vou me rebaixar a tanto Anna. —falei franzindo o cenho.
Se ser stripper já me trás inúmeras faltas de respeito, imagina isso? Só de imaginar, sinto meu estômago embrulhar.
—Não precisa transar com ele. Só o acompanhar em jantares empresariais, essas coisas. Arthur é respeitoso. Ele pode lhe pagar bem para isso. E você é linda, tem uma aparência chamativa e sensual. — explicou tentando soar o mais convincente possível.
—Vou pensar a respeito. Até eu obter uma resposta, terei que ir trabalhar na boate hoje. —falei sem humor.
—Pensa mesmo. Sei o quanto é difícil. Tente pensar positivo.
Pensar positivo? Piada né? Não existe essa de pensar positivo, se eu penso assim, não duraria nem dois minutos antes do pessimismo surgir novamente falando tudo de errado que já aconteceu e o que ainda vai ser errado futuramente.
—Sem otimismo, Anna. Minha vida já é uma desgraça, não precisa vir com esses papinhos motivacionais. —falei de forma ríspida.
Não é por mal, e ela sabe disso. Me desculpei depois de alguns minutos, Anna não se sentia ofendida, a mesma entendia minha situação, entendia toda minha história e jamais me julgou com base em nada, pelo contrário, sempre tentou me ajudar, seja com trabalho ou dinheiro emprestado, o que eu podia fazer por ela, eu fazia sem pestanejar.
—Dará tudo certo. Você vai ver, serei otimista por nós duas. Vá tomar um banho e se trocar, vamos almoçar fora. Por minha conta e não adianta tentar recusar. —disse Anna me empurrando para o banheiro.
Algo precisa dar certo em minha vida, ao menos uma vez só. Fechei a porta e me despi para tomar banho enquanto Anna esperava no quarto.
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