C A P Í T U L O 42
Começou a nevar.
O sol frio se escondeu e flocos gelados de água despencam das nuvens. É tão leve que dança junto a brisa no ar. A neve cobriu o sangue e os corpos… enterrando-os como parte do passado.
E Camilla estava tão quietinha.
Talvez nunca estivesse tão quieta quanto naqueles momentos. Ela não saiu do chão; não conseguia. Seu corpo estava estável, mas seu olhar era fixo num ponto desconhecido e suas pernas estavam tão moles que fez Ghryamor a envolver em seus braços e carregá-la por quilômetros floresta dentro até o covil.
No caminho, ela escutou sirenes, abraçou o macho e escondeu seu rosto na curva de seu pescoço. Tão íntimo para um lhycan que sua respiração ficou pesada. Todos viram.
E então a escuridão no interior do Monte Sukakpak a envolveu. Os ventos de inverno não mais a alcançam. É como se o covil também a ajudasse a proteger.
Ghryamor a levou para o fundo, para uma escuridão tão total que Camilla o apertou. Mas foi momentâneo. Musgos e cristais biominuminecentes iluminam o chão de uma espaçosa caverna subterrânea. Lá havia duas pequenas nascentes que fluíam entres as rochas e gravidades. E foi naquele lugar que o homem acumulou e esquentou água numa banheira natural, a despiu e decidiu banhá-la.
Camilla está entre suas pernas e encostada no peito robusto. O macho lhe abraça com vontade e pousa a cabeça em seus ombros. Ninguém diz nada e apenas aproveitam a água quente depois de já estarem completamente limpos.
Ele a estava consolando. Acariciava e desembaraçava seus cabelos vermelhos com os dedos. Um ronronar suave preenchia o ambiente como uma música sem letras e ajudava a não deixar tudo tão… quieto.
A pele pode enrugar e o fogo que aquece a rocha abaixo deles como uma grande panela poderia cozinhar. Mas era aquele vapor e aquele corpo quente que a acalmava. Ninguém queria sair dali. Ele não queria deixar de consolá-la e ela não queria voltar ao mundo real.
O ronronar parou.
— Está com fome? — Grhyamor sussurrou.
Camilla confirmou com movimentos suaves da cabeça. Mas em seguida, se arrependeu e negou.
— Ah, meu amor, não podemos ficar aqui para sempre — Camilla fechou os olhos e se encolheu. — Está tudo bem, agora.
— Não, não está… — a voz dela saiu rouca. Mais do que deveria.
— Vai ficar — garantiu ele.
— Como?
— Sabe, Camilla, Você é uma puta…
— Antes era "meu amor" e agora é "puta"? — Ela interrompe.
— Está ofendida, ninfetinha? Não fique. Chamá-la de puta não é uma ofensa — Camilla enrijeceu o corpo.
— Se eu sou uma puta, você é um puto do caralho!
— Se puta é uma mulher que gosta e faz sexo com frequência, o que você é?
Silêncio. Camilla ficou quieta e um quase sorriso veio ao rosto de Ghryamor.
— Uma puta.
— E eu um puto do caralho.
Um sorriso fraco surgiu em Camilla. Já é algo. É o suficiente para tornar o abraço mais apertado e um beijo ser dado em seu ombro.
— Você é uma puta — repetiu Ghryamor — e uma mentirosa de duas faces.
— A forma como vocês consolam alguém é tão… diferente! — Camilla comenta.
— E estou errado? É isso que vejo quando te olho. Se lembra quando nos conhecemos? Você fingia estar magoada pela infidelidade do seu ex sendo que você era mais infiel que ele.
— Ah, aquele dia foi louco… — Ela murmurou.
— Você é uma puta, uma mentirosa ardilosa e uma mulher forte e independente que sempre tem uma resposta na ponta da língua. Mas também vejo sua outra face… Um lado fofo e amoroso que chora, se magoa, e necessita desesperadamente de atenção e afeto.
Camilla permaneceu em silêncio e fechou os olhos. Ghryamor respirou fundo e deixou seu peso cair parcialmente sobre o dela.
— E você quer atenção e afeto. Você quer alguém que te abrace assim… bem apertado, bem gostoso, que cuide de você e esteja ao seu lado. E então, que beije seu pescoço assim — Camilla se remexeu com a língua dele em contato com sua pele, com um beijo que sugou sua carne e um mordiscar excitante — porque você é uma safada e sempre será uma safada independente se for a puta de uma safada ou a safada dengosa — ele subiu o beijo pelo pescoço, puxando seu sabor e provocando os nervos. — E então, que chegue no seu ouvido de mansinho assim, oh… e diga: Está tudo bem agora. Enquanto estiver comigo, estará segura. Eu assumo daqui.
