Parte II
Dario sentia-se bêbado. Olhou para os grandes canecos de henequet e se perguntou quanto daqueles havia ele bebido.
— Eu nunca deveria ter bebido — ele resmungou, sentindo que sua língua estava enrolando. — Bem, se eu sou o superior, não tem problemas!
Correu a mão em direção a aba de uma caneca que nem sabia se era sua, e ergueu a taça bem alta.
— Urra! — gritou.
Vários de seus soldados, todos dormindo em volta do salão do Fim da Linha, a única estalagem de Sarcophagi, gritaram de volta.
Ninguém estava sóbrio.
Sentiu muita vontade de urinar, afastou uma das garçonetes sentadas em seu colo, indo para o lado de fora da taverna para usar uma mureta como urinol. Ele não se lembrava onde ficava o banheiro de verdade.
Resmungando que deveria parar de beber, Dario enfiou a mão de baixo do saio de sua túnica vermelha, erguendo um pouco o tecido para se aliviar. Antes de conseguir, porém, escutou algo alto, que chamou sua atenção.
Pensou que estava muito bêbado, quando foi surpreendido pela presença de três Pais Divinos caminhando pela rua iluminada pelos postes de luzes neon.
Espiou com atenção para os homens vestidos nas roupas dos sacerdotes, grandes kalasiris adornados de costuras douradas como ouro, que acreditavam proteger contra os espíritos que caminhavam em Tammera. Havia alguns anos que Dario não via um sacerdote como aqueles. A última vez, estava no pior lugar daquele mundo: Tathra.
Pelo que sabia, Pais Divinos não iam a Sarco. Acreditavam que a tecnologia da cidade era heka, magia, o que diabos fosse, pagã.
— Oi, Dario — de repente, escutou uma voz feminina acompanhada de risadinhas.
Muito bêbado, o rapaz virou o rosto em direção ao corpo bonito de duas antropomorfas. Uma era uma talli, uma linda espécie de alienígena com um tom de pele azulado e que pintavam a pele com tinta azul por uma estética que os deixavam ainda mais lindos. A outra era uma kalede, com uma aparência adorável com seus olhos amendoados grandes, pele avermelhada como um salmão. Kaledes eram conhecidos pelo malabarismo na hora do prazer.
Dario sorriu de volta para ela, limpando-se após urinar, seguindo-as com pulinhos alegres.
— Meninas... — chamou, aproximando-se para jogar os braços nos ombros das alienígenas.
As garotas responderam com novas risadinhas maliciosas. Aquela seria uma noite maravilhosa.
Então, ao amanhecer, ele acordou preguiçosamente, sentindo a mão de uma alien em seu peito, e o pé de outra em seu abdômen. Mexeu-se confuso, cambaleante, recordando da noite anterior apenas ao se sentar de supetão. Dario riu com malícia, observando o corpo bonito da talli, em seguida notou as nádegas nuas da kalede deitada de bruços na outra ponta da cama. Realmente, kaledes eram muito mais do que contavam as lendas da taverna.
Ele riu com orgulho de si mesmo, sentindo emoção por conseguir provar o sabor de uma kalede pela primeira vez. Elas eram... difíceis, estava tentando cortejá-la há semanas. A extraterrestre estava em Sarcophagi há três meses, fazendo missões de reconhecimentos para uma companhia, uma guilda de aventureiros que lucravam extraindo recursos naturais da Floresta do Abismo.
A outra era sua amiga; uma talli linda, conhecida por adorar zophu — humanos. Geralmente, os humanos eram sempre os mais queridos por todas as espécies.
Ele sorriu, procurando suas roupas. Vestiu o uniforme militar, experimentando no meio da emoção de um cretino barato e conquistador da recompensa chamada ressaca. Seu estômago estava revirando.
Procurou pela garrafa de henequet que estivera bebendo noite anterior, encontrando no balcão da cozinha. A pegou, e deu um gole. Estava horrível. Na verdade, precisava de um café... Não, infelizmente não existia café. Naquele mundo, não. O que não faria por uma gota que fosse?
Dario bufou, abandonando a garrafa de barro, procurando a saída antes que as meninas acordassem e ele não conseguisse sair da cama. Ainda era um Centurião, tinha trabalho para fazer.
