C A P Í T U L O 31

     É noite.

     A noite domina aquela parte do mundo sempre que o sol se ausenta.

    Tudo é tão escuro.

    Sem cor.

    Sem brilho.

    Abandonado.

    As árvores pareciam tristes, apenas existindo e nunca vivendo. A madeira é fraca e as folhas apenas uma cabeleira sem graça. A neve possui coloração branca, bem diferente da terra natal do lhycans. 

    O Monte Sukakpak é escuro. O céu estava nublado e pequenos flocos ajudavam a tingi-lo de branco.

    Mas ali é sua casa.

    Seu território.

    Onde se divertem, dormem, caçam, comem, transam e matam. Um lugar que deveria ser classificado como perigoso pelos humanos.

    E onde ela irá ficar.

    Camilla, Camilla…

    A presença é marcante.

    Camilla, Camilla…

    É uma chama em meio a neve.

    Camilla, Camilla…

    Tudo parecia tão… sem graça sem ela.

    Monótono.

    Calmo. De mais.

    Contudo, a humana precisava de seu sono da beleza e já demonstrou não ter disposição nem física nem emocional para subir o Monte Sukakpak. Os lhycans enrolaram para prosseguir e não demorou até ela se encolher e dormir num canto.

    O sono é pesado. Camilla mal se mexia e parecia inerte em sonhos pela forma como sua pálpebra se movia. A maquiagem que usava para realçar sua beleza estava borrada e os cabelos totalmente embaraçados sobre o peito.

     E a maioria, senão todos, estavam com pena de mexeram em seu corpo para carregá-la monte acima. O apropriado seria na forma chrynnos, mas se a fêmea acorda e se encontrar nos braços humanoides de uma criatura com carranca de lobo… a promessa do que faria pairava no ar.

     E particularmente cada um estava mais preocupado com seus ouvidos.

     Camilla já está a tempo de mais lidando com aqueles homens e as brumas, como mecanismo de defesa, possuem uma peculiaridade útil na voz. Um grito dela naquele momento não parecia nada incomum aos ouvidos humanos, mas para os lhycans, dependendo do timbre e da urgência, poderiam ouvi-la a quilômetros.

    Não é um uivo. Porém mensagens de perigo podem ser passadas através do som. Socorro! Ajuda! Qualquer coisa… e naquela localização havia a possibilidade das alcateias rivais escutarem. Nenhum Alpha se importaria de dizer "olá" conforme tenta convenientemente ajudá-la.

    Então, quando os mais submissos do bando caíram das árvores… grandes, brancos e com olhos azuis brilhando curiosidade foram imediatamente repreendidos e afugentados. O Alpha não queria ninguém em forma chrynnos perto de sua fêmea até que ela perca seu medo.

    Bháryox então se aproximou.

    E odiou o som que sua calça humana fazia. O farfalhar angustiante chegava a irritar, entretanto os ouvidos surdos da humana não reagiram a nada.

     Ele tocou sua bochecha gelada e um sorriso veio aos lábios da mulher. Ela gostou do calor febril de sua pele.

     Então vai adorar os de seus músculos.

     O Alpha a pegou em seus músculos. Camilla estava tão gordinha naquelas mantas, cobertores e casacos que o macho teve que esticar bem os braços e ajustá-la três vezes para ter certeza de que não iria escorregar. Garras perfuraram o tecido com confiança para prendê-la.

    E assim começou a escalada.

    O resto do bando se dispersou em volta do perímetro deixando apenas os mais dominantes do bando à disposição para a fêmea. Ikronyx mal conseguia esconder o ciúmes, contudo, Grhyamor já pensava a frente, planejando uma estratégia.

    O Alpha estava no meio do caminho quando ouviu.

     Ele parou.

     O bando andando preguiçosamente paralisou.

     De novo. O mesmo som.

     As orelhas se atentaram ao redor antes de todas foram direcionadas a um único ponto.

     Camilla… roncando.

     Os homens sorriram. Então é verdade que os humanos roncam…

     Camilla é uma mulher ativa e barulhenta quando está acordada. Faz sentido fazer barulho quando dorme.

    Contudo, apesar do som fraco, suave e talvez até gentil… o ruído se assemelhava ao de um dragão.

    O Alpha já encontrou um e jamais esqueceria daquele som. O de uma fera adormecida antes de tudo ficar em silêncio como se todo o barulho do mundo fosse silenciado. Mesmo o da respiração pesada e, então, grandes olhos abertos em sua direção. A pupila refletia sua forma de besta albina como o mais perfeito espelho negro.

    Rosnado contra rosnado…

    A cor dos cabelos de Camilla lembrava os olhos da criatura. Como rubis; como sangue. A humana é um pequeno dragão dormindo… de fato.

     E estava escorrendo para fora dos seus braços…

     Deslizando como uma salsicha para fora do pão.

     Ikronyx quem impediu dela escapulir e durante todo o percurso, o Alpha precisou de ajuda para lidar com uma única fêmea humana.

     Os machos estavam preocupados.

     Grhyamor ia a todo momento conferir se Camilla estava bem, se ainda estava viva.

     A fêmea estava anormalmente inconsciente. O curandeiro do bando relembrou o período comum de quatro a cinco horas diárias que um chrynnos adormece. Mesmo assim, há aqueles que não conseguem dormir mais do que três horas em certas ocasiões.

     Tudo pela natureza ativa, inquieta e atenta da espécie. Algo bem diferente dos humanos cuja maioria dorme no mínimo oito horas num período de 24h. Também há aqueles que chegam facilmente às 12h.

     Camilla estava a muito tempo num ambiente frio pelo qual não está acostumada. Andou por quilômetros. Cansou também a mente com muita informação… o curandeiro aconselhou a simplesmente deixá-la acordar mesmo já tendo passado 13h de sono.