— E depois? — Ela murmurou.
— Depois trazer o seu rosto para perto assim… como agora e pedir para que abra esses olhinhos e revele sua face mais sensível. Aquela precisa ser protegida. — Camilla abriu os olhos. Não havia lentes para máscara seus sentimentos mais profundos. Era apenas o castanho escuro lacrimejando e transbordando tudo que ela aprisiona. Ghryamor acariciou sua bochecha. — Está tudo bem, meu amor. Chore e me abrace. Tenha seu momento e quando acabar, ainda estarei aqui para te beijar, pegar sua mão e te ajudar a voltar.
Camilla não aguentou.
Uma cachoeira caiu por seus olhos.
Toda a emoção reprimida. Todo o medo e o pânico que sentiu… e disfarçou com deboche, ironia e força desde que chegou ao Alaska.
Camilla deixou tudo sair.
Soluçou a culpa por ter atirado num homem e suspirou terror de ver não um, mas vários humanos mortos na sua frente. Ela abraçou Ghryamor com tanta força, como se ele fosse o refúgio que ela queria quando tentaram estuprá-la.
Quando só tinha uma porta e uma faca para se defender ou quando a amarraram numa cadeira.
Camilla chorou.
Sem parar.
Até o peito de Ghryamor ficar todo ranhento e ele nina-la como um bebê indefeso. E talvez fosse.
Camilla está ali, em meio a lobisomens com diversos tipos de assassinatos a rondando. Com policiais investigando o que houve em Barrow e agora, em Caldolf. Dois lugares em que ela esteve, dois massacres.
Ela expressou seu medo e suas incertezas naquele momento e Ghryamor cuidou e a consolou. E quando se acalmou, fez o que disse: beijou seus lábios, pegou sua mão e a ajudou a voltar para o mundo.
E assim passou o tempo.
Calmo, silencioso, agradável e tranquilo. Quando a noite caiu e o Alpha se aproximou de seu covil, buscou sinais de hostilidade ou qualquer coisa que pudesse estar errado. Mas não havia nada além de cinco machos na entrada do covil.
Um não pertencia ao bando.
E encarou a besta que surgia da escuridão com olhos arregalados e assustados. Estava nu e roxo de frio. O Alpha avançou sem hesitação, quebrando seus ossos e diminuindo o tamanho até estar completamente nu. O humano não respirou aliviado. Não quando há outro macho sentado em suas nádegas com o pênis o invadindo dolorosamente.
Todos ali estavam nus, mas apenas o Alpha não estava excitado. Ele encarou seus deltas e, em seu idioma materno, questionou:
— Onde ela está?
— Com Grhyamor — Respondeu aquele mais próximo, com os punhos ao redor do pênis e se estimulando.
Todos queriam punir Camilla por fugir. Porém, a fêmea não está em condições… mentais para isso.
— Ele a banhou e a alimentou — disse o outro macho encarando seu Alpha e parando de se tocar. O pênis ainda pulsava de atenção. — E então a bruma passou o dia na toca instruindo na construção de alguns tabuleiro e jogos humanos. Agora ela está jogando com os machos.
— Ela parece melhor — o primeiro comentou, também parando de se tocar — Mas ainda deve ser punida adequadamente. — ele ri — E ela não escolheu.
— Ainda — revidou o segundo macho com um rosnado desafiador.
Bháryox centralizou o olhar na entrada bem escondida e discreta para dentro do Monte Sukakpak. Ele não estava exatamente feliz… e sabia que a alcateia cobraria dele.
O macho que estava com o humano se soltou e levantou-se com dominância.
— As brigas e as disputas cessaram — ele informou. — Só estamos aguardando.
O Alpha absorveu a informação. No entanto… avaliou um detalhe. Um risco. Algo que ainda está pendente.
— E Ikronyx?
— Ikronyx não irá voltar, não nessa vida, e o bando será de 28 membros e um novo Bhetta deverá surgir. Logo Ghryamor e Anoor devem se enfrentar pela posição.
Não é a primeira vez que o Alpha mata seu Bhetta. Ele apenas passou as mãos através dos cabelos.
— Informe aos demais que irá acontecer as luzes da aurora boreal — anunciou e, então, entrou. O humano do lado de fora começou a gritar em seguida.
A luz e o crepitar das chamas logo chamou atenção. Camilla estava sentada ao redor da fogueira, com meia dúzia de homens nus. Contudo, apenas estava se alimentando de comida, não de outras… coisas.
E de fato, parecia melhor.
Os machos devem tê-la distraído de diferentes formas exceto a carnal. O cheiro mais recente é de Ghryamor, mas nada que indique uma relação sexual. Aquele que muitos acham que será o mais novo Bhetta simplesmente não desgruda dela.
