𝐶𝑎𝑝𝑖𝑡𝑢𝑙𝑜 58

Reze toda vez que você me ver
Eu desfaço suas crenças
Estou arruinando seu dia com meu rosto pálido e morto
E não me importo se você tá puto
Cães selvagens tem medo de mim e do fogo
Isso não é uma coincidência
Estou vomitando no seu chão de mármore
Sorrindo sobre meu reflexo do espelho

IC3PEAK

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Os cabelos eram do mesmo tom castanho que os de Millenna, a diferença era que eram um pouco mais claros, quase num tom dourado, a pele alva um pouco corado nas bochechas fartas, a boca levemente carnuda, as orbes tão azuis que pareciam bolas de gude, cílios enormes e uma beleza tão impressionante que deixou a mulher atordoada. A criança parecia muito consigo mas também parecia muito com Vincent, principalmente os olhos e a maneira como franzinha o cenho. Na foto, a criança parecia ter no máximo quatro anos, o que fez a morena concluir que a gravidez havia sido no período em que ficou nas mãos daquele demônio; outras milhares de perguntas se formaram em sua mente. Porque não se lembrava de absolutamente nada ? Como isso aconteceu? E o principal.

Com quem a criança ficou ?

Movida a desespero, Millenna ignorou os chamados de Dante, correu para o quarto e se trancou ali, o tremor quase fez o celular cair no chão, Millenna se sentou no pequeno sofá próximo a janela, e começou a ver todos os vídeos que Vincent fez questão de lhe mandar. — todos eram referente ao período da gravidez, nas filmagens ela parecia sem vida, pálida, acuada como um animal indefeso a mercê de um predador cruel. Ouvir a voz daquele homem lhe fazia querer vomitar. A barriga começou a aparecer, a camisa grande a cobria até próximo aos joelhos, a magreza era visível. Em todos os vídeos sem exceção, ela apagava com algo que Vincent colocava na bebida, ou comida, e sempre após algum tempo, ela acordava sem saber onde estava, com quem e o motivo de estar carregando uma criança em seu ventre.

Vincent a drogou o suficiente para não lembrar de nada durante a gravidez muito menos depois. Quase no último vídeo mostrava o dia do parto, o quanto Millenna estava debilitada, as chances de sobreviver era pequena, isso era o que pode concluir.

Não havia mais vídeos, não sobre a gravidez, o restante era das violências que sofria, dos estupros e todo o inferno que ele a fez passar.

Millenna ? Abra a porta, per favore. — Dante pedia enquanto dava leves batidas na porta.

Não houve resposta, e mesmo assim ele insistia. A escuridão da noite era idêntica à escuridão que sentia por dentro.

Millenna se colocou numa posição estranha, complicada e assustadora. Num ímpeto, a morena começou a arrancar suas roupas, jogando-as em direções opostas, e ali, de frente ao enorme espelho a mulher encarou seu reflexo. — passou as mãos pela barriga lisa, não havia cicatriz alguma ali, então soube que havia sido um parto normal.

De lingerie a mesma continuou a fitar seu corpo, acariciava a barriga e tentava lembrar de alguma coisa, nada lhe vinha, nem mesmo a sensação de ter gerado uma vida, muito menos a sensação durante o período, não se recordava dos enjôos, da dor do peso da criança conforme crescia; nada. Tudo era vazio, inexistente.

Doía 'pra caralho. Millenna se desesperava e gritava a todo favor, segurando a barriga, se culpando por não lembrar, culpando Vincent por fazê-la esquecer. Culpando a vida por tê-la submetido a algo tão cruel e desumano.

MILLENNA? PER FAVORE. ABRA A PORTA. — Grecco gritou forçando a maçaneta, tentando abrir.

Encolhida em sua própria dor, Millenna deitou sobre o tapete, não se importou com o frio que sentia ou como seu corpo se arrepiava e tremia em contato com o ar frígido.

— Eu sou mãe. — murmurou para si mesma. — Eu tenho uma filha. Uma menininha. — continuou resmungando, perdida em pensamentos e mergulhada num estado semelhante ao catatônico.

VOU ARROMBAR A PORTA. — ouviu Dante gritar, ainda que a voz soasse distante, a morena sempre iria saber que era ele.

Que era seu marido.

— Eu não me lembro de nada. — chorou apertando as mãos no ventre. — Não consigo me lembrar de estar grávida. Tenho uma filha, e ele escondeu isso de mim. — continuou dizendo.

A porta sofreu um impacto bruto. Na quarta tentativa a porta cedeu, caindo no chão polido, Dante viu Millenna deitada perto da janela, usando nada além de roupas íntimas e encolhida, soluçando, chorando e resmungando algo que ele só pode entender quando se aproximou.

