CAPÍTULO 01 - O início da minha ruína pessoal

— Você quer fazer o favor de escolher logo isso?

Minha amiga de anos e única pessoa que teve a coragem de dividir um apartamento comigo, Antonella, reclamava na parte central dos provadores. Eu sabia que estava vestindo o quinto vestido, mas ainda não me sentia satisfeita. Alguma coisa na data de Ano-Novo me deixava esperançosa e em pânico ao mesmo tempo. E isso não podia acontecer sem uma roupa que expressasse a mesma coisa em mim.

Abri a cortina do provador em que estava junto com uma pilha de peças, logo avistando Antonella jogada em uma poltrona. Seu cabelo vermelho fogo contrastava com a sua roupa formal demais, com cortes de alfaiataria e tons neutros. Era quase um uniforme para deixar bem claro que toda a excentricidade da minha amiga não interferia no seu profissionalismo, já que fora do trabalho eram sempre plumas, tecidos prateados, mangas bufantes e qualquer coisa muito doida que estivesse na moda. Mas na moda das passarelas, sabe? Aquela que a gente nunca acha possível usar uma peça sequer.

— Não é novidade para você a minha indecisão sobre Ano-Novo — repeti o discurso que já fazia a ela há quase quinze anos. — Tudo tem que ser perfeito!

Sim, eu sou uma das pessoas malucas do planeta que acredita em Ano-Novo, transformação, ciclos espirituais, em qual quadrante a lua vai estar e tudo mais. Eu mapeio a cor ideal, as tendências e tudo o que for possível para me ajudar a ter um início de ano incrível.

Mas signos, bem... Signos eu não acredito.

Mais ou menos. Às vezes eu posso ser muito geminiana.

— Você já experimentou todos os vestidos da loja — a ruiva ainda me olhava entediada. — Vai pelo menos levar algo? Daqui a pouco só sobra meia hora para o almoço.

— Ainda não tenho certeza — observei dois vestidos no meio das falhas escolhas que tinha feito para experimentar. Estendi ambos para minha amiga. — Eu preciso de um para a virada e outro para segunda-feira, o primeiro dia da minha promoção. Vamos focar no segundo. Qual deles mais diz "sou muito foda e agora supervisora dessa merda toda"?

Antonella me olhou como se estivesse medindo cada palavra antes mesmo de as dizer. Eu já sabia bem o que viria.

— Maitê, eu adoro a sua animação e você é uma ótima arquiteta, mas...

— Mas o quê? — minha amiga fez aquela cara que eu odiava. Exatamente a cara de quem mordeu a língua para não falar demais. — Mas eu não deveria acreditar no que aquela taróloga disse? Ela acertou o meu ano inteiro!

Antonella revirou os olhos — Não lembro dela acertando a sua perna quebrada em fevereiro.

— Aquilo foi uma escolha errada — coloquei o vestido número 1 na minha frente, posando em seguida. Antonella fez um 'sim' com a cabeça. — Raio de Sol me avisou sobre escolhas erradas mudando o meu caminho.

Antô bufou alto. Já tínhamos discutido sobre a mulher que vi no início do ano. Eu tinha ficado impressionada, mas isso porque as coisas realmente batiam. Só que ela, Nicolas e Tomás (o restante do nosso quarteto) insistiam que a taróloga não passava de uma charlatona barata.

E eu tinha culpa da mulher escolher se chamar Raio de Sol? Nome ridículo não define uma pessoa ou seu profissionalismo.

— Você é maluca — Antonella disse sem emoção, como se não estivesse disposta a discutir novamente sobre aquilo.

— Sim, eu sei — balancei os vestidos mais uma vez. — Agora pode me ajudar a escolher um? Esse aqui foi um 'sim' verdadeiro ou de quem quer ir logo almoçar?

Não era tão difícil achar vestidos de festa na capital do Rio de Janeiro, mas depois da minha última consulta com uma mulher aleatória que leu a minha mão na praia, meus padrões tinham se elevado. Durante toda a semana, Antonella e eu já tínhamos rodado todos os bairros da zona sul, do Leblon a Botafogo, e eu simplesmente não me sentia satisfeita.

Por fim, não escolhi nenhum dos dois. Para a promoção era um capricho, mas precisava urgente achar algo novo para vestir na virada do ano. De acordo com a mulher da praia isso faria total diferença na minha jornada.


Saímos da loja já chamando um táxi. Como toda quinta-feira, seguimos para um barzinho antigo e escondido no centro da cidade, onde era o nosso almoço de toda semana com Nicolas, o irmão gêmeo de Antonella, e Tomás. Nós quatro crescemos juntos no interior do estado do Rio de Janeiro e, quando saímos de casa para estudar e trabalhar na capital, nos mantivemos juntos. 

Respirei fundo ao sair do carro, já imaginando que provavelmente todos estariam bem putos com a demora. Avistamos nossa mesa de sempre e nos aproximamos às pressas. Nicolas exibia o mesmo olhar entediado de Antonella na loja. Tinha dias em que eles pareciam irmãos gêmeos até demais.