Ele a abraçava como se fosse seu companheiro, ajudava a aquecer e ria junto aos demais de algo que ela contava. O ambiente era descontraído.
— Ah, viu, ninfetinha? Eu disse que ele chegaria logo! — Perante a voz de Grhyamor, Camilla encara Bháryox. E seu sorriso vacila.
Das sombras ele se revelou.
E a primeira coisa que fez foi olhar foi em direção entre as pernas…
Mas o desgraçado havia colocado uma calça assim que entrou. Bháryox sorriu perante a decepção dela.
— Como você se sente?
— Você rasgou a garganta de um homem na minha frente! Você arremessou um homem sem cabeça pela janela do meu lado. Eu atirei num homem e… e ele — ela aponta para Grhyamor — o matou na minha frente. Porra! Como quer que eu esteja?!
O macho não respondeu.
Não é necessário.
Camilla respirou fundo. O clima no ambiente ficou instantaneamente tenso assim como a respiração dela. Ghryamor a apertou em seus braços e a deixou se acalmar.
— Camilla contava de seus… namorados — Anoor, sentado não muito distante, revelou para afugentar a tensão e desviar o assunto. — É inacreditável!
Funcionou! Camilla levantou a cabeça e soltou:
— Ora! Vocês não namoram?
— Não — Respondeu Ghryamor com uma mão em seu rosto, fazendo-a olhar enquanto acariciava sua bochecha. Ele sorriu… e beijou a ponta de seu nariz. — Quando nos comprometemos com alguém, estaremos unidos na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza até que a morte nos separe.
Camilla franziu as sobrancelhas.
— Já ouvi muito desses discursos antes — ela murmurou.
Foi a vez de Bháryox franzir as sobrancelhas.
— Discurso?
— Quando humanos se casam, dizem isso no altar — Até Bháryox não segurou a risada.
Foi sonoro. E até quem estava de passagem e ouviu, riu.
— Alguns humanos são influenciados por nós — Ghryamor engole o riso. — Ao sermos questionados sobre nossos relacionamentos, não há melhor definição que essa para nossa lealdade e companheirismo. É o que dizemos… desde o início dos tempos. Se os humanos se casam dizendo essas palavras, devem ter ouvido de nós em algum momento.
— Então… os humanos plagiaram vocês?
— Ou talvez desejassem um relacionamento como os nossos — Bháryox se abaixou próximo dela e assumiu o cafuné que Ghryamor fazia em Camilla. — E então fizeram da nossa definição de companheirismo uma promessa de casamento. E promessas devem ser cumpridas.
— Eles nem sabem que vocês existem — Camilla argumentou.
— A maioria não — Bháryox respondeu e desceu as carícias para o rosto. De um lado estava Ghryamor, e no outro, Bháryox. — E mesmo que não saibam, não é algo que devem verdadeiramente querer? Um companheiro; um amor que estará ao seu lado em tudo até que a morte os separe?
Os olhos de Camilla brilham com essa possibilidade. Todos vêem…
Ela quer… Ela anseia por isso, deseja isso… Um companheiro, um amor, um marido. Putas também têm sentimentos, afinal.
E então o brilho desapareceu.
— Alguns não — Se todos quisessem isso… ah, talvez o mundo, ao menos o dela, seria muito melhor.
— Será que sempre foi assim ou deixaram de querer por influência e decepção? — Ghryamor sussurrou ao seu ouvido e tirou toda sua possibilidade de raciocínio com aquela voz rouca.
Ela não tinha uma resposta; Não pensou em uma.
— Os humanos querem amar e serem amados. Toda criatura viva quer isso. — Bháryox garantiu e aquele olhar, aquele levantar suave de sobrancelhas indicava que ele também se referia a ela. Camilla não é exceção. Parecia que o homem estava lendo sua alma… O Alpha fechou os olhos enquanto seus dedos chegaram aos lábios da fêmea. Logo a encarou e disse: — Mas humanos são arrogantes e se esquecem que também fazem parte de um mundo de muitas criaturas. Então, em sua busca por um companheiro fiel nos bons e mals momentos que irão os amar até que a morte os separe, adotam animais de estimação. Alguns realmente tem o que buscam e fariam de tudo pelo seu companheiro. E alguns foram quebrados pela sociedade, pela criação e decepção que já não são mais sequer dignos de compaixão e descartam essas criaturas, amor e companheirismo como lixo.
Camilla não tinha palavras. Não para aquela interpretação que parecia tão certeira quanto um soco no seu estômago. Embora o olhar tenha mudado, ela ainda tinha dúvidas de que também se referiam a ela. A mulher não tem nenhum bichinho de estimação, afinal.