— Amore mio. — sussurrou tocando no braço gelado, o toque ainda que ameno, fez a garota se afastar assustada e se encolher o máximo que conseguia, o choro tomou uma proporção imensa e Dante sentiu a dor, e por isso não a tocou.

O celular estava escondido entre as roupas, Grecco o pegou para procurar por respostas e as encontrou no segundo em que desbloqueou o aparelho. Os vídeos, a foto e a mensagem breve que Vincent havia mandado. — intercalando o olhar entre o aparelho e sua esposa, o coração pareceu bater mais devagar, o ar pareceu rarefeito.

A impotência era um tremendo inferno. Nunca se imaginou impotente, e ultimamente era assim que se sentia.

Não conseguia proteger Pietro. Não conseguia proteger Millenna. E com certeza não conseguiria se proteger.

Joseph e Vincent parecia atacá-los onde mais dois, tornando-os fracos para por fim dar o último golpe que iria ceifá-los por toda a eternidade. — isso não podia acontecer.

— Porra! — grunhiu apertando o aparelho com toda sua força, sentiu o objeto quebrar em sua destra, visto que um pedacinho de vidro cravou em sua palma, liberando um filete de sangue.

Antes de sair do quarto, pegou um edredom e cobriu a morena que não se moveu, continuava resmungando sobre sua filha e se culpando por todo o tempo que não se lembrava da criança; saindo do quarto o moreno adentrou outro, onde Pietro estava.

— O que aconteceu? Dante o que houve com nossa mulher? — questionou preocupado.

Parecia querer tirar os acessos em seu braço e correr para mulher, entretanto estava fraco e o mínimo movimento poderia fazê-lo desmaiar.

— Sei que prometi dar um tempo nos planos para cuidar de você. Mas não posso Pi. Preciso acabar com isso, e vou começar por meu pai. — explicou enquanto pegava a espada afiada que ganhara de seu parceiro.

— Dan. Você não pode ir lá sozinho. Vai acabar morrendo. Per favore. Fique aqui. — implorou contento a vontade de sair da cama.

— Irei conseguir. Não vou deixar que ele ou aquele filho de uma puta do Vincent ganhe. Eles machucaram vocês para me atingir. Não vou tolerar mais essa porra.

— Dante. — o timbre soou mais grave.

— O que?

Ambos se encararam por alguns segundos, o peito do moreno subia e descia, mostrando o quão furioso estava. O quanto queria fazer chover sangue. E ele fará.

— Seja prudente. E volte para nós. — pediu. — Eu te amo muito meu anjo.

Grecco deixou a espada ainda dentro da bainha cair no chão, aproximou-se da cama e selou seus lábios nos de Bianchi.

— Também amo você. Amo tanto que dói. Vou vingá-lo meu bem. Vou mostrar a todos esses filhos da puta o que acontece quando machucam o homem que amo.

Pietro o puxou para um beijo, a dor o fazia grunhir entre o ósculo mas não parou, precisava mostrar o quanto amava o tatuado e o quanto implorava para que voltasse inteiro. — as línguas moviam-se devagar, numa dança lenta e repleta de sentimentos.

— Volte para nós. Não deixe de lembrar que tem um lugar para onde voltar Dan. Não esquece que há duas pessoas o esperando. Precisamos de você. Eu te amo. — murmurou próximo aos lábios do mais velho.

— Prometo. Vou voltar para vocês.

Com tudo já dito, Dante pegou a espada e saiu do quarto sem olhar para trás, desceu as escadas com extrema rapidez, a todo momento criava um plano perfeito para invadir a mansão onde foi o centro de toda a sua dor. Conseguiria fazer aquilo.

Na garagem, o próprio rumou até a moto, não pegou o capacete, apenas as chaves e não demorou para que saísse em alta velocidade.

A mansão Calábria não era tão longe; Grecco diminuiu a velocidade, desligou o farol, não queria ser visto, pois caso fosse, tudo iria por água abaixo. — tinha muita vantagem, pois sabia com excelência quantos seguranças havia perto dos portões e próximo a mansão; em um quilômetro o moreno deixou a moto entre as árvores, visto que estava bem escuro não teria perigo de ser pego, a espada já estava em sua destra, o cabo de couro parecia queimar sua palma, a lâmina enorme e polida, parecia brilhar, ansiosa para ser usada. Dante era um guerreiro sábio, e os sábios sempre sobrevivem.

