C A P Í T U L O 17
Como uma boa esposa
Juro que por um momento pude sentir a minha vida se esvaindo de mim, morosamente. Ou seria aquela ardência súbita misturada ao frio do meu ventre, que estava se espalhando por todo o meu corpo? Não era justo que apenas aquele olhar refletisse tantas promessas e me despertasse sensações tão atordoantes.
Não tardou para que eu sentisse a mão do Nicolae envolver a minha, puxando o meu braço até encaixá-lo ao seu. Reparei que no mesmo segundo, Anton olhou para ele como se o mais novo fosse um carneiro pronto para ser sacrificado, ao passo que, Nick não parecia se importar, pelo contrário, com a sobrancelha arqueada, sorria maquiavelicamente para o irmão. Aquilo me desesperou tanto, que me deixei facilmente ser guiada para a porta dupla de vidro que ficava do lado direito do saguão.
Pelo menos estávamos nos afastando, antes que ele pudesse fazer qualquer coisa.
― Nick, vamos embora? ― Praticamente supliquei, porque quanto mais rápido saíssemos dali, mais chances tínhamos de sobreviver.
― Ora, sweetie, ainda é cedo, e um agradável coquetel nos aguarda. ― Será que ele não via que não era um coquetel, mas sim, um terrível matadouro que nos aguardava?
Olhei à nossa volta à procura de alguma rota de fuga. Fora a porta de entrada e as cinco portas largas que levavam para algum lugar, não havia nenhuma outra. O lugar ia se enchendo aos poucos, pessoas finamente vestidas, faiscando com suas joias, sedas e artigos de luxo, passavam por nós e se espalhavam pelo salão entre as dezenas de garçons que circulavam com aperitivos e borbulhantes taças de champanhe em suas bandejas. Uma suave música instrumental tocava ao fundo, e se misturava ao burburinho e risadas crescentes.
― Relaxe, minha cara, e aproveite o seu império ― tagarelou Nick fazendo um círculo no ar com o dedo, antes de capturar duas taças de champanhe de um dos garçons.
― Não mesmo. ― Balancei a cabeça negativamente, ainda muito assustada, não sabendo assimilar aquela tensão. ― Não é meu.
Mal tive tempo de elevar minha mão para pegar a taça que Nick me oferecia, pois naquele exato segundo, senti cinco dedos envolverem o meu braço e, discretamente, me arrastarem para longe dele. O meu cérebro só conseguiu processar o que acontecia, por causa do calor latente, e daquele cheiro inigualável e afrodisíaco que vinha do vulto imponente ao meu lado.
Seria o meu fim, eu estava sentindo.
Ainda assim, não me opus e nem tentei puxar o meu braço de volta, pelo menos estávamos nos distanciando do Nicolae, e até então, não haveria riscos de ele ser assassinado. Esse foi o segundo momento da noite em que o tempo pareceu parar. As pessoas abriam caminho para que passássemos, nos analisando com um singular interesse, e apesar de estar em pânico, me empenhei em sorrir para que não percebessem o que de fato acontecia.
Anton me arrastou por uma das cinco portas, as quais descobri que davam para uma espécie de área externa generosamente abraçada por um refinado jardim. Olhei para os lados e vi que não havia mais ninguém por perto, e isso me revelava que a minha situação era mais do que séria. O que ele ia fazer comigo ali? Na exasperação, comecei a falar o que me vinha à cabeça.
― Anton, não quero brigar. Eu nem queria vir ou estar aqui, mas o Nick praticamente me intimou, e eu fiquei tão pesarosa com o que aconteceu na última quarta-feira, que não tive como me opor ao pedido dele. ― Por fim, Anton parou e me soltou, mas continuei falando freneticamente para que a minha mente não absorvesse aquele olhar incisivo, e se esquecesse de todas as palavras. ― Antes que você me acuse, saiba que eu jamais teria algo com seus irmãos estando casada com você, mesmo que não tenhamos nenhuma relação. Nunca tive nenhum interesse no Nicolae, no entanto, realmente gosto dele, mas gosto como um irmão mais novo. Então, seja lá qual for a sua implicância comigo, não sobreponha a ele, porque não é justo!
Calei-me e esperei.
Esperei uma bronca, uma provocação ou alguma ameaça dele, mas nada veio a não ser o silêncio sustentado por aquele olhar profundo que me enlouquecia ao ponto de me fazer querer correr, fugir, mas também agarrá-lo e beijá-lo. Desviei meus olhos para o jardim e abracei a minha cintura, porque, sinceramente, eu já estava envolvida demais, e não tinha a mínima experiência necessária para lidar com homens, e muito menos com Anton Skarsgard.
