Expresso
Desceram as escadas da entrada do metrô com velocidade. Não sabiam se foram avistados por algum outro policial quando saíram.
O lugar estava cheio. O metrô de Oregon é sempre assim. Seria fácil de se misturar dentro da multidão, caso haja uma perseguição.
Charlie parou no penúltimo degrau da escada. Alexander percebeu sua ausência alguns passos à frente. Ele fita o garoto parado. Parecia cansado. Muito, para falar a verdade. Alex tira seu moletom, ficando apenas com uma blusa fina de manga comprida. Se aproxima do menino e o envolve com a sua peça de roupa que acabou de tirar. Em seguida, pousa o braço em volta dos ombros do menor, o puxando para si. O menino se espanta com a ação do rapaz.
-Temos que pegar a primeira linha agora - Alex diz, enquanto caminha junto a Charlie para a bilheteria.
- Para onde vamos? - Aquela voz o encanta. É calma e relutante. Como se aquele garoto tivesse medo de falar.
Como se tivesse medo dele.
Alexander tinha que mudar isso. Charlie deve confiar totalmente nele, como manda Theodore Vitae. Quem teme, não confia. Isso não pode acontecer.
- Vamos para o Condado de Beaverton - Diz abrindo um leve sorriso - É a parte da periferia. Você vai gostar.
Charlie tenta abrir um sorriso em resposta.
Caminham até a bilheteria do metrô. Charlie sem se afastar de Alexander em nenhum segundo. Pela quantidade de pessoas que estavam no local, a fila para comprar a passagem estava bem menor.
- Boa noite, senhor - Diz a mulher já de idade dentro da cabine - No que posso ajudar?
- Duas passagens no expresso para Beaverton, por favor - Responde devagar e objetivo.
- Forma de pagamento? - Pergunta ainda com os olhos presos no computador a sua frente, digitando o pedido na central do metrô.
Alexander se lembra de quais palavras Vitae disse antes que saísse do grande escritório.
"Deixe que cuido da parte dos gastos que acarretarão"
Ele realmente cumpriria essa parte?
- Eu... Theodore Vitae disse que... - Era algo difícil de explicar. E se ela negasse?
Mas, ao ouvir o nome do cientista, ela levanta o olhar para o garoto de vinte anos a sua frente. Parecia o analisar.
- Alexander Grace? - Ela pergunta. Ele simplesmente assente - Sim, fui comunicada que sua conta foi paga pelo senhor Vitae. Aguarde um instante, por favor.
Depois de digitar mais algumas palavras, ela pressiona o "Enter" do teclado, fazendo com que os tickets para a passagem fossem impressos.
- Tenha uma boa viagem, senhor Grace - Disse enquanto Alexander puxava a passagem das mãos da atendente.
Então saíram da fila, que estava começando a encher atrás deles. Por sorte chegaram na bilheteria quando estava quase vazia. Seguiram em direção às catracas, andando pelo portão leste. Estavam adentrando a Estação Haven em Portland, a maior cidade de Oregon. Um lugar bem limpo e cuidado, apesar das milhares de pessoas que passam diariamente naquele subterrâneo. Todos os estereótipos, conhecidos e desconhecidos, estavam visíveis por entre aqueles corredores da enorme estação. Alexander observou o ticket em suas mãos enquanto esperava Charlie passar pela pequena passagem giratória. O garoto menor não soltou a mão esquerda de Alex em nenhum momento desde quando chegou. No papel que Grace segurava estava escrito que seu transporte chegaria a qualquer momento. O poder do expresso.
O maior continuou a entrar na estação, sendo seguido por Rain a todo momento. Charlie observava tudo com atenção e temor. Nunca tinha saído dos limites da fazenda de seus falecidos pais. Aventurar-se na Floresta 09 era bem melhor do que num dos maiores pontos de encontro dos habitantes de Oregon.
Era medo o que Charlie sentia. Medo do que poderia acontecer. Medo do que poderiam fazer contra ele.
Ou contra Alex.
Ele sentia uma leve sensação de segurança próxima ao telepata. Como se, pela primeira vez, tivesse feito um amigo. Alguém com quem possa confiar.
Então o metrô chegou. Uma grande locomotiva cheia de máquinas, todas feitas de ferro. Um poderoso trem subterrâneo. O som de metal arrastando em metal se intensificava conforme o freio era acionado. Quando finalmente parou, suas portas de vidro foram abertas automaticamente.
Existia uma porta de entrada e outra de saída dos passageiros. Algo bem organizado, como se fosse combinado por semanas. Ninguém se atrapalhava. Conforme saíam, outros entravam. Charlie se achegou ainda mais próximo do braço de Alexander. Quando enfim entraram, apenas duas cadeiras, uma do lado da outra, estavam vazias.
Isso foi outro golpe da sorte.
Se sentaram enquanto esperavam que os outros passageiros entrassem. Charlie sentou-se a direita de Alex. O estofado azul do assento era bastante confortável. Sua textura lembrava couro. Eles permaneceram em silêncio, o que deu a oportunidade de meditação para Alexander. Ele fechou os olhos um pouco. Sentia-se cansado, e com total razão. Já tinha se passado das 23h e ainda faltava mais ou menos 40 minutos para chegarem na Segunda Estação de Beaverton.