Deixou o quarto de hotel das aliens, dançando com felicidade — apesar da ressaca. Sentia-se muito bem — apesar da ressaca. Sua vida desde que desembarcou naquele mundo não era a das mais gentis, contudo, extrairia o melhor que pudesse —
Caminhando pela rua, vendo o mundo brilhar em um cor-de-rosa, Dario recordou-se sem querer de sua ida àquele mundo. O que fez voltar a realidade e sentir a ressaca incomodar.
Foi, talvez, há vinte e um anos? Fazia tanto tempo, que, vez ou outra, lembrava apenas de uma hora estar saindo de um cinema no ano de 1987, , em um piscar de olhos se viu furtado por um estranho cone de luz que o lembrava um arco-íris.
Dario ainda sentia o estômago revirar ao recordar de seu corpo inteiro ser feito em grãos, logo sendo refeito para lançá-lo para fora de um portão das estrelas em Arcádia. À volta encontrou o olhar de muitos soldados. Guerreiros, ele não tinha certeza, apenas percebeu que eram pessoas que usavam uniformes da Legião Romana.
Um cara muito bonito, perguntou seu nome. Quando disse que se chamava Nelson, teve o nome roubado, e se tornou um soldado raso na legião do grande desgraçado Augustus Tartarus Romulus por maldição e obrigação.
Dario era um preguiçoso, apesar de ter se adaptado muito bem, por questões de sobrevivência — havia visto o que acontecia aos desertores. Uma de suas primeiras missões foi a Campanha do Deserto, participando das Batalha Navais dos Oásis que foi um combate entre a Legião e uma coalizão rebelde shaikaah liderada por algum selvagem do deserto em Deshret, o Deserto dos Oásis.
Teve uns anos divertidos nas campanhas do deserto; fora até mesmo promovido. Com preço de caçar alguém especial: a Bruxa do Abismo. Uma pessoa que tornaria a Legião invencível caso seu nome fosse roubado.
Dezesseis anos depois, Dario nunca encontrou a Bruxa. Bem, suspeitavam que a curandeira ermitã, que vivia em uma cabana no meio da floresta, fosse ela. Mas era só uma mulher bonita, e não se parecia com uma bruxa. As bruxas são verdes, têm um nariz comprido e uma verruga cabeluda no centro. Com aquela mulher, ele tinha mais interesse em conquistar.
— Centurião!
De repente, caminhando pela rua pensativo, Dario saltou de susto ao voltar para a vida real. Mal havia percebido compenetrado em seus pensamentos, que estava esticando a mão para abrir seu escritório. Além da missão de encontrar a bruxa para a Legião, a companhia estava sendo paga para proteger Sarco, o que provia uma grande quantidade de dinheiro. Talvez por isso, Tartaro jamais o incomodou pelo atraso de sua missão.
— Bom dia, Varros — ele bocejou.
Varros vinha pela rua de terra batida acompanhado de Lucilas e Ilis — legionários rasos que estavam debaixo de seu comando. Foram soldados novos há dez anos, recém "abduzidos" pelo portão das estrelas que General Tartaro mantinha em seu controle. Foram enviados para treinarem ao comando de Dario, com aspirações de que se tornariam líderes em um futuro próximo.
Mas o Centurião os havia corrompidos, e os tornados bons amigos. Sempre enviava relatórios informando que não estavam prontos para sair de Sarco.
— Dario — Lucilas sorriu ao se aproximar e o cumprimentar com um gesto da legião, ao bater a mão no peito e se curvar. — Estamos indo à floresta matar um gato-esfinge que está prestes a se metamorfosear. Quer vir com a gente?
Enrugando a testa, Dario sacudiu a cabeça.
— Por que diabos me incomodaria em matar um felino esfinge? — bufou. — Tenho relatórios para escrever.
— Oh, cara — riu Varros, batendo de leve no ombro de Ilis. — Parece que o senhor não sabe, Centurião.
Ilis, uma fêmea com uma cara de cavalo e dentes grandes, uma alien da espécie cintaori, relinchou um risinho.
— Parece que ele não sabe, Luci, olhe para cara dele! — gargalhou Ilis. Dario ainda achava estranho ouvi-la rir.
— O que é que não sei? — disse o Centurião, confuso.
Os três patetas se entreolharam e começaram a rir.