― Certo ― falei tentando me manter firme, pois estava cada vez mais difícil conter os nós de trepidações que se espalhavam pelo meu corpo. ― Não se preocupe com a minha presença, estou indo embora agora.
Saí em direção ao salão, mas foram poucos os passos que dei até sentir a sua mão me segurar o braço outra vez. Paralisei, a cabeça baixa, e a tensão dos meus músculos se intensificando ao ponto de me deixar quase dormente.
― Sr. Skarsgard ― ressonou uma voz masculina. Elevei meus olhos para o homem parado à porta, encarando o chão e aparentando um pouco embaraçado. Reconheci os cabelos castanho-claros, a barba rala e a aparência jovem, de um dos vampiros que havia aparecido no saguão central ao lado do Anton. Se eu não estava enganada, segundo o Nicolae, ele era o assistente. ― Desculpe-me incomodá-lo.
Em um gesto que me deixou tão surpresa quanto confusa, Anton me puxou para perto do seu corpo, mantendo a sua mão ainda presa ao meu braço. Permaneci imóvel, apenas apertando a minha bolsa nervosamente entre as mãos, enquanto sentia a intensidade daquele contato me preencher e arrepios em forma de calor rastejar pelo meu corpo.
― O que foi, Francis? ― O vampiro, um tanto hesitante, deu três longos passos, parando a mais ou menos dois metros de distância. Um olhar rápido foi dirigido a mim, seguido de uma tímida e educada reverência.
― O Sr. Ruy Cuevas insiste em conhecê-lo, e se me permite dizer, acredito que seria adequado uma troca de cumprimentos, visto que, ele é o nosso maior cliente da América Central.
Senti a calidez de um suspiro impaciente em meu ombro, e logo aquela voz severa reverberou em meus ouvidos.
― Preciso de alguns segundos. ― Francis anuiu sutilmente e saiu tão rápido quanto havia aparecido lá.
― Me solta, Anton, eu vou embora ― insisti, e agilmente ele me virou de frente para ele.
― Não vai não. ― Ótimo, agora a briga ia começar de vez. Meu peito bateu forte, minha respiração ficou retida, e eu não saberia dizer se era por causa daquele maldito toque que começava a me queimar, da voz rouca e autoritária ou ainda da esperança de alguma coisa que refletia através dos seus olhos. Uma trégua, talvez? ― Já que veio, ficará ao meu lado e se comportará como uma boa esposa.
― Co-como? ― Eu só podia ter ouvido errado. O que ele pretendia fazer? ― Isso é algum castigo?
Anton inclinou a cabeça para baixo em direção à minha, ficando tão próximo eu podia distinguir cada um dos seus longos e perfeitos cílios. O que era isso agora? Quase perdi o meu senso de equilíbrio vendo aqueles olhos fixos à minha boca.
― Tenha cuidado com essa boca atrevida lá dentro ― advertiu ele, sem pressa, como se para que eu o entendesse bem, e continuou em um tom ainda mais aveludado. ― Todos os olhos e ouvidos estarão voltados para nós, e caso esse seu radarzinho de fada esteja com problemas, saiba que há inúmeros vampiros lá dentro que poderão ouvir tudo.
Tudo bem, agora eu estava ainda mais assustada. O que tinha dado nele? Nunca imaginei que pudesse mencionar algo sobre o nosso casamento para as pessoas do seu meio, e muito menos me apresentar como sua esposa. Anton soltou o meu braço, e rapidamente dei um passo para trás. Era preciso manter uma certa distância para tentar entender o que aquele louco pretendia. Exalei todo ar de uma vez, considerando que deixara de respirar por pelo menos os sessenta segundos anteriores, então forcei o meu cérebro privado de oxigênio, a voltar a usar as minhas cordas vocais.
― Só me explica o que você quer, porque acho que ainda não entendi. Por acaso nós vamos fingir ser um casal?
― Entendeu sim ― respondeu ele apertando os olhos, talvez estivesse um pouco confuso com o meu rápido afastamento. ― É só ficar calada e sorrir.
― Pensei que não gostasse de fingimentos.
Muito lentamente, as suas íris se cobriram com um faiscar enervado, Anton levantou uma sobrancelha e diminuiu a distância entre nós outra vez. Mas, ao invés de me afastar, apenas elevei o queixo e mantive meus olhos tão ousados quanto conseguia sustentar diante daquela expressão.
