𝐶𝑎𝑝𝑖𝑡𝑢𝑙𝑜 19

(Esta noite) uma noite escondida
Nas memórias borradas
Por que tudo está ficando mais difícil de novo?

The Rose - Sorry

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𝑀𝑖𝑙𝑙𝑒𝑛𝑛𝑎 𝐴𝑙𝑏𝑢𝑞𝑢𝑒𝑟𝑞𝑢𝑒

Vincent continua a mandar mensagens, a ligar constantemente, pensei que poderia me livrar dele, me sentir mais segura. Acontece que só pensei mesmo, pois o diabo ainda me persegue freneticamente, me torturando, me fazendo relembrar cada momento infernal que tivemos . A noite pareceu eterna, não dormi um momento sequer, meus olhos pesavam, meu corpo todo parecia tenso e dolorido, chorei durante a noite encolhida na cama enorme, implorando para que ele parasse com essa perseguição obsessiva. Em algum momento isso tem que parar, ele precisa parar, não é justo comigo, não é justo com nenhuma mulher que ele teve em mãos.A luz da manhã clareou todo o quarto, levando embora qualquer resquício de escuridão, me sentei na cama sem vontade alguma de ter que enfrentar mais um dia que se iniciava; fiquei de pé, sentindo o piso gélido sob meus pés descalços, Dante não havia aparecido, não mandou mensagem, deveria não me preocupar, mas ter sensações estranhas e paranóias infinitas me deixavam ainda mais sobrecarregada.

Enquanto a água quente e forte cobria meu corpo nu, fechei meus olhos, recapitulando toda a minha vida, até o momento em que mudou da noite para o dia. Foi tão rápido que não tive tempo suficiente para me arrepender, mas agora?. Bom, agora é tarde, pois estou em outro país, vivendo no luxo, cercada por mafiosos, e com um casamento para organizar o mais rápido possível, claro que algumas coisas já estavam certas, a decoração, o local, convidados, que são muito poucos, porém e só da parte de Dante, já que da minha parte não tenho absolutamente ninguém, até cogitei a hipótese de pedir permissão para que pelo menos Anna viesse para cá, visto que nada disso é normal, melhor manter minha única amiga longe de toda essa confusão na qual me impus.  Cansei de refletir e não chegar a nenhuma conclusão, terminei de me banhar, fiz minha higiene matinal e desliguei o registro, enrolei uma toalha branca e felpuda em volta do corpo e uma nos cabelos úmidos, faço o possível para não encarar demais a riqueza que era esbanjava sem modéstia alguma; precisava lembrar sempre do meu verdadeiro lugar, da onde vim, e acima de tudo, me lembrar do acordo. 

O clima não estava quente, a chuva havia apaziguado e o frio se manteve, o tempo cinzento e as nuvens escuras e carregadas, optei por roupas mais fechadas e quentes, algumas tinham até etiquetas de marcas que na maior parte eu não imaginava que existia, me sentei em frente a enorme penteadeira, escovei meus cabelos, encarando minha feição um pouco pálida e sem vida, a falta de sono já estava visível ao redor de meus olhos, o dia seria cheio demais e não tenho pique para lidar, sinto que estou no ápice do desespero e que a qualquer momento vou explodir. Fingir ser alguém que não é, é cansativo pra caralho. 

O café me foi servido no quarto, as empregadas ajeitaram tudo na varanda como eu havia pedido gentilmente, não ousei ligar o celular, temia ler todas as mensagens de ódio que lá estavam com toda certeza, o chá de frutas vermelhas já estavam na xícara transparente, o cheiro estava delicioso e ainda sim, não me sentia à vontade, precisava sair daqui nem que seja por algumas horas, tudo me sufoca, meu coração se comprimia mais a cada dia, e não sei quanto tempo aguentarei tudo isso . Novas batidas soaram na porta antes de ser aberta e revelar a silhueta de Pietro, sempre trajado em seu terno impecável, as feições delicadas como a de um anjo, esperei que se aproximasse e se acomodasse na cadeira à minha frente . 

—Buongiorno bambina. ( Bom Dia querida). 

—Mattina . ( Dia ). —respondo de mau humor.

—Você não parece bem. Está doente ? —pergunta, servindo-se de café. 

Analisei seu rosto, descendo mais um pouco notei uma marca arroxeada no pescoço, arqueei a sobrancelha e de imediato suas bochechas assumiram um tom corado. Não era de minha conta sua relação com Dante, então desviei o olhar e tomei um pouco de chá, encarei as árvores, as folhas se movimentando por conta do vento, e novamente senti a tristeza se assentar sobre mim, me fazendo viver como se tudo não houvesse cor e muito menos vida .

—Millenna. 

—Hum?

—O que está acontecendo? Não está se sentindo bem ? —seu tom de voz se mostra preocupado. 

—Eu não sei. Só, não consigo dormir. Relaxa Pietro, vai passar. —asseguro, mesmo que nem eu tenha acreditado em minhas próprias palavras. 