Ele estalou a língua assim que sentamos nas cadeiras vagas.

— Estava pronto para ir embora.

Revirei os olhos — Era uma emergência.

Ele mal se importou — Duvido muito.

— Não estou nem aí se acredita ou não.

Seu sorriso era cínico — Ótimo.

Antonella já parecia estressada novamente.

— Vamos parar e pedir logo esse almoço?

Nicolas cutucou mais uma vez — Quase jantar...

Tudo o que fiz foi pegar o cardápio de sua mão, de forma bem dramática.

Assim como conhecia Antonella desde sempre, também conhecia Nicolas. Já que eram irmãos costumavam ser inseparáveis quando criança. E, por Antonella ser minha melhor amiga, Nicolas acabava entrando no pacote.

E ao contrário do que possa estar pensando, não, a gente não se odeia. Essa parte da minha vida não é aquele clichê de ódio x amor. Até gostaria, mas não era assim que funcionava entre nós. Já tinha rolado uns beijos quando éramos adolescentes bobos e afobados, mas acho que ficamos desesperados por atravessar essa linha da amizade e nada mais rolou.

Na verdade, nunca nem falamos sobre aquele dia.

— Tomás ficou preso em uma reunião infinita. Vai faltar hoje — Nicolas puxou o cardápio de volta ao terminar sua frase.

Suspirei — Que pena, precisava daquela mala que emprestei há meses. Ele ficou de devolver hoje.

Nicolas franziu o cenho — Vai viajar depois da virada?

— Claro que não. Mas com a promoção vou ter que fazer ponte aérea em São Paulo com frequência.

O garoto me olhou esquisito, mas deixou passar.

Eu sabia que estava muito confiante, mas é porque eu deveria estar! Não apenas pelo que as cartas falaram, mas porque estava na hora. Trabalhava naquele escritório de arquitetura desde quando era estagiária e, com uma nova conta cheia de empreendimentos que tínhamos ganhado com a minha ajuda, tinha ficado bem claro quem pegaria o cargo de supervisão. Não tinha como dar errado, era a minha vez.

E era o jeito perfeito de fechar o ano e iniciar o outro com minha moral lá nas alturas.

— Você vai na festa com a gente? — Antonella cutucou o irmão que agora parecia concentrado na tela do celular. Ele acenou após beber quase metade de uma caneca de cerveja.

— Sim, Bruno vai comigo — Nicolas disse enquanto digitava alguma coisa.

Ah, Bruno... Eu tentava negar, mas ainda não tinha me esquecido como era delicioso tirar a roupa daquele garoto. Eu tinha três grandes fraquezas: altura mediana (nunca gostei de caras muito altos), barba por fazer e sorriso sacana. Bruninho era nível dois, um combo de altura com o sorriso que destruía qualquer plano que eu tivesse feito para não transar com ele naquele dia.

Nicolas odiava essa relação esquisita que nós tínhamos, mas desde que não se metesse nisso, por mim, ele podia odiar qualquer coisa.

O irmão de Antonella finalmente largou o celular na mesa, com o visor posto para baixo. Ele tinha aprendido aquela lição há anos, porque costumávamos olhar com quantas garotas ele falava ao mesmo tempo. E, claro, enchê-lo por isso.

Nicolas era sempre tranquilo, educado e ridiculamente paciente comigo e com sua irmã, mas ele tinha muitos problemas com relacionamentos. Desde que eu me entendo por gente nunca tinha o visto namorar sério. Já Tomás, seu melhor amigo e também parte do nosso quarteto inseparável, se apaixonava por alguma garota a cada duas semanas. Eram opostos bem engraçados de se ver juntos.

O garoto deu um pigarro e logo voltou a focar a sua atenção na caneca de cerveja.

— Ainda é o seu primeiro? — questionei sobre o copo.

Ele deu de ombros — Hoje é quinta-feira, Maitê. E quinta-feira é a nova sexta.

Admirava quem conseguia beber e depois voltar para o trabalho como se nada tivesse acontecido.

Nicolas parecia exausto e sua barba estava grande, coisa que era bem atípica. A roupa social permanecia impecável, mas seus olhos castanhos denunciavam que estava aliviado por hoje ser o último dia útil da semana.

— E essa festa? — Nicolas me encarou. — Tem certeza que não vai ser furada, Mai?

Eu odiava que as pessoas questionassem muito os meus planos. Tudo meu era planejado, visto com antecedência. Se engana você que eu não tenha vestidos para o Ano-Novo, eu tenho, mas preciso de mais opções para atingir o máximo do potencial para a virada. Dica da taróloga e da mulher da praia, já que violeta era a cor do próximo ano e infelizmente eu não tinha comprado uma opção naquela tonalidade.