— Os aventureiros estão falando sobre ter visto uma berenice — Lucilas soltou a língua. — Alguns acreditam ser uma linda nofret, que toma conta do gato-esfinge prestes a se transformar.
— Uma nofret? — Dario sentiu a voz afinar.
Nofret eram as criaturas mais lindas que qualquer homem teria o prazer em ver.
— Bem, talvez os relatórios possam esperar um pouco — Dario sorriu, sentindo os olhos quase se fecharem com seu sorriso de canalha interesseiro.
Seus companheiros desdobraram em gargalhadas.
— Eu também estou muito interessado — comentou Luci, erguendo um dedo polegar. — Estão avistando por uns seis meses na floresta, muitas vezes perto do Bosque da Bruxa.
— Ah — Dario arqueou as sobrancelhas. — Tem alguma coisa a ver com aquela mulher?
— Ninguém sabe — Ilis encolheu os ombros. — Na guilda da cidade, está até mesmo sendo tratada como uma lenda. Alguns falam que é linda, outros que uma fera caçadora. Mas, na verdade, ninguém tem ideia do que venha ser.
— E como irão encontrar tal... pessoa? — a empolgação de Dario murchou.
— Dizem que ela sempre está com um gato-esfinge — Varros assentiu, após entreolhar os outros dois. — Recebemos um relatório de aventureiros que voltaram essa amanhã da floresta, que informam ter visto o esfinge caçando perto do Bosque da Bruxa. Estamos indo para lá.
Dario conferiu se o gládio estava inteiro em sua bainha. A vida em Sarco não era pacífica, mas algumas vezes havia deixado a espada enferrujar por mal usá-la. Entrara muito raramente na floresta, de modo que estava pouco acostumado a lidar com as feras ou as assombrações.
Por uma nofret, ele entraria no inferno sem pensar duas vezes.
— Estou curioso — comentou, sorrindo. — O que for essa pessoa, certamente precisamos averiguar se não representa perigo a Sarco.
Seus imediatos pareciam ter o mesmo raciocínio, embora também alimentados pela curiosidade de uma lenda urbana.
Algum tempo mais tarde, Dario e seus legionários caminhavam em silêncio em meio ao mato e lama. Como o Centurião lembrava bem, a flora da floresta pareciam uma queimada, e os ruídos além das árvores cinzentas era como a trilha sonora de um filme de terror. Aonde iam, aparecia o cadáver de algum aventureiro que deu o azar em topar com um predador residente dos bosques assombrados.
Dario tomou sua posição de costume à frente, quando a pequena patrulha passou pelos crânios no portão do Bosque da Bruxa. A linda Bruxa havia lhe dito que eram apenas para afugentar os cobradores de impostos e os curiosos indesejados. Dava um aspecto assustador, mesclado ao clima pesado da floresta.
Avançaram ao longo de uma trilha de caça, coberta com rastros de sangue seco e ossos de animais. O orvalho da manhã, pingava por todo lado, sobrepujando os sons assustadores e os sussurros aterrorizantes dos demônios procurando corpos.
Um pouco mais à frente, ao fazer sinal para Ilis ficar em sua retaguarda, Dario passou por um córrego que estava em plena cheia, forrado de folhas e pedaços de madeira, mas o Centurião parou no meio do caminho com as sandálias mergulhadas na correnteza barrenta e escura. Sua atenção nadou em direção à sua esquerda. Quando puxou a espada da bainha, pensou ter escutado uma risada.
Não pensou que eles iriam encontrar o que procuravam tão cedo.
Ele sorriu com antecipação, colocando o dedo na boca, pedindo para seus imediatos fazerem silêncio. Fez um gesto com a mão, uma comunicação militar com gesto, para que ficassem onde estavam enquanto ele arriscaria o pescoço para averiguar primeiro.
Cauteloso, Dario avançou com o máximo de cuidado possível. Quase pisou em um galho seco, mas ergueu o pé, pousando com cuidado no chão cheio de lama negra. Ergueu o pescoço, lembrando-se que para lá, existia uma fonte de água quente. Rumores na cidade diziam que era onde a Bruxa cozinhava suas vítimas em rituais de sacrifícios humanos, banhando-se no sangue morno espalhado pela água.
Dario bufou, abaixando-se atrás de uma moita, com cuidado para não desmanchar como cinzas. Aquele boato era uma mentira que a mulher que chamavam de Bruxa espalhou, para que ninguém se aproximasse de seu Bosque. As pessoas acreditavam em qualquer coisa.