—Estou encarregado de protegê-la hoje. Então se precisar de algo, estou à disposição. 

—Onde Dante está ? —decidi perguntar.  

—Ele precisou cuidar de alguns assuntos, creio que ainda  esteja resolvendo. —responde evasivo.

Nem ele mesmo acredita nisso. Está preocupado e isso deu para notar perfeitamente, é difícil entender a relação que ambos têm, talvez nem tão difícil, não há intimidade o suficiente entre nós para que perguntas um pouco mais íntimas sejam feitas. Mesmo não dizendo em voz alta, eu admiro o relacionamento dos dois, admiro a preocupação e o carinho que trocam entre si quando ninguém está por perto.  O modo como Pietro olha para Dante, sinceramente, é um olhar que todo ser vivente deseja que o olhem; um olhar de admiração, de amor, carinho, cuidado, e dentre outros inúmeros sentimentos que possa ser depositado para descrever o amor. Todos merecem ser amados desse jeito. Só que nem todos têm a sorte de encontrar pessoas que entendem tal sensação genuína, e por aí vai. E isso é uma merda.

O mundo em que vivemos, o século em que estamos, qualquer reciprocidade causa desconforto e até uma certa dúvida; são tempos em que o amor se tornou brega, que palavras como "Eu Te Amo" passou a ser dito como um mero bom dia, e isso chega a ser horrível, doloroso, e triste. 

Julgo por mim mesma. Sempre fui de bem com a vida mesmo que a vida nunca tivesse na mesma frequência, perdi meus pais cedo demais, e quanto mais eu crescia, fui entendendo que a vida adulta era uma merda, que as responsabilidades eram humilhantes, e que as pessoas são cruéis umas com as outros por mero prazer doentio. A única pessoa que agradeço ter me mostrado bondade e coração puro foi Anna, de resto, só lamento por ter a infelicidade de conhecer. E é por ter tido uma infância fria, por ter sido criada com nada mais que frustrações e palavras desmotivadoras e xingamentos, que me presa a um homem que pensei que seria bom pra mim. 

E como dizem. De boas intenções o Inferno está cheio, e se isso é a mais pura verdade.

—Ei? Millenna. —diz Pietro, estalando os dedos próximo de meu rosto, me fazendo despertar. Estou tão cansada que passei a sair da realidade sem ao menos perceber.  

—Estou bem. Desculpa, estou aérea. 

—Percebi.  Vou pedir que dispensem você das devidas tarefas com relação ao casamento, precisa descansar. Pedirei que tragam algum remédio para que te ajude a dormir. 

—Ta. Obrigada. 

—De nada. Precisa de mais alguma coisa?

—Poderia me emprestar outro celular? Não quero ligar o meu.  

—Ele está mandando mensagem, não é? 

—Sim. 

Não tinha motivos para mentir. Tudo já é uma grande mentira mesmo, então nada mais importava. Eu acho. 

—Me dê seu celular. Já devíamos ter o grampeado faz tempo, então farei isso agora. Por enquanto fique com o meu.  Mais tarde trago um novo.  —diz entregando o aparelho.

—E se Dante precisar falar com você ? —questiono.

—Tenho outro aqui. Não se preocupe com isso. 

Observei em silêncio Pietro se levantar e se retirar de meu quarto, fechando a porta que antes se manteve aberta para que não passasse a impressão errada. 

Durante as horas seguintes fiquei deitada na cama, esperando o remédio fazer efeito, não tardou para que a inconsciência me reivindicava me levando para a escuridão um tanto turbulenta.
 
O apartamento não era nada além de um local onde pago apenas para dormir e tomar um bom banho quente depois de trabalhar igual uma escrava no restaurante e ainda ter de ir a boate, ficando lá até que meu chefe me mandasse para casa. Era estranho pois os móveis não eram iguais aos que eu tinha quando me mudei, as paredes não possuíam cores frias e vazias, era um tom pálido de azul, olhei ao redor e vi algumas fotos nos porta retrato que não estavam antes. As fotos eram minhas ao lado de Vincent, nelas meu sorriso era contido, os olhos inexpressivos e Vincent, bom, ele sorria largo me olhando como se eu fosse a pessoa mais importante em sua vida, como se me amasse incondicionalmente, desviei meu olhar, indo em direção ao quarto, parecia ser o único cômodo que não estava diferente, a não ser pelos lençóis pálidos sujos de sangue, vidros quebrados, as cortinas em frangalhos, meu peito inflou, senti um nó na garganta. Foi aí que vi meu reflexo, no único espelho intacto.

Marcas roxas por meus braços, por meu rosto, cortes em meu lábio e supercílio, meu pescoço estava vermelho com tons arroxeados, e isso me trouxe pânico, falta de ar, pois tudo mudou de novo.  Mudou para o momento exato em que Vincent estava me batendo e gritando palavras desconexas. 

—SUA VAGABUNDA. SUA PUTA. —gritou jogando algo pesado que por pouco não acerta meu rosto.