     Às vezes, em silêncio.

     Às vezes, roncando. Falando. Sonhando.

    Os lhycans sabiam que estavam lidando com uma ninfomaníaca. Mas não imaginava esse nível de saliência tarada. Os sonhos da bruma eram realmente sórdidos!

     Sempre que o silêncio reina, até mesmo o Alpha confere se ela ainda está onde a deixou: numa câmara cavernosa recheada com tantas peles de animais e cobertores que o chão se torna macio como as mais confortáveis camas. Com paredes contendo lindas gravuras de sua terra natal e formações rochosas esculpidas para o máximo de conforto, aquele lugar parecia um ninho. Um quarto coletivo.

    E lá estava ela, esparramada com os cabelos numa completa anarquia, de boca aberta e o peito subindo e descendo ao ritmo da respiração. Deveria estar no vigésimo sono, ou talvez, vivendo uma história de amor tão boa que se recusa a acordar.

    Apenas uma lamparina para dar luz ao ambiente estava perto e sua função era para Camilla não se assustar com a completa escuridão. Se ela acordar, irá absorver a luz e enxergar tudo que ela ilumina.

    E verá que não tem nenhuma besta ao seu lado.

    O Alpha respirou fundo, esticou os músculos e decidiu que era seu momento de dormir. O dia e a luz do sol irritam sua pele e, por ser um albino, seu tempo de sono e hábitos são diferentes dos demais.

    O ambiente chamava por ele.

    O macho simplesmente deitou de bruços num canto qualquer daquelas mantas e fechou os olhos.

    Ele estava nu.

    A pele branca se destacava no ambiente. Um homem grande e com massa muscular a ser exibida.

    Todos que passavam o notavam ali, apenas a alguns metros de Camilla. Não perto o suficiente para cair em tentação de abraçá-la e nem longe o suficiente para sugerir que está se ausentando da fêmea.

    Não demorou até a respiração ficar ritmada e suave. Tão lenta e vagarosa quanto preguiçosa.

    E Camilla simplesmente não conseguia desgrudar os olhos dele.

    Das nádegas num ângulo perfeito em sua direção. Um perfeito deleite! Totalmente nu, porém com as pernas unidas e sem brechas para ver algo que vem atiçando sua curiosidade.

    Então ela aprecia a vista.

    Tão branquinha e perfeita eram suas circunferências. Pareciam leite a ser degustado, uma raridade que lhe dá vontade de morder e, talvez, até dormir.

    Tão perfeito com exceção de uma única coisinha…

    Uma marca.

     Como um raio que vem do meio das costas e desce até o traseiro e finaliza na coxa direita. Uma cicatriz marcante e rosada que corta toda a perfeição daquele corpo branco como neve.

     Uma enorme marca de queimadura.

— Curiosa, hein… — A voz de Grhyamor penetrou a alma de Camilla.

    E ela arquejou. O palavrão disparou por sua garganta e só não pode ser verbalizado porque o macho tapou sua boca.

    O corpo do Alpha enrijeceu.

    Grhyamor estava ainda mais tenso e não ousou mover um único músculo.

    Sentindo o quão rígido estava o homem, Camilla foi afetada e também ficou quietinha. Seu coração humano estava disparado e ela mal sabia o que estava acontecendo.

     Só que Grhyamor tinha os olhos cravados em Bháryox conforme seu corpo se preparava para correr — de preferência em direção ao sol — a qualquer movimento de seu líder.

     Porque ele, um Delta, invadiu território proibido. Está abraçado a fêmea que seu Alpha corteja e anseia em procriar. É como um ladrão pilantra que não resistiu a mulher do chefão e espera o todo poderoso dormir para invadir a casa.

    Mas o Alpha é zeloso.

    Atento.

    E preparado para defender Camilla e qualquer sentimento que ela possui por ele de invasores como Grhyamor. Sua posição de dormir, de bruços, só precisa de uma flexão de seus braços para já estar pronto por uma briga.

     Grhyamor não perderia tempo e sua posição já está pronta para correr…

    Ikronyx sentiu a tensão na entrada da câmara.

     E percorreu o longo conjunto de mantas à frente. Os músculos da sobrancelha de Bháryox indicavam a atenção em sua audição e os passos silenciosos, no entanto despreocupados do Bhetta indicava que não havia nada de errado.

    Ikronyx escalou uma superfície normalmente e deitou, soltando uma longa respiração preguiçosa de quem iria dormir. Outros machos deram sinais de que estavam acordando, estalando seus ossos e esticando os músculos.

     O corpo do Alpha voltou a ficar quieto. Relaxou. 

     E os olhos de Ikronyx foram direto para Grhyamor abraçando a fruta proibida.

     O macho roçou os lábios aos ouvidos da fêmea e soltou o mais delicioso e baixo dos sussurros:

Nunca acorde um lhycan albino.

    Alguma coisa naquele timbre indicava que Camilla talvez não gostasse do resultado. Por quê?

    Muita coisa girava em torno ao fato daquele homem ser o Alpha e albino. De alguma forma, mais perigoso. Diferente… talvez até superior? Os membros do bando não apenas o respeitavam, mas tinham medo de quem Bháryox é.

    A fera albina continuava a dormir serenamente. E só de lembrar que ele é um lobisomem, a fêmea não sente a mínima vontade de acordá-lo.

— Venha — O sussurro foi ainda mais silencioso.

    E como todos queriam a bruma longe do Alpha, contribuíram para sons suaves que poderiam disfarçar Grhyamor tirando-a dali.

    Discretamente.

    Silenciosamente.

    Camilla só observava a pilantragem daqueles homens enquanto permitia Grhyamor a levar por túneis escuros como breu.

    Ela sentia que estava sendo sequestrada…

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