Então, o Centurião se esticou ao escutar uma voz.
— Oh, Leão! Você voltou, gatinho!
Dario sentiu um arrepio passar por suas costas. Era a voz de uma mulher. Por alguma razão, recordou-se da doce voz de sua mãe contando-lhe quando era pequeno sobre um espírito feminino das águas doces em rios e fontes sagradas, ao estilo das sereias.
Curioso, Dario se perguntou se estava prestes a encontrar uma nova espécie de alienígena fêmea, e quão bonita seria.
Entretanto, ele foi surpreendido com a imagem de uma mulher humana. Como diria os aliens, uma simples zophet.
O estranho era que, com exceção da Bruxa, não existiam zophetu em Sarcophagi.
Desconfiado, ele esticou-se novamente, escondido para não ser detectado. A mulher estava de costas para ele. A fumaça da fonte termal cobria sua figura, mas a cortina fina de neblina não o impediu de vislumbrar completamente suas costas.
A boca de Dario caiu. Há duas décadas não ficara mais impressionado com as coisas que via em Tammera; mas ele se tornou completamente atônito.
Ela era uma mulher de corpo tão lindo quanto de uma nofret. Os cabelos desciam cumpridos, grudando molhados na pele cor oliva-escura que fluíam em uma cintura curvilínea, e ele sentiu o sangue inteiro prender em sua testa ao perceber suas nádegas descobertas.
Uma reação involuntária pulsou em suas regiões baixas, o que o fez arfar e levar a mão até a cintura. Engoliu em seco, voltando os olhos até a mulher.
— Você é um garotinho que vive fugindo, Leão — a mulher disse, rindo, apertando o gato-esfinge em seus braços.
Ela virou-se de perfil, e ele percebeu que segurava na mão o gato-esfinge dos boatos. Não tinha medo, pois a calda do animal estava quatro vezes o seu tamanho. A qualquer momento, se tornaria uma fera e devoraria qualquer um que estivesse à frente.
Dario desejou sair do seu esconderijo, mas recuou ao observar as regiões particulares da mulher, apesar de não ver apenas a perna grossa erguida em cima de uma pedra.
Seus seios não eram grandes, mas ele mordeu o lábio, com vontade de...
O que diabos estou fazendo?, Dario gritou para si mesmo. Por um segundo, pensou que estivesse enfeitiçado. Sacudiu a cabeça.
Com o máximo de silêncio, ele não se moveu. Mas parou de espioná-la. Levou a mão as suas regiões inconvenientes pela situação, e quis se chutar. Dario era um canalha, mas gostava que as pessoas estivessem de acordo comum para sentir uma ereção como aquela.
Se encolheu, esperando que passasse. Precisou contar em antigo tammerata para conseguir desviar o foco da mente. E como não conseguiu, levou as memórias até a sua ex-esposa.
Aquela sensação de que era o maior bastardo do mundo o murchou feito um balão. Culpa arranhou em seu coração, e ele quase chorou de desgosto consigo mesmo.
Respirou fundo, espiando por cima do ombro. A mulher não estava mais no interior da fonte termal. Ele precisou se abaixar para espiar pelos galhos dos arbustos, e percebeu que ela estava vestindo-se.
Não querendo perdê-la de vista, Dario não percebeu um galho seco estalar debaixo de seu pé.
Num segundo que continha toda a sua vida, ele sentiu-se paralisar feito um pedaço pedra.
— Eu escutei você! — a mulher gritou.
Paralisado e agachado enquanto se equilibrava em uma perna, Dario sentiu como se um soco à distância o tivesse acertado. Ele foi jogado para trás, batendo a cabeça no chão. Por um segundo, pensou ter recebido um golpe de uma pedra e agora estava vendo passarinhos rodarem em formas de orbes de luzes no seu campo de visão.
— Estava me espiando tomar banho? — a voz de uma mulher espantou os passarinhos.
Assustado, Dario levou a mão ao cabo de seu gládio,que caiu ao ser jogado para trás. Tateou o chão, porém, viu um pé femininochutar sua espada para longe. Olhou para cima, zonzo, notando a figura de umrosto tão lindo que pensou estar vendo uma fada.
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Henequet significa cerveja.
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