Caminhando pela pequena estrada de terra, três seguranças estavam a postos, e foram mortos sem saber o que havia os atingido, Dante não queria fazê-los sofrer, guardaria tudo isso para seu pai. Perto dos portões havia cinco, e todos eles foram mortos com golpes perfeitos e fatais, Grecco sentia a adrenalina percorrer suas veias, queimar seu sangue e transformar seu ódio em força bruta, irracional, como um animal selvagem.

A lâmina pingava sangue, a fúria estava estampada na feição do moreno, chegando perto da casa, outros seguranças apareceram e todos foram facilmente aniquilados.

Ninguém o tornaria aquele garoto assustado. Ninguém tiraria Pietro e Millenna de si.

O barulho dentro da mansão chamou a atenção de Joseph, que se encontrava na sala principal, bebendo vinho numa taça de cristal e lendo um de seus romances que lhe faziam lembrar de sua falecida esposa.

Um dos seguranças atravessou as portas, caindo sobre o piso frio, e para o pavor do mais velho, Dante entrou, com um belo sorriso maligno no rosto.

— Que porra pensa que está fazendo, Dante? — questionou exasperado.

— Agora é o nosso momento de colocar tudo as claras. — rosnou o moreno, segurando a espada com mais afinco. — Antes que pense em chamar algum segurança, saiba que todos estão mortos e você é o próximo. Porém a sua irá demorar um pouco.

— FIGLIO DI PUTTANA. ( SEU FILHO DA PUTA. ) — gritou tentando avançar contra o mais novo.

Dante cravou a espada na perna esquerda do mais velho, que gritou alto e caiu sentado no sofá.

— Agora é a minha vez seu maldito! — rosnou próximo ao rosto do homem que tornou sua vida um tremendo inferno.

O horário era desconhecido por Dante, mas também não era importante saber. O silêncio prevaleceu por alguns minutos, o único ruído vinha de Joseph, que o encarava com raiva enquanto a face era retorcida em dor. — com uma calma perigosa, Grecco serviu uma quantidade considerável de whisky e se sentou de frente para seu pai.

— Sei de toda a verdade Joseph. E o motivo pelo qual vou te matar não é esse. — comentou sereno, bebendo um gole do líquido que desceu queimando sua garganta.

— Compreendo. — debochou. — Veio vingar aquele viadinho, não é? Sempre soube dos seu encontros com Pietro. Acontece que decidi me fazer de cego para ver até onde você iria com esse ato profano. — a voz denunciava o nojo que sentia. — No começo pensei que era só uma amizade comum, achei que a lealdade de Pietro se dizia ao fato de que o protegeria sempre, que assumindo o meu lugar, ele o protegeria com unhas e dentes. — o velho sorriu soprado, o sangue umedecendo a calça social cinza.

— Você me dá nojo. Pietro me dá nojo. Lucca tinha razão. É uma tremenda vergonha ter um chefe gay na organização. — gargalhou sem desviar o olhar do mais novo.

— Dante. Eu o salvei porém este tem sido meu pior erro. — admitiu com um sorriso ladino.

Grecco sorriu, gargalhou e bebeu whisky tranquilamente.

— Me salvou para me torturar, para me tornar um homem pior do que você. E graças a Pietro, não me tornei igual. — comentou. — Seu preconceito não vai me fazer perder a cabeça Joseph. Porque aprendi com o meu homem a ser calmo em situações como esta. Agradeça a ele por eu não ter arrancado sua cabeça no segundo em que te vi. — ditou esvaziando seu copo.

— Seu homem? Que nojento. — franziu o cenho.

Dante depositou o copo no aparador e ficou de pé, indo até seu pai, segurou a espada pelo cabo e torceu, fazendo Joseph gritar, dava para sentir a lâmina rasgando a carne do mais velho, fazendo escorrer ainda mais sangue.

— Você irá engolir esse preconceito nojento. Merece morrer por tudo o que me fez passar. Sinto uma vontade imensa de arrancar sua cabeça seu verme. — rosnou. — Sinto pena de Amélia, por ter tido você como marido, apesar de ter sido bom para ela, não muda o fato do homem desprezível e repugnante que você é. Porque eu sei que tudo que foi feito por ela foi em nome do código, dos segmentos da organização. Sabe como eu sei disso? Hum? — indagou sorrindo, enquanto cravava a espada ainda mais na perna de Joseph. — Homens como você, não são capazes de sentir amor. Não fazem ideia de como é a sensação e jamais saberão. Então agradeço por Amélia ter morrido antes de eu chegar. Pois se ela visse o maldito que você é de verdade, morreria de desgosto. — concluiu.

A espada foi tirada com força, sangue borrifou nos móveis próximos, Joseph conteve o grito de dor.

