Capítulo 1 - Obrigada, Lorenzo
Acordei estressada com o barulho alto do despertador, todos os meus sentidos imploravam por mais 30 minutos de sono, quase cedi ao desejo, mas bastou olhar para o conjunto cropped e saia preto brilhante dobrado em minha escrivaninha para lembrar da razão de precisar pular da cama naquele momento.
Precisava estar no Órbita, um barzinho descolado da cidade, em uma hora para organizar tudo para cantar naquela noite. Fazia tempo que não dormia à tarde, por um lado era ótimo ter um tempo adicional de descanso, por outro era quase impossível convencer meu corpo que ele tinha que acordar por que o dia ainda não chegou ao fim.
Coloquei o conjunto brilhante que usaria no show em uma bolsa, junto com minha carteira e escova de dentes, por enquanto estava com uma camisa oversized e calça jeans - não queria correr riscos de sujar a outra roupa, já que comeria algo no barzinho antes de cantar. Desci as escadas do prédio com medo de encontrar o síndico no caminho, estava devendo o último aluguel e tudo que menos precisava era de um velho gorducho de 50 anos cuspindo em meu ouvido me chamando de caloteira e ameaçando me despejar se não pagasse as parcelas até o fim do mês.
Estava mais ou menos confiante de que conseguiria juntar a grana com meus bicos de cantora se o trabalho de hoje me rendesse indicações boas, afinal, o aluguel do apê meia boca no subúrbio da cidade não era tão alto. Tudo dependia da performance dessa noite, Fábio, um dos donos do bar, prometeu que me indicaria aos seus colegas se minha cantoria atraísse clientes para ele e eu sabia que era boa no quesito atração, pelo menos entre o sexo masculino.
— Eai, Duda! Chegou na hora certa, estamos montando o sistema de som.
Lorenzo, que trabalhava no Órbita e me acompanharia no violão mais tarde, foi o primeiro a me cumprimentar quando me aproximei do palanque que servia de palco. Seus olhos verdes ficavam ainda mais brilhantes quando ele sorria, formando um belo par com seu cabelo loiro-claro. O bar ainda estava fechado e só estavam presentes os funcionários, outros dois além do meu amigo estavam ajustando os detalhes técnicos, mexendo nas caixas de som e testando o microfone.
Cumprimentei os presentes e deixei minha bolsa em uma das várias mesas ainda vazias do local. O Órbita ficava no centro da cidade e era muito bem frequentado, principalmente pelo público mais jovem, as mesas em madeira rústica e as paredes pretas com poucas frases em caligrafia branca davam um ar descolado para o ambiente. Durante a faculdade, que terminei ano passado, vinha bastante aqui com meus amigos, por isso, conhecia boa parte da equipe – principalmente Lorenzo, com quem criei uma ótima amizade quando descobri que também amava música e, inclusive, já tocamos juntos em outro bar há algum tempo.
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Eram sete horas e o Órbita abria suas portas, os primeiros clientes já pediam suas porções de batata-frita e cervejas long neck, eu estava sentada em uma das mesas com Lorenzo, terminando de devorar uma porção para então ir ao banheiro me arrumar e começar a apresentação.
Me olhei no espelho, já com o conjunto vestido e a maquiagem feita. Preto definitivamente ficava bom em mim, combinava com o tom, ainda que claro, bronzeado da minha pele. O cropped de alcinha e com decote em V era curto, a saia - em compensação - era cintura alta, de forma que apenas uma faixa da minha cintura ficasse visível acentuando o aspecto violão do meu corpo.
Finalizei o look colocando meus brincos de argola prata preferidos, desde que cortei o cabelo na altura dos ombros sentia que esses acessórios ficavam bons em mim. Fui interrompida pelas batidas de Lorenzo na porta, me apressando para subir no palco.
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O bar estava cheio como sempre costumava ficar, antes de encostar no microfone não pude deixar de agradecer mentalmente ao Lorenzo – era graças a ele, que insistiu para que o dono do Órbita me contratasse quando soube que estava com problemas financeiros, que eu estava ali em um sábado à noite. Não era ingênua de acreditar que conseguiria esse trabalho sozinha, mas estava orgulhosa por estar aqui.
— Boa noite, minha gente! Espero animar ainda mais a noite de vocês cantando um pouco. Eu sou a Duda e esse aqui – apontei para o loiro alto em pé ao meu lado - é o Lorenzo, que vai me acompanhar no violão.