—Vincent por favor. Para com isso. —implorei encolhida na cama.

Sangue escorria de meu rosto, minhas mãos sujas com o líquido viçoso e escarlate, minhas unhas detonadas . As mãos enormes de Vincent se fecharam em meus tornozelos me fazendo deitar na cama, seu corpo alto e musculoso prendia o meu, quanto mais eu me debatia, mais seu aperto ficava insuportável, arrancando gemidos de dor e lágrimas incontroláveis.

—VOCÉ É UMA PUTA . SABIA DISSO ?—voltou a gritar.

Senti meu rosto arder com o tapa que foi desferido, o choro era a único som além dos tapas e gritos do homem que pensei ser tudo pra mim, sendo que eu não era nada pra ele, nunca fui.

—OLHA PRA MIM MILLENNA.

Fiz como pedido, seu rosto vermelho, os olhos queimavam de ódio, tudo isso por um motivo que desconheço, e tampouco quis conhecer.  Não importa o motivo, Vincent me machucava por puro prazer.  

—VOCÊ É MINHA. NENHUM HOMEM TOCA NO QUE É MEU. ENTENDEU VADIA?. HEIN? RESPONDE CARALHO. —ordena me dando outro tapa. 

—E-entendi. Eu entendi.  Desculpe, por favor.  —pedi entre lágrimas, devido a isso me lembrei do homem estranho que havia apalpado minha bunda sem meu consentimento quando desci do palco. Eu não tive culpa, só que para Vincent nada disso importava, o que realmente importa é o que ele viu e a sua própria verdade distorcida.

Virei meu rosto, recusando o beijo molhado e nojento dele, e isso me trouxe novas consequências, gritei de dor, senti seus dentes cravaram em meu pescoço, pressionando com violência,  me debati sem chance alguma de fazê-lo recuar, sua mordida era ainda mais forte, minha pele rasgou e o sangue fluiu e mesmo assim, o mesmo continuou a morder e a rir abafado por conta do meu desespero. 

—Você sempre pertencerá a mim Millenna. Quem ousar tirá-la de mim, sofrerá as consequências.  E você também.Eu mato você antes mesmo que pense em me deixar. —ameaça assim que abandonou meu pescoço, seus lábios estavam encharcados com meu sangue, escorria por seu queixo, pingando em meu rosto. 

—Millena. Acorda. —pede a voz grossa e arrastada. Abri meus olhos e levantei rápido, me desvencilhando das mãos de Dante.

— Não chega perto de mim. Por favor, não me machuca, eu não fiz nada.—implorei assustada.

Minha mente estava turva, minha visão não parecia ficar nele, por medo, me encolhi no chão, com as mãos na cabeça. Chorei copiosamente, um choro doloroso que me fazia querer morrer. 

—Calma. Respira. Por favor, respira...Não vou me aproximar de você. —Dante volta a dizer dando leves passos para trás mantendo distância. 

Puxei o ar e o soltei lentamente, fui fazendo isso lentamente, meu coração martelava no peito, aos poucos fui compreendendo onde estava, o quarto já estava escuro, a noite já se mostrava através das janelas abertas. Meu corpo todo estava quente, suado.

Foi um pesadelo. Um maldito pesadelo. 

—Posso me aproximar de você? —pergunta Dante.

Fiz que sim com a cabeça, estava fraca demais para levantar, se tentasse não conseguiria de qualquer modo. —senti os braços de Dante me pegarem com facilidade, encostei a cabeça em seu peito, ouvindo o coração um pouco acelerado, o cheiro amadeirado que já me é familiar e o calor que emanava do mesmo. Fui posta na cama novamente e a luz do abajur foi acesa.

—Eu a ouvi gritar. E isso me deixou assustado. 

—Me desculpe. —pedi, minha garganta queimava. 

—Não precisa disso. Não vou nem perguntar com o que estava sonhando, pois imagino o que seja.Olhe para mim. —pediu gentil, segurando meu rosto. —Jamais irei te ferir Millenna, nunca irei trazer dor a você.  E não permitirei que o tragam, entendeu?. 

—S-sim. É complicado pra mim então por favor tenha paciência.  

—Terei, não se preocupe. 

Dante fez menção de se levantar, mas o impedi, sem perceber, foi mais uma reação por puro reflexo.

—Não me deixe sozinha, por favor. 

—Ta. 

Lhe dei espaço para que se deitasse ao meu lado, não havia notado antes, mas Dante estava sem camisa, usando nada além de uma calça de moletom, queria me sentir envergonhada, mas o pesadelo me deixou instável, mergulhada em medo e pânico, o mesmo me puxou com calma e me aconcheguei em seu peito. —seus braços voltaram a me envolver como se tentasse me proteger do que quer que fosse, queria conversar, perguntar quanto tempo fiquei dormindo, ou o motivo de seu sumiço,  porém não obtive força para tal coisa, então apenas me permiti ficar em silêncio, sentindo os dedos do moreno acariciar meus cabelos, e torcendo para que não estivesse presa em outro sonho. 

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