― Quem irá fingir, fada? Pelo que eu saiba, somos casados e você é, de fato, a minha esposa. ― Eu teria rido das suas palavras, se não estivesse tão nervosa e atônita. O ouvindo falar assim, até parecia que éramos realmente um casal perfeito e feliz, mas essa imagem não poderia estar mais distante da verdade por detrás de tudo.
Senti sua mão pousar nas minhas costas, e sem que eu pudesse protestar, passei a ser levada em direção à porta.
Certo, eu não fazia ideia do que estava acontecendo com ele, e também continuava não compreendendo nada, mas se isso me livrasse de um castigo, então me comportaria como uma legítima Sra. Skarsgard. Muito provável que era esse o castigo e eu apenas não estivesse conseguindo pensar direito para perceber, no entanto, eu não podia esconder a minha curiosidade em saber como nos sairíamos como um casal, mesmo que fictício.
Eu deveria me culpar por isso? Por desejar me submeter às suas loucuras sem pensar nas consequências? Não havia explicações razoáveis, eu nem sequer conseguia discernir o certo e o errado em sua presença, mas ele tanto me assustava com toda a sua excentricidade, quanto me promovia a coragem e ousadia. Eu não só não temia os riscos, mas como também me sentia atraída por eles, e forte o bastante para enfrentá-los ao lado dele. Parecia que uma parte minha sempre o desejaria por perto, não importa o que acontecesse ou como eu me sentisse.
Anton me conduziu de volta para dentro do salão, que agora se encontrava ainda mais cheio. Aproveitei para correr meus olhos por ali à procura do Nick, mas para o meu alívio, não consegui encontrá-lo em nenhum canto. Era melhor assim, pois não haveria perigo de ocorrer alguma briga entre aqueles dois.
Um pouco menos aflita, pude reparar melhor no lugar, era discreto, harmonioso e opulento. Lustres modernos resplandeciam sobre as cabeças elegantes dos seletos convidados provenientes da mais alta classe, era quase possível sentir o cheiro de dinheiro impregnado neles. Se antes aquelas pessoas apenas nos observavam, agora nos olhavam como se a extrema curiosidade os tivesse enfeitiçado. Não gostei daquilo, honestamente, eu nunca gostava de chamar a atenção, e a tensão voltou a aumentar quando senti a mão do Anton descer, e seus dedos me abraçarem a cintura.
Droga, aquela mão não estava ajudando a segurar o sorriso de quem estava muito bem.
Naquele momento, Francis apareceu ao lado do Anton falando alguma coisa que não consegui ouvir, e logo fomos guiados por ele, até um senhor rechonchudo, de cabelos grisalhos e óculos de grau, que ao ser apresentado, nos cumprimentou com um carregado sotaque castelhano. Como mencionado anteriormente pelo assistente, este era o tal Ruy Cuevas.
O homem de voz grossa falava sem parar com exagerado entusiasmo e vaidade, e parecia que à cada palavra que Anton lhe dirigia, inflava ainda mais o seu ego, como se esse simples fato o fizesse se sentir muito importante. Ele não demorou para ser dispensado, e nem se preocupou em desfazer o sorriso tolo de satisfação, enquanto era discretamente afastado pelo Francis. Era inacreditável a facilidade que o Anton tinha de fazer as pessoas se comportarem como bobas perto dele.
Um garçom logo se aproximou oferecendo as duas únicas taças de sua bandeja, uma com o que deduzi ser BlackOpus e a outra com champanhe. Anton pegou as duas, me entregando a com o líquido citrino, e tão rápido senti a sua mão ardilosa voltar a pousar na minha cintura, mas desta vez, ela havia sido mais ousada, e deslizado para o meu quadril.
Ah, droga.
Havia a fenda, e a sua mão se acomodou justo ali, na minha pele exposta. Foi instantâneo, eu tremi. Tremi por dentro, porque todas as minhas terminações nervosas pareciam se concentrar unicamente ali, e eu não conseguia pensar em nada, senão no crescente ardor que aquele ponto irradiava para todo o meu corpo.
― Anton... ― murmurei baixinho virando o meu rosto para olhá-lo. ― Você precisa fazer isso?
― Isso o que, fada? ― Havia uma certa nota incitadora em sua voz, mas eu sabia que ao contrário de mim, Anton não devia estar sentindo nada, muito provável que para ele, encostar em mim, seria o equivalente a apalpar um objeto qualquer.
Diminuí ainda mais a minha voz, me aproximando do seu ouvido.
― Me tocar assim.
Ruy Cuevas
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