C A P Í T U L O 29
Capacho e Pilantra estavam próximos. Dandara estava mais familiarizada com suas presenças e o fato de que, em tempo em tempo, os procura com o olhar, lhes dá confiança para arriscar testar os limites os machos que agora lhe acompanha.
Machos…
Cuidadoso é incrivelmente despreocupado com a presença dessa segunda criatura.
Quase chega a ser assustador o fato de que a deixou cinco minutos a sós com ele simplesmente para retornar em sua, no momento, forma mais vulnerável: como um homem. Mas essa também é a aparência que deixa Dandara mais tranquila e lhe permite explorar com mais atenção os seus machucados, velhos e novos.
Com o corpo cheio de ataduras de folhas e ervas que precisavam secar em seus ferimentos, Dandara foi orientada a ficar o mais imóvel possível quando se sentou ao chão.
Era o momento de acalmar os nervos.
— O que eram aquelas criaturas? — ela perguntou num certo momento.
Sua presença na região havia sido descaradamente revelada em prol de sua sobrevivência. Então Cuidadoso permaneceu desleixado rente ao rio, lavando suas mãos e cuidando seu braço.
— Estridentes — havia respondido o kamal.
— Estridentes? — um nome em português. Mas era apenas o nome da criatura traduzido pelo que eles são: estridentes.
Pois possuem um grito tão agudo e
estridente que consegue desorientar qualquer presa. E, até mesmo, afetar um chrynnos se atingir o timbre adequado.
— São super predadores do continente — o Kamal concluiu em seguida. — E os chrynnos evitam os estridentes e os estridentes evitam os chrynnos — o macaquinho respondeu — porque se os dois brigarem, sem ajuda de seus bandos, só termina depois que um morrer.
Cuidadoso tem um arranhão severo no ombro. Um corte que marca seu bíceps. Somente depois que retornou a forma humana, Dandara reparou que a pele abaixo da costela estava levemente roxa e ele parecia incomodado com aquele hematoma.
Aquilo foi para protegê-la.
Ele sequer está bravo por ter gritado e revelado onde estavam escondidos.
E deu prioridade aos ferimentos dela antes do dele.
Considerando que os estridentes são maiores, mais rápidos e supostamente possuem um grito capaz de dar dores de ouvidos por uma semana num chrynnos, Dandara aposta que a vitória não será dos lobisomens se não tiverem ajuda. E saber que há uma criatura como essa por aí, a faz se tornar muito menos suicida em suas ideias de se afastar daqueles homens.
E essa constatação, por algum motivo, lhe deixa ainda mais alerta sobre o novo amigo de Cuidadoso. Enquanto o gentil homem cuidava de seu corpo, a criatura permanecia no topo da árvore, montando guarda como um cão atento. As orelhas a todo momento reagiam ao som da floresta e, cada vez que Dandara olhava, ele estava em uma árvore diferente ou ainda mais alto.
Ele parece mais forte.
Havia tempos que ela começava a sentir falta de músculos tão evidenciado a cada vez que olhava para Pilantra e Cuidadoso, os únicos adultos com quem passou os últimos tempos.
Porém, era essa grande criatura que a acompanhou desde o início. Segundo o macaquinho, era ele que montou guarda após levá-la a caverna antes de seu primeiro encontro. E a última vez que o viu, foi quando começou a caçar os adolescentes que pareciam ter recuperado a coragem da noite anterior.
Cuidadoso passou a ser responsável por ela desde então, aceitando a ajuda de Capacho e Pilantra unicamente por serem capazes de se comunicar com Dandara sem um intérprete.
Quando ela reparou que, depois de um longo e incansável tempo de guarda, o lobisomem desceu da árvore, Dandara correu em direção ao Cuidadoso. O diazilla kamal, nada bobo, foi logo atrás de sua segurança, pulando sob os ombros da humana.
— O que foi agora, imbeciu?! — ele retrucou.
Cuidadoso arqueou a sobrancelha quando Dandara se agachou ao seu lado no rio. Ele lavou as mãos sujas de e se virou, encarando o chrynnos abaixo da árvore.
Ele riu.
O porte daquele macho, de fato, é intimidador até mesmo para um chrynnos. Não é surpresa que Dandara passou a querer buscar segurança a mínima aproximação dele.
Cuidadoso a olhou.
Ele sorriu sem jeito.
Os traços delicados de seu rosto se tornaram ainda mais suaves quando ele correspondeu. Ele parecia, realmente, mais caloroso contribuindo para a confiança que ela começa a transparecer para ele.
Então ele lhe dirigiu uma pergunta curta. O tom suave como pluma e a voz rouca como alguém que acabou de acordar.
O macaquinho tossiu antes de murmurar:
— Ele perguntou se você está com medo dele.
Dandara assentiu de imediato.
Ele se virou quase totalmente em sua direção. Apenas uma palavra deixou seus lábios.
— Ele perguntou: “E de mim?”
Dandara hesitou em responder. Mas seguindo o conselho do kamal de não mentir na presença deles, foi sincera.
— Pouquinho.
Cuidadoso é o chrynnos que ela mais confia. Ele não é imprudente como Capacho e nem tão abusado quanto Pilantra. Ele não parece volátil e nunca deu indícios de que perderia a calma em sua presença.
Ao menos, não que ela tenha percebido.
Cuidadoso recebeu a resposta com uma graça calorosa.
Uma nova pergunta surgiu. O macaquinho traduziu em suas exatas palavras:
— “O que você acha sobre mim?”
Ela ficou visivelmente mais desconfortável. O que um homem que quer sexo espera que a mulher de desejo ache dele?
Ela olhou o kamal. O aviso estava nítido em seus olhos.
Não minta!
Ela pensou bem em sua resposta.
— E-Eu… — Cuidadoso aperta o olhar — Eu… acho que você é perigoso.
O kamal traduziu.
Um pequeno segundo de silêncio.
— Perigoso — ele sussurrou, quase sem sotaque. Ele não parecia insatisfeito, mas deixