Capítulo 1

O relógio marcava o tempo brincando com a paciência de David. Ele batia com os dedos acompanhando cada segundo e tentava não olhar para o derradeiro marcador de tempo.

Em todas as sessões anteriores, a espera sempre foi uma maldita pedra em seu sapato. Mas, ainda assim, o jovem não podia reclamar. Depois que começou a se tratar, a tontura e a dor haviam diminuído bastante e ele estava levando uma vida normal desde então. Sem crises nervosas, delírios e nem aquela pontada de dor que antes o acompanhava como um cachorro fiel.

David era uma rapaz de vinte e quatro anos que sofria crises nervosas e nada comuns desde os dezessete. Simplesmente, num belo dia, algum tipo não conhecido de delírio nervoso começou a se manifestar e a fazer parte da sua rotina.

Quando a coisa toda começou, ele morava com seus avôs em Paiva, minúsculo município de Minas Gerais. Uma cidade de mil e poucos habitantes jogada no meio do nada. Na época, os avôs ligaram a situação do neto a uma banalidade adolescente e não pensaram em procurar ajuda médica.

— É só birra do garoto, Marta. — Dizia o avô. — Está confuso com o que o futuro reserva e usa essas mentiras cabeludas como desculpa. O pai era assim na idade dele, lembra?

— Ai, Antônio. Mas o Flávio quando era novo não ficava falando coisas sem sentido de madrugada nem ficava gritando por ajuda como se alguém o estivesse perseguindo. O menino parece que endoidou. A gente tem que falar com ele.

E os avós falaram. Falaram tanto que ele acabou se acostumando com as dores frequentes e se culpando por ficar dando trabalho aos velhinhos por causa de uma fobia boba.

Até o dia em que tudo piorou. David começou a ter apagões repentinos e sempre que isso acontecia era tomado por pesadelos com criaturas tão assustadoras para ele que pareciam se tornar parte da realidade. Os episódios em que tinha essas crises dobraram e diversas vezes, durante os ataques, ele berrava e dizia estar vendo inúmeras formas estranhas caminhando sobre as paredes e o teto de onde estava pouco antes de desmaiar.

Realmente preocupados, os avôs de David o levaram ao único especialista da pequena cidade. Para o doutor Ramon, seu problema era completamente neurológico.

— Acredito que o problema do guri seja completamente neurológico. — Ele disse aos avós após analisar uma tomografia. — Só um diagnóstico e um tratamento mais complexo poderá fazer algum efeito.

Seu avô, num ato de desespero — ou para se livrar dos gritos de horror e medo que era obrigado a ouvir todas as noites — decidiu mandá-lo para a capital, alegando, com o reforço do doutor Ramon, que lá ele teria o melhor tratamento possível.

Alugaram-no um apartamento em uma rua próxima ao Palácio das Artes, estrategicamente localizado ao lado do Hospital das Clínicas da Universidade Federal, famoso pelos estudos avançados em neurociência, e o cadastraram no programa de avaliação cirúrgica. David foi submetido a muitos exames e alguns tratamentos homeopáticos que haviam diminuído seu sofrimento. Agora, aguardava liberação para fazer uma cirurgia e acabar com sua agonia de uma vez por todas. Aquela seria sua última consulta.

Ele estava sozinho e impaciente na sala de espera. O lugar tinha as paredes brancas e o chão revestido de um piso cor de marfim. Num dos cantos havia um sofá de couro marrom em forma de "L", com dois lugares pendendo em cada vértice. David estava sentado numa das pontas. À sua frente, havia duas portas e do seu lado esquerdo, uma terceira, por onde havia entrado. O som do relógio, seu único companheiro no momento, tornou-se mais intenso.

"Meu Deus, vou ficar maluco se continuar aqui." — Uma gota de suor escorreu por trás de sua orelha e ele começou a ficar ofegante. — "Que demora é essa?" — Pensou enquanto batia com o dorso das mãos na lateral do sofá.

Uma das portas se abriu, mas David estava distante demais em seus pensamentos e não percebeu a jovem de avental branco, quase do mesmo tom que sua própria pele, surgindo na porta com uma prancheta nas mãos. Ela olhou para o papel e gritou numa voz alta e rouca:

"Sr. David Tamille?"

David voltou a si como se sua alma tivesse caído de uma altura descomunal em seu corpo.

"So... sou eu... Eu..." — Ele suava frio e seu coração dava pancadas em seu peito.

"Acho que assustei você, não? Perdão por isso." — a enfermeira esboçou um sorriso frio. — "Venha comigo, por favor. O doutor o aguarda."