— É assim… que você vê os humanos? — Ela sussurrou.
— Uma das formas — Bháryox sorriu. — Diga-me, meu amor, estou errado? O que você acha que aqueles que verdadeiramente amam seus animais fariam? Matariam por eles?
— Alguns sim.
— E o que você acha que nós, lhycans, faríamos por nossos companheiros? — Ela não respondeu. Bháryox se aproximou um pouco mais. — Faríamos o mesmo. Mas você vê algum animal de estimação aqui?
— Não…
— O relacionamento é igual. Os humanos raramente buscam animais para acrescentar, eles buscam, na verdade para suprir a falta de sentimentos assim da própria espécie. Com a gente, não tem isso. Somos assim e não precisamos sequer recorrer a alguma promessa sem valor numa cerimônia sem valor. É o que teria com um lhycan como… marido.
— Por que sinto que isso… parece uma proposta?
— Você quer que seja? — Ghryamor pergunta. — Afinal, o que você realmente quer de um homem, Camilla?
Ela baixou a cabeça e se desviou do toque de ambos os homens.
— Responda sem medo e vergonha aquilo que você, como fêmea e como mulher, deseja — ordenou Bháryox.
E todos os demais prestavam atenção às suas reações. Camilla poderia tomar uma decisão ali e agora. Bastaria algumas poucas palavras… ou talvez um discurso. Mas ela tinha um ideal, um desejo. Porém, ninguém havia perguntado a ela sobre isso.
E ninguém nunca realmente havia desejado uma resposta.
Mas Camilla ainda não tinha coragem de revelar algo tão simples quanto "eu quero um homem de verdade" e optou por não responder. Sua decisão foi respeitada e Ghryamor a acolheu em seus braços.
— Responda quando estiver pronta — Ghryamor murmurou ao seu ouvido.
— Mas sabe o que precisa agora? Você precisa agora é desacelerar essa cabecinha e descansar — Ghryamor sugere.
— Preciso não — ela faz bico.
— Precisa.
— Precisa não.
— Não discuta comigo! — Ela se arrepiou com a dominância na voz. — Vamos ninfetinha, a quanto tempo você não dorme?
Desde a madrugada passada quando levantou de um cochilo para se masturbar. Então o último sono de verdade deve… ela não sabe.
— Onde está Ikronyx?
A pergunta não era aleatória e todos sabiam. Ela pode ter dormido nos braços dele e perguntar sobre o sono a fez lembrar dele. O silêncio foi muto e Ghryamor teve que controlar seu corpo para não erijecer e passar a impressão de que ficou tenso.
Foi difícil com o Anoor lhe encarando atentamente.
— Quer me deixar com ciúmes, Camilla? — Bháryox indagou. — Não se preocupe com Ikronyx. Estou cansado e você vai me acompanhar num sono do qual… não irá desgrudar de mim!
Ele disse o final encarando explicitamente Ghryamor, o macho que a roubou da última vez. O safado desviou o olhar e fingiu que não era com ele.
Camilla já havia percebido que os lhycans mudam facilmente de assunto quando convém.
— Vocês me devem respostas — a voz saiu dura, áspera e cheio de ameaças ocultas. Todos olharam. Embora não se sentissem ameaçados, havia dominância ali. — Não sou ignorante para ser mantida na ignorância. Vocês me devem respostas e eu as exijo. Por que estou aqui? O que querem de mim? O que me diferencia dos demais? O que farão comigo? Onde está Ikronyx? O que aconteceu com ele?
— Terá suas respostas — garantiu o Alpha. — Mas não hoje. Não antes de descansar.
Camilla concordou mesmo sentindo que poderia obtê-las ali. Mas ela estava tão cansada que talvez não tivesse força para isso. Bháryox estendeu a mão. Ela hesitou, mas aceitou.
Ghryamor não gostou de vê-la ir com ele, mas não contestou. A fêmea levantou com fluidez e facilitou ao Alpha envolvê-la em seus músculos num abraço caloroso e a levou para dentro do covil, bem no interior da toca onde o bando dorme.
O ambiente estava parcialmente escuro, contudo era mais quente e confortável. O cansaço pesou em suas costas assim que viu aquelas dezenas e centenas de mantas espalhadas pelo chão.
Haviam cinco bestas espalhadas pelo ambiente. Estavam todos dormindo de bruços, usando o bíceps como travesseiro ou simplesmente apoiando a grande cabeça de lobo em algum monte de mantas. Camilla ficou o olhar em cada um deles, grandes e brancos.
Bháryox prosseguiu e Camilla tropeçou no caminho. O som não foi alto, mas fez todas as criaturas lhe encararem. Ela congelou.