"Nossa, que olhos diferentes aquele menino tem".
Essa frase simplesmente apareceu nos pensamentos de Grace. Sentiu como um sussurro. Abriu os olhos para procurar a voz feminina que a pronunciara. Avistou a dona do comentário na extremidade oposta do vagão. Essa era uma das ramificações do dom de Alexander; Ler pensamentos. Sim, ele podia ouvir e também falar pela mente. Controlava algumas ações, as mais simples, que a pessoa fizesse. Definitivamente, seus poderes não se comparavam aos de Charlie, mas foi treinado para saber usá-los.
"Que menino estranho"
"Aquele garoto parece um mutante"
"Parece assustado. Não me impressionaria se ele tirasse uma arma desse moletom e matasse todos aqui"
Quanto mais se concentrava nos rostos das pessoas presentes, mais ouvia pensamentos indesejados e culposos. Já estava começando a ficar enojado daquela gente.
Olhou para seu lado direito e percebeu que o mais novo estava completamente incomodado com tantos olhares de dúvida. Não precisava do poder que Alex tem para saber o significado de cada um. Era aterrorizante. Tinha a sensação que cada olhar era como uma faca apontada para Rain.
Uma senhora, provavelmente próxima de seus 90 anos, estava passando no meio do corredor. Devagar e sempre. Ela já tinha bastante idade e ninguém parecia interessado em dispor seu assento para a velha mulher. Alex teve um rápido plano. Se levantou e permitiu que a senhora, que o agradeceu de prontidão, pudesse se sentar.
Em pé, ele se pôs na frente do garoto, segurando seu equilíbrio no suporte preso ao teto. Na posição em que estava, ficava bem na frente dos olhares malignos que apontavam diretamente para Charlie. O menino parecia ter muito medo, mesmo sem os olhos o observando.
"Esse menino é um monstro"
Isso foi o cúmulo para a paciência de Alexander.
- O QUE É QUE PENSAM QUE ESTÃO OLHANDO? - Grita a frase para qualquer um no lugar, se virando em direção aos olhos carrascos. Todos se calam. Todos - VOLTEM A CUIDAR DA VIDA MISERÁVEL DE VOCÊS!
Então ele se vira de volta para o garoto. Estava sob uma aparência de espanto. Medo talvez de seu repentino surto de raiva. Alex se agacha e toca suas mãos nas pálidas e frias de Charlie.
- Está tudo bem - Sua voz sai num tom apaziguador. Alex puxa o capuz de seu moletom, que está sendo usado por Charlie, cobrindo toda a parte superior de sua cabeça. - Eles vão parar de te olhar daquela forma, certo?
O garoto apenas assente, relutante.
- Tente descansar um pouco, Charlie - Continua com o mesmo tom de voz - Ainda vamos demorar um pouco.
Depois de alguns minutos, parece que o mais novo cai no sono. Nenhum outro pensamento destruidor foi dado. Se foi, Grace estava ocupado demais observando o menino encapuzado na sua frente. O dia tinha sido mais cansativo para ele do que para Alex. Este o observou dormindo e percebeu que Charlie tinha alguns espasmos enquanto dormia, como um pesadelo. O telepata se concentra no fino rosto do menino pálido, a fim de entrar em sua mente. Já tinha feito isso tantas vezes nas outras pessoas que era praticamente imediato.
Mas dessa vez, não ocorreu como o previsto. Alex sentiu uma dor aguda e centralizada no centro de seu cérebro. Ele sentiu mais susto do que dor. Embora sentisse uma pontada dolorosa crescer em sua cabeça, notou que Charlie já não sentia as vibrações de antes.
Como se a dor que o pálido sentisse, tivesse sido transferida para ele.
As vezes, via um flash de algum tipo de memória perdida. Parecia um ser totalmente coberto por um branco brilhante. Mas essa sensação era cada vez mais distante, cortada em londos períodos de tempo.
Muitos minutos depois, cerca de meia hora, viu um flash que mais parecia um horrendo rosto vindo em sua direção. Automaticamente, caiu com o susto, fazendo Charlie ser acordado abruptamente também. Nesse exato momento, o metrô teve seu fim, chegando em seu destino.
A Segunda Estação de Beaverton.
Charlie teve alguns minutos de sono mas parecia bem melhor do que antes. Seguiu Alexander até a saída da estação de metrô. Conseguiram pegar um táxi até um hotel em algumas quadras de distância. Alex pediu ao atendente um quarto com duas camas e conseguiram. O lugar era bem mal planejado, mas de certa forma confortável. Uma das janelas estava totalmente escancarada, então o mais velho disse que dormiria lá, a fim de encontrar um maior conforto para Charlie.
O garoto pálido deitou na cama e, pelo cansaço, dormiu rapidamente sem nem mesmo ter percebido.
Alex não tinha sono apesar da exaustão. Estava pensando como seria dali para a frente. Para os próximos sete dias. Foi acordado de seus pensamentos por um movimento de Charlie.
Alexander se perguntou como alguém pode viver tendo pesadelos desde sempre, em todas as noites. Ele se levanta e vai na direção do garoto deitado. Puxa uma cadeira de madeira para a beirada da cama e se senta.
Começou a sentir aquela dor novamente. A mesma de alguns momentos atrás.
Tudo para fazer o garoto pálido sonhar.
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