Quando se levantou, David sentiu um pouco de tontura. Associou isso ao tempo que estava esperando e a fome, que havia batido forte. Como não comia desde a noite anterior por causa do jejum obrigatório para a avaliação, resolveu não falar nada.

"Desculpa pelo susto. — Ele disse. — Eu tava aqui faz muito tempo já e..." — Sem deixá-lo terminar, a enfermeira virou para a porta e disse.

"Seu exame estava marcado para as nove horas e conforme mostra esse relógio estamos sendo bem pontuais." — De costas para David, ela apontava para cima da porta. O relógio marcava exatamente nove horas.

"Consegue andar? — Ela perguntou virando-se para ele e olhando-o de cima a baixo. — "O senhor está bem pálido. Espere um momento que vou pedir para trazerem uma cadeira de rodas."

"Não, não. Eu consigo andar, sim." — Disse David endireitando-se enquanto caminhava a passos nada seguros.

Os dois passaram pela porta e entraram num corredor mal iluminado. Apenas uma luz avermelhada se esforçava para mostrar o caminho. David enxergava com dificuldade a mulher que o conduzia e o avental branco que ela estava usando tingiu-se de um tom vermelho escuro. Ele esticou o braço para tocar em seu ombro, mas ao mesmo tempo em que a enfermeira parecia estar próxima, percebeu que ela estava longe do seu alcance.

Ele começou a prestar atenção ao corredor, que se alongava como o interior de uma cobra rastejando, e teve a estranha impressão de que as paredes se expandiam e se comprimiam de forma quase imperceptível. Olhou para o teto oval e viu uma camada escura e úmida que cobria toda a parede. Era como uma gosma que emitia a luz de tom avermelhada que tomava o lugar.

"Que tipo de lugar é esse?" — Perguntou David para a enfermeira, baixando o olhar para ela novamente. O rapaz parou de caminhar e estremeceu. Não havia mais ninguém com ele ali. Estava marchando sozinho na escuridão.

"Alô, enfermeira! — Gritou para o túnel profundo. — Não estou te vendo, me espera."

David aguardou uma resposta. Em vão.

Olhou para trás na esperança de retornar pela porta, mas, para a sua surpresa, a situação era a mesma: a luz fraca avermelhada iluminando poucos metros de um túnel redondo e úmido. Depois disso, escuridão.

Sozinho naquele lugar estranho, David deu alguns passos em direção ao que antes era a saída e parou novamente. Por um motivo que não sabia explicar, resolveu continuar na direção que estava seguindo com a enfermeira.

Começou a caminhar, pisando com cuidado, como se o chão fosse ceder a qualquer instante. Depois de alguns minutos andando sem parar, pensou ter visto ao longe o vulto da recepcionista, mas logo tudo se tornou escuro de novo.

Enquanto avançava, David sentiu algo se mover atrás dele e se virou. Apertou os olhos para tentar enxergar melhor, mas só viu a profunda escuridão. Mesmo assim, continuou com a sensação de que alguma coisa se aproximava. De repente começou a ouvir um barulho, um tec-tec estranho que quebrava o silêncio do túnel onde estava. Um arrepio desconfortável subiu pela sua espinha.

Quando conseguiu ver a sombra do que o espreitava, sentiu que suas pernas iam desabar. Não caiu, mas também não conseguiu correr dali, estava paralisado pelo medo. Ouviu um barulho vindo do teto e olhou para cima, o terror envolvendo seu corpo.
E foi então que, com horror, ele viu, no alto daquele túnel, movimentando-se devagar, uma criatura.  Um amontoado redondo de carne branca brilhante, com alguns pontos negros que formavam o que pareciam ser os olhos. A coisa andava lentamente sobre patas finas como gravetos, seis ou sete, David não conseguiu contar.

"Meu Deus... Oh, meu Deus!" — David conhecia aquele monstro. Já havia visto aquela coisa horrenda antes. Era a mesma que via em todos os seus delírios.

"Mas é tudo tão... tão real. Eu posso sentir que é real. Como?"

A coisa grotesca, começou a emitir um ruído estranho, como um chiado de rádio fora de frequência, e acelerou o trote em sua direção.

David tentou acompanhar o movimento da aberração com os olhos. Em vão. Quando a criatura o atacou já era tarde demais. Ela correu pelo teto e desceu pela parede lateral logo atrás dele. Antes que pudesse perceber, ele sentiu as patas pontudas subindo pelo seu corpo, como agulhas perfurando sua pele, e quando ela chegou perto de seu pescoço, exibiu um enorme ferrão e desferiu um golpe em cheio na sua orelha. David sentiu o ferrão penetrando no seu ouvido e gritou.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top