— Está tudo bem — o Alpha a tranquilizou.
Essas simples palavras não bastaram quando ele se aproxima de duas criaturas em específico. Cada um deles a fulminava com seus olhos azuis.
— Bháryox… — ela murmurou hesitante.
Mas o macho a levantou sem seu colo e terminou o percurso para o meio de todos eles. Foi lá onde a colocou e deitou logo em seguida.
Camilla estava dura!
Uma besta estava deitada a dois metros dela. A bruma estava perto daquela grande cabeça de lobo e aqueles olhos azuis não paravam de encara-la.
— Você vai me comer? — ela sussurrou.
Os lábios da besta se dobraram para cima no que parecia ser um sorriso. Bháryox também riu, pressionou o próprio corpo ao dela e a fez encostar as costas no manto.
— Ele vai me comer! — Camilla murmurou para o Alpha.
— Não vai, não — ele murmurou de volta. — Eu que mando aqui e digo que ninguém vai te comer.
— Por que eles estão aqui? Lhycans são noturnos e não diurnos! Eu quem deveria dormir!
— Por que está sussurrando tão baixo?
— Pra não me ouvirem!
Os cinco levantaram a cabeça e suas orelhas em direção dela. Camilla empalideceu e Bháryox não precisou dizer o óbvio.
E então, outra besta entrou. Andava e agia similar a um humano. Ele bocejou e revelou suas fileiras de dentes afiados, esticou as costas e os músculos e então jogou seu corpo ao chão e começou a caminhar de quatro. O corpo é grande, os quadris estavam abaixados e os joelhos parcialmente dobrados. Para um humano imitá-lo, deve ser trabalhoso. Mas para ele, parecia fácil.
Ele se deitou igualmente próximo de Camilla para seu total espanto.
— Essa noite é especial — informou o Alpha. — É também uma do qual não irá se esquecer.
— Por quê?
— É a hibernação.
— Lobos não hibernam — ela revelou.
— Não somos lobos — Ghryamor surgiu na entrada. Pelado, mas não uma besta.
E caminhou em direção a eles. Passou pelos chrynnos, e engatinhou em direção de Camilla com seus olhos de predador. Ele acariciou o tornozelo da mulher e Bháryox quase rosnou em protesto.
— Durante o começo e o final do inverno, hibernamos — ele se aproxima vagarosamente… sensual e calma traçando os dedos pelo contorno do corpo. Camilla sente Bháryox ficar tenso, mas o macho ignora quase completamente o Alpha. — É rápido, porém importante.
E então ele a soltou e deitou ao seu lado.
Camilla piscou.
Ela estava entre os corpos de Ghryamor e Bháryox. Dois grandes e dominantes chrynnos, sendo um deles, pelado. Ela precisou controlar os pensamentos…
— Por quê? — e perguntou.
— Pelagem de inverno — Bháryox respondeu ao seu ouvido. Caralho! — Nossos corpos mudam e se adaptam. É necessário hibernar para isso acontecer.
— Como uma borboleta no casulo? — ela precisava pensar mais em borboletas.
— Hm… quase isso — Grhyamor responde igualmente próximo do ouvido.
Borboletinha! Tá na cozinha… fazendo chocolate para a madrinha!
Poti, poti!
Perna de pau!
Ah não! Pau não! Os dois machos se olharam perante ao barulho de frustração que ela evitou produzir.
Olho de vidro e nariz de… de…
— Está tudo bem, Camilla? — Bháryox indagou e Camilla se escondeu no peito dele.
— Uhum… — O nome erótico o desse pássaro, caralho!
— Será que está pensando em coisas pecaminosas? — Ghryamor sugeriu.
Filho da puta!
— Como sabe? — Ela se virou pra ele.
— Seu cheiro ficou forte — Bháryox quem respondeu.
— Não está excitada, mas também não está normal — Grhyamor apoiou a cabeça em seus braços e desistiu de lado. — No quê pensava, ninfetinha?
O quão ridículo seria falar do Pica-Pau?
Ela disse uma meia verdade que se tornou uma verdade:
— Vocês dois, aqui, tão próximos… — os machos se encararam — fiquei imaginando os dois juntos e… será que um teria coragem de beijar o outro? Os dois grandes machões…
— Tem tesão nisso? — Bháryox indaga se endireitando e a encarando.
Ghryamor sorri.
E para a surpresa dela, um se aproximou do outro. Dois machos dominantes, autoritários e fortes… bem ali, com ela entre eles, se beijaram.
Camilla ficou incrédula.
Não houve pudor algum. Nem hesitação. Bháryox mergulhou a língua para dentro da boca de Ghryamor e foi correspondido na mesma intensidade. Ela via tudo de um ângulo perfeito! E eles continuaram como se gostassem e aproveitaram cada momento.