— Pelo que vi de cardápio e bar vai ser um festão. Daqueles que a gente nunca poderia pagar, tipo no Morro da Urca.

O escritório em que eu trabalho sempre dá grandes festas chiques e podemos levar família ou amigos para participar. Esse ano tínhamos combinado de passar os três juntos, já que hoje era dia 30 e ainda estávamos trabalhando normalmente. Tomás iria viajar com uma garota (que tinha conhecido há duas semanas, então estava devidamente apaixonado) e seu grupo de amigos.

Ele concordou — E onde vai ser isso?

— Em um hotel caro de Copacabana. De frente para a praia — Nicolas pareceu surpreso. — O chefe quer impressionar alguns clientes que entraram. Só coloco vocês em boas! 

Antonella riu — Boas? A última festa que fomos com você era uma reunião para esquema de pirâmide.

Me arrepiei ao lembrar daquele dia.

— Aquilo foi um erro em tantos níveis — suspirei. — Confiem em mim, vai ser ótimo.

Nicolas sorriu assim que nossos pratos chegaram. Não era nada glamouroso, mas ainda assim a nossa comida preferida de boteco.

— Ótimo — ele pareceu relaxar. — Preciso ir vestido igual um pinguim ou posso ser eu mesmo?

Nosso almoço foi mais rápido que o normal e Nicolas me culpou durante todo o trajeto de volta que fizemos em um táxi, pois tinha obrigado os dois a quase engolir a comida para não me atrasar. Meu escritório ficava em Ipanema e o dele em Botafogo, então rachamos uma corrida até a zona sul. Antonella ficaria pelo centro da cidade mesmo, já que tinha um treinamento ali perto.

O restante do dia não seria longo, já que era o último desse ano, mas me mantinha apreensiva pela reunião que Ricardo, meu chefe, tinha deixado marcada para essa tarde. Iríamos falar da conta nova e, consequentemente, da minha promoção.

Assim que sentei em minha mesa, minha dupla, Saulo, que se sentava na baia a frente, chamou minha atenção.

— Achou no tom violeta? — sua voz saiu divertida, como se tivesse bebido no almoço igual a Nicolas. Ele era um dos poucos amigos que parecia entender as minhas superstições. — Por sua causa comprei uma cueca dessa cor, não estou podendo arriscar.

— Nada. Amanhã vou ter que correr — olhei para o relógio em minha mesa, perfeitamente alinhado com um caderno, um bloco de anotações, meu computador e outras coisinhas. — Ricardo já me procurou?

— Acabou de entrar na sala dele — Saulo indicou na direção de uma porta fechada, com as persianas também fechadas. — Boa sorte.

Me levantei da cadeira, passando as mãos pela roupa ainda bem passada. Respirei fundo e antes de andar até lá, troquei um cumprimento de mãos com Saulo, algo que inventamos anos atrás. Era uma esquisitice infantil, mas alguma coisa me dizia que me trazia sorte. 

Assim que bati na porta ela abriu, revelando meu chefe de meia idade. Ele tinha um sorriso no rosto e aquilo já era um alívio. Eu tinha certeza que a reunião era para boas notícias.

Ricardo logo fechou a porta de sua sala, ficando apenas nós dois. Era o meu momento, com ou sem vestido novo eu finalmente teria a minha ascensão dentro daquela empresa.

— Precisamos conversar sobre a entrada da nova conta — ele deu a volta na mesa, sentando em sua habitual cadeira grande demais. — Já falei que vamos abrir uma nova vaga para supervisor, não é?

Concordei de prontidão. Era o meu momento real!

— Sim, Ricardo — fingi achar tudo aquilo super casual.

Ele sorriu — Então, eu gostaria da sua aprovação.

Era agora.

Só que... Uma garota de aparência muito nova entrou na sala e rapidamente um grande ponto de interrogação tomou conta do meu rosto. Não era o momento para interrupções! Ou talvez houvesse gente nova no RH e eu não sabia? Claro que era isso. As coisas estavam sob o meu controle!

— Trazer gente nova, um reforço para esse período é importante! Cabeça fresca — meu chefe trocou um aperto de mão com a menina. — Ela se formou com a minha sobrinha, ótimos projetos.

Se ela formou com a sobrinha de Ricardo tinha, no máximo, vinte e quatro anos. Com essa idade e experiência seria ótima como assistente, mas aquela era uma apresentação bem esquisita.

As coisas estavam sob o meu controle?

— Entendo...

Me faltaram palavras para continuar quando o cenário negativo invadiu a minha cabeça. Bem, talvez ela fosse minha assistente, não é?

Era a minha última esperança, mas quando Ricardo abriu a boca para continuar a falar eu sabia que sim, tinha dado tudo errado.

— Maitê, essa é a Érica, a nova supervisora. Vocês vão se dar muito bem.

E foi assim que o trinta de dezembro ficou marcado como o dia em que a minha vida começou a dar sinais de que iria ruir.


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2395 palavras

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