Assenti para ele com a cabeça e começaram os acordes da primeira música: Knocking on heaven's door, a versão do Guns N' Roses (clichê, eu sei, queria estar cantando Panic! At the disco, mas havia um protocolo a ser seguido nesse tipo de apresentação). Por mais que eu não pudesse cantar minhas músicas favoritas, fazia o melhor possível na interpretação de cada uma – quem me via cantar costumava dizer que eu demonstrava uma personalidade muito forte e transmitia os sentimentos de cada canção. Para mim, esse era o melhor elogio possível.
A plateia estava gostando, até cantavam junto o refrão das melhores da setlist, definitivamente estava fazendo um bom trabalho no que diz respeito a aumentar a clientela do bar. Vez ou outra percebia olhares masculinos demonstrando um interesse que ia bem além da minha voz, mas, como de costume, apenas os ignorava – a não ser que o interesse também surgisse da minha parte, já sai com uns carinhas bem gatos desse jeito.
Por volta da quarta música, percebi um olhar diferente sobre mim, vinha de um homem robusto que parecia passar dos 40 anos, pensei se não seria algum segurança. O olhar persistiu durante o resto da noite, vez ou outra mudando o foco para falar com alguém pelo celular. Era desconcertante, estava acostumada com olhares, mas esse não parecia interessado no meu corpo, mas em mim como um todo – sentia como se fosse uma mercadoria, e o cara o comprador que decidia se valia a pena me colocar no carrinho.
Me senti desconfortável pra caramba, sem entender o motivo daquilo tudo, será que eu fiz alguma besteira e não percebi? Tentei não pensar nisso e terminei o show recebendo uma rodada de aplausos maior que a habitual. Agradeci pela presença de todos e olhei uma última vez para o local onde estava o "segurança" para perceber que ele já saía apressado do bar.
Senti um leve calafrio, mas logo esqueci daquilo conversando com o Lorenzo sobre o show, que tinha sido ótimo.
— Você foi demais, Dudinha! O Fábio vai me agradecer por ter te indicado - exclamou, apoiando a mão em meu ombro e me entregando um dos seus melhores sorrisos.
— E você arrasou no violão, muitíssimo obrigada por ter me indicado, viu? Esse show vai salvar meu aluguel!
Eu retribui o sorriso, sem deixar de notar que sua mão continuava no meu ombro desnudo. Lorenzo era a definição do meu tipo: alto, corpo atlético, músico e o rostinho de quem vai acabar com minha vida. Afastei meus pensamentos para o mais longe possível, ele podia ser um pedação do mau caminho, mas tinha uma namorada que, inclusive, também era minha amiga, mesmo que no momento a gente não se falasse tanto.
Me apressei em sair daquela situação tentadora.
— Bom, tenho que trocar de roupa rápido, vou voltar de ônibus. - Sofri internamente ao me desvencilhar do seu braço.
Ele se apressou em protestar, sem deixar de me olhar nos olhos.
— Você acha que eu vou deixar você ir embora sozinha de ônibus nesse horário? - apontou para o relógio analógico na parede que indicava 23h30 - de jeito nenhum, Dudinha, vamos aproveitar meus benefícios de funcionário e tomar uns drinks em comemoração ao sucesso de hoje! Depois eu pago um uber pra gente e te deixo em casa.
A mão voltou a se apoiar suavemente em meu ombro. A proposta era tentadora, eu sempre evitava ao máximo pegar ônibus nesses horários, ser mulher tinha suas provações... Mas ele deveria estar louco se achava que a Amanda estaria de acordo com issso, ela era uma namorada dessas bem ciumentas, resolvi fazê-lo voltar a realidade.
— E a Amanda sabe dessa sua ideia? - lancei um olhar desconfiado aguardando que ele afastasse a mão do meu ombro, mas o que senti foram arrepios quando ela deslizou pelo meu braço.
— A Amanda não tem que saber de nada – ele se apressou em corrigir quando percebeu que eu me afastava - nós terminamos na semana passada, achei que soubesse.
Eu não sabia de nada. Mas como iria saber? Não falava com a Amanda há meses. Terminamos a faculdade, ela foi efetivada no estágio e eu não, de repente estávamos em mundos diferentes, ela prosperando e eu próxima de ser despejada. Sabia que não era a melhor decisão de todas, mas concordei em ficar para os drinks, sem segundas intenções - eu merecia um pouco de felicidade também, pelo menos momentos bons.
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