Camilla só não ficou excitada porque foi pega de surpresa e estava sem reação.
Foi Ghryamor quem interrompeu o beijo. Embora não se tocassem, ele deu mais dois selinhos no Alpha antes de se afastar completamente.
Os dois olharam para a fêmea.
Os lábios dela estava entreabertos.
Eles sorriram, se aproximaram e deram um último selinho antes de retornarem cada um aos seus lugares.
— Ninfetinha? — Grhyamor a cutucou. Só assim ela saiu do transe.
— Ikronyx me disse que vocês ficam com homens e mulheres, mas… mas… — caralho, ela não sabe o que dizer sem parecer preconceituosa de alguma forma.
— Somos a única raça de lhycans que ficam com machos e fêmeas… em geral — Bháryox explicou. — Isso porque nossas alcateias não são mistas.
— Vocês… já…
— Transamos? — Ghryamor completa com um sorriso. — Uma vez. E Ikronyx estava junto.
Camilla piscou.
Na frente e atrás.
Os olhos também.
Ela não queria abrir a boca para dar nenhum comentário. Todos iriam mostrar como ela estava afetada.
Mais uma besta entrou para lembrá-la de que não estão sozinhos. Infelizmente. A tensão dela é sentida quando o novo macho se alinha entre dois chrynnos. Para a surpresa dela, todos estavam deitados e com as cabeças pousadas e os olhos fechados.
— Camilla — Ghryamor quase nunca a chama pelo nome — por que tem tanto medo da nossa forma bestial?
— Hm… vocês tem dentões, tem garras, são grandes, são fortes, são apavorantes e me olham como se eu fosse uma franga assada!
Não apenas Bháryox e Ghryamor, mas todos soltaram uma risada. As bestas, embora não expusessem os dentes, produziram sons humanos para lembrar que a biologia deles é diferente de tudo que já viu. E não era medonho vê-los rir.
— Já ouvi essa de franga assada antes — Ghryamor comenta.
— É, quando se pendurou que nem um macaco com cara de cachorro na janela do Nicolas! Se eu estivesse grávida, teria parido alí mesmo! Porra, minha alma fugiu e voltou horas depois por se lembrar que esqueceu minha carcaça!
— Não era eu — Grhyamor revelou com um sorriso. — Era Anoor. Ele voltou com o pau quase gozando e completamente pasmo com as suas palavras e a reação do humano. Como vocês humanos dizem, mesmo? Isso não ficou barato para o… Nicolas.
Camilla ficou quieta.
— De qualquer forma, não há porque você nos temer — Bháryox garante. — O corpo muda, mas a mente não.
— Sinto que será meus últimos momentos quando vocês estão assim…
— Tem que ter mais confiança em nós, amor — Bháryox a envolve em seu próprio calor. — Somos predadores sim, mas temos consciência e razão. Não iremos lhe fazer mal.
— Tenho tanto medo… — ela murmura.
O Alpha deu um meio sorriso de compreensão e beijou suavemente sua testa. Então disse:
— Na hibernação, os machos se amontoam um ao outro em sinal de paz e irmandade. Todos dormem em sua forma chrynnos e trocam o calor do corpo com os menos favorecidos — Camilla o encara com o assombro no rosto. — Iremos hibernar essa noite e todos estarão em suas formas de chrynnos. Não há exceções.
— Até… você?
— Ghryamor, transforme-se — Bháryox ordenou.
E o macho obedeceu. Camilla se agarrou ao corpo do Alpha quando os estalos começaram. Um corpo grande e felpudo começou a crescer nas suas costas, ocupando quase todo o espaço disponível. Ela o sentia… tal como sentia seu coração a mil por hora.
— Olhe para ele — Bháryox pediu e ela recusou. — Camilla, apenas olhe.
Demorou um certo tempo, mas ela se virou lentamente. Ghryamor agora era o dobro do tamanho, com uma pelagem branca e intensos olhos dourados esverdeados em sua direção. O rosto do lobo estava calmo e… realmente não era ele na janela.
— G-Grhyamor?
O lobo moveu lentamente a cabeça em sinal de resposta. Mas para Camilla, é a prova de que ele a entende.
— Toque-o — os olhos da bruma se esbugalharam. — Ele não fará nada. Toque-o.
Camilla precisou de um incentivo: Bháryox pegou em sua mão com suavidade. O toque quente a acalmou e então a orientou para tocar a cabeça da besta.
Ghryamor apenas fechou os olhos em sinal de confiança e permitiu aquele toque.