— Matou minha família inteira em nome de um ego sujo e prepotente. — Dante continuou. — Feriu o amor da minha vida em nome do preconceito. E acima disso, me destruiu em nome de uma vingança sem escrúpulos.

A espada foi deixada sobre o sofá, e no lugar, Dante pegou uma adaga de lâmina média.

— Você quebrou o código. — enfatizou.

— Nunca quebraria um código seu desgraçado. — tentou argumentar mas sua voz não soou convincente.

— Um dos principais princípios da máfia é não ferir crianças. E foi o que você fez. Não irei citar outras que quebrou, pois essa é a única que me vale. — Dante rasgou a camisa social do mais velho, revelando a carne exposta e ali, o mesmo rasgou a pele, fazendo uma cruz, o sangue escorria pelos ferimentos, marcando a pele envelhecida e pálida.

— Mi hai fatto soffrire per anni. E ti farò soffrire per l'eternità. ( Você me fez sofrer por anos. E eu o farei sofrer por toda a eternidade. ) — prometeu.

Joseph arregalou os olhos.

— Não tem culhões para isso. É um moleque, uma bicha que merecia ter morrido junto com a família pobre e nojenta. — cuspiu as palavra enquanto gargalhava como um lunático.

— Veremos. — retrucou, limpando a lâmina suja de sangue no blazer de Joseph. — A morte irá demorar para recebê-lo, e não só você. Destruirei vocês e farei questão de curá-los para então quebrar de novo e de novo e de novo. Farei vocês se ajoelharem diante de mim, da minha esposa e do meu futuro marido. — com a canhota, Dante o agarrou pelo pescoço. — Irá ver eu me casando com Pietro, irá me aguentar contar detalhamente como o faço feliz. Pois como eu disse, farei com que engula seu preconceito seu desgraçado.

Joseph teve as mãos e tornozelos amarrados por um fio, e sem delicadeza alguma, Dante o jogou no porta malas, de um dos carros e saindo da propriedade, passando pelos corpos caídos, rumo ao mesmo lugar onde deixou Enzo preso.

A cela pútrida agora tinha um novo hóspede, Enzo nada disse, apenas encarou seu chefe e depois Dante, não ousou falar nada, apenas observou, contendo a vontade de implorar por clemência. — de nada adiantaria, pois Enzo sofreria, mas não pelas mãos de Dante e sim pelas de Pietro que quando se recuperar, fará questão de retribuir tudo o que o acastanhado havia feito contigo.

O céu noturno aos poucos foi clareando, enquanto Grecco dirigia rumo a sua nova residência, as orbes azuis se mantinham na estrada, não negou o alívio que sentiu, como o peso que não imaginava carregar simplesmente saiu de seus ombros. A justiça será feita à sua maneira, e isso lhe trouxe uma paz que sempre almejou.

Ninguém impedirá sua felicidade. Não mais.

O sol surgiu, iluminando as árvores com a luz alaranjada da manhã, o vento um pouco gélido tocava a pele do moreno, o refrescando, a mansão negra agora era tocada pelo sol, Grecco pode ouvir os pássaros cantando, a forma como o céu estava numa mistura de laranja, dourado e rosa, três cores que se conectam perfeitamente, não tardou para que o azul completasse as cores e fizesse delas uma pintura de tirar o fôlego. — cansado, Dante subiu as escadas, Pietro dormia, horas antes havia recebido uma mensagem dos enfermeiros, deixando avisado que o ex loiro estaria medicado e estava perfeitamente bem. Sem fazer barulhos, o moreno foi até o outro quarto para ver Millenna, ao abrir a porta, viu que estava do mesmo jeito de quando saiu, a diferença é que agora estava dormindo, o edredom negro cobrindo seu corpo, a luz do sol a aquecia, tornava os cabelos castanhos brilhosos e a pele um pouco ruborizada pelo calor.

Antes de pegar sua esposa e ajustá-la na cama, Dante tomou um banho rápido, se livrando do sangue que manchava suas mãos e rosto, não demorou muito para sair do banheiro já vestido com roupas confortáveis, Millenna foi pega e posta na cama, onde se aninhou mais aos travesseiros e continuou dormindo. — ainda que estivesse cansado, Dante não ousou dormir, ficou ali, velando o descanso de sua esposa e pensando no próximo passo.

Vincent estava vindo para Itália. E não estava só.

Portanto o próximo plano seguiria, pois o moreno sabia que quando Millenna acordar, a tempestade acordará junto com ela.

E que Deus tenha piedade.

Pois eles não terão.

O que te detém não é quem você é, mas quem você acha que não é capaz de ser.

Jean Michel Basquiat

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Até o próximo cap ...

Estamos na reta final de Amor Entre Correntes...

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