A fêmea estava quase arfando, mas não negava a sensação boa. A pelagem no focinho é áspera como uma barba, rala e fácil. Os dentes estavam bem escolhidos e à medida que os dedos subiam lentamente, a pelagem ficava mais macia.
O macho abriu os olhos com preguiça e moveu as orelhas. Ela se assustou, mas foi apenas isso.
— A forma muda, a mente não — murmurou Bháryox.
— A cabeça tem o triplo do tamanho da minha. Uma bocada e… e…
O Alpha riu.
— A força de mordida de um lhycan é poderosa. Ao atacar, o crânio seria esmagado e a cabeça completamente deformada — Nem wi-fi… nem átomos de nenhum tipo… nem o marido dos seus sonhos passaria por suas partes mais escuras naquele momento.
Camilla morreu ali, com a mão na cabeça da besta.
Ghryamor se esticou e a mulher estava dura como diamante.
— Imagine tudo isso para te defender — e a ameaça se transformou em proposta. — Se lembra do que eu falei sobre nossas relações amorosas? Sobre nossos companheiros?
E o corpo da fêmea relaxou.
Ela olhou bem nos olhos de Ghryamor e lembrou:
— Eu chupei seu pau!
Bháryox encarou totalmente a fêmea enquanto a besta deu um meio sorriso sem expor os dentes. Outra diferença da anatomia… talvez a cabeça seja idêntica ao de um lobo, mas não igual. Ghryamor parecia ter músculos que favorecem as expressões faciais e aquilo o torna tão belo quanto surreal.
— Camilla, o que você faria se tivesse um chrynnos como companheiro? — Bháryox pergunta. — Além do homem insaciável que sempre estaria disponível para foder… mas a besta poderosa que podemos ser?
Camilla soltou o ar de seus pulmões.
E encarou cada parte de Ghryamor.
É um homem, sim, mas também uma besta poderosa. Mortal! Garras gigantescas estavam curvadas na ponta de cada um de seus dedos. Não como cães ou, mas como as de um gato. Os olhos refletem a luz, então o quão diferenciada é a visão? O corpo grande, pernas grandes… músculos grandes.
— Somos perfeitas máquinas de matar — Bháryox continuou. — Nossas presas e garras são venenosas e podem prender e segurar na mesma facilidade que cortamos, rasgamos e dilaceramos. Mudamos de forma com facilidade, podemos sentir o cheiro da presa por quilômetros e ouvir o que não pode ser ouvido. Enxergamos no escuro e mesmo assim não precisamos dos olhos, nariz ou ouvidos para nos defender. Sentimos o calor corporal e podemos adivinhar cada movimento de nosso oponente devido a isso. O mundo nos conhece pela nossa selvaria e eficiência em matar. O que você faria se tivesse tudo isso a sua disposição para agradá-la e defendê-la?
Ghryamor a encarou atentamente… ele é a comprovação de tudo que seu Alpha acabou de dizer. Camilla consegue imaginá-lo como um predador brutal e um assassino sem remorso.
— Desejaria a cabeça de alguém? — Bháryox sugeriu. — Alguém que lhe causou dor… ódio ou sofrimento… Desejaria que alguém fosse caçado? Que alguém fosse morto? Ou simplesmente viveria em paz com seu marido lobisomem que não permitiria que ninguém sequer tivesse a chance de feri-la?
— Eu não sei… — ela sussurrou.
— Independente da resposta, seu desejo seria realizado — ele afirmou. — Humana ou não, não se mexe com a companheira de um lhycan sem sofrer as consequências.
— E se tivessem mexido com ela no passado antes de se tornar a companheira de um lhycan?
— Infeliz azarado; sofreria da mesma forma!
Camilla foi contraditória. Ela sorriu.
Bháryox a apertou mais forte, e aconchegou a cabeça entre seu pescoço. A fêmea perdeu o ar quando o peito de Ghryamor, todo peludo e macio, veio de frente.
— Irei te esperar dormir antes de me transformar — comunicou.
E assim fez… por horas!
O medo de Camilla era tanto que ela ficou vidrada em Ghryamor. O macho adormeceu — ou parecia ter adormecido — e ela continuava a olha-lo. Bháryox, por outro lado, fazia um cafuné e mostrava estar acordado, esperando o sono a consumir.
Bestas e mais bestas, aos poucos iam entrando e se tumultuando. O lugar era grande para abrir todos sem que um invada o espaço do outro. Havia elevações rochosas, buracos espaços nas pedras e o chão forrado com mantas maior do que muitas casas. Porém, naquela noite, ninguém queria dormir só.
Um macho usava o outro como travesseiro. Uma pequena montanha de bestas foi se formando e, quando o dia amanheceu, o único que não chegou foi Ikronyx. Camilla adormeceu bem ao centro tendo o peito de dois dos mais poderosos chrynnos a disposição. Apenas o sono a fez ficar tão abusada e sossegada entre eles. Bháryox já estava em sua forma bestial e cobria quase completamente o corpo da bruma com o seu. Já ela, estava de bruços contra o peito de Ghryamor. O chrynnos em questão, tinha uma das mãos em sua bunda, entre ela e o Alpha.
O sono de Camilla é agitado no início. Não demorou até ela entrar embaixo do Alpha para se proteger do frio e largar Ghryamor a deriva. Mas logo voltava para ele. Os machos só se moviam para buscar uma posição melhor e pareciam ter se acostumado a agitação da bruma.
Até que ela acordou… e viu onde estava.
Camilla ficou tão quieta que vários machos quase despertaram, incluindo Ghryamor e Bháryox. Contudo, todos ainda a sentiam entre eles.
Era meio do dia quando ela tentou engatinhar para longe.
Não havia saídas disponíveis. Um macho estava em cima do outro. Camilla contra todos os temores teria que se arrastar pelo corpo de cada um deles.
E esse foi seu erro.
Ela acordou uma das feras.
Camilla estava parcialmente embaixo de Bháryox e o macho usava a perna de Ghryamor como travesseiro. Olhos azuis brilharam em sua direção com preguiça e sono, mas o movimento das orelhas indicou que ele estava bem acordado.
A fêmea abraçava a cintura de Ghryamor pela lateral e estava próxima do pênis que um dia chupou em forma humana. Já a besta, estava quase no tornozelo. Mesmo assim, é muito próximo e se ele acordou, outros poderiam.
— S-Se… — ela começou, bem baixinho — s-s-se… você me en-entende pisque bem devagarinho.
A besta piscou lentamente.
Mas poderia ser sono.
— D-De novo — e de novo, ele piscou. — Você vai… me, me, me, me comer? Se for sim, pisque uma vez. Se for não, duas vezes.
A besta piscou duas vezes. Camilla se sentiu mais tranquila.
— Eu… n-não estava fugindo — a criatura levantou o que deveria ser uma sobrancelha e dobrou as orelhas pontudas para trás. — Se você quer saber o que queria, pisque três vezes. Se acha que tentei fugir, du-duas vezes.
O macho piscou três vezes.
— Pareço uma empregada da agência telefônica — ela disse em português, respirou fundo e respondeu em inglês: — Eu queria fazer pi-pi-pipi.
O macho levantou a cabeça, a olhou atentamente e piscou três vezes. Ela queria fugir!
— Vocês me assustam! — ela se defendeu. O macho apontou para onde ela estava e a encarou. — Voltar a dormir? — ele confirmou com um balançar de cabeça. — E se eles acordarem?
A careta que o macho fez foi tão humana… tão natural que ela teria rido. O chrynnos dobrou as orelhas para trás e enrugou a testa. Bravo? Tédio? Não. Estava mais para um… sério, mulher? Ou… eu mereço!
— Não posso ficar aqui? — Camilla perguntou com um biquinho.
O macho deu de ombros e abriu um espaço próximo de seu peito. Ele deu duas palminhas ali, oferecendo o lugar para ela.
Mas os planos foram por água abaixo quando olhos — azul e dourado — brilharam atrás da fêmea. Ela perdeu o fôlego assim que a besta suspirou em sua nuca.
O Alpha havia acordado.
Não… já estava acordado!
Ouvindo tudo.
O que explica a expressão do macho…
Ele a envolveu com seu grande corpo, esfregou sua cabeça de lobo contra o rosto dela e encarou o macho acordado. O chrynnos ficou sério repentinamente.
Bháryox deu um quase rosnando e, com a cabeça, empurrou levemente Camilla para onde ela estava. A fêmea foi… como um filhote fujão. Ela voltou para entre Ghryamor e o Alpha e viu o par de olhos do macho também aberto.
— E-Eu já ch-chupei seu pau! — Ghryamor dobrou as orelhas. Camilla se encolheu quando Bháryox deixou o peso do corpo cair sobre o dela. — E-Eu n-não tentei f-fugir.
O Alpha colocou sua cabeça de lobo pousada no ombro da fêmea. Ghryamor se remexeu e pousou a cabeça em frente a ela. Dois enormes lobos a engolindo com o corpo. Camilla estava tensa… e então, os dois deram uma rápida passada de língua em seu rosto. Bháryox na bochecha e o seu futuro Bhetta na testa.
E então, Camilla se viu abraçando Ghryamor e descansando a cabeça na curva do pescoço dele. Já o Alpha, por trás, descansava no dela. Um ronronar suave foi ouvido, mas de quem a bruma não sabia.
Mais uma vez, ela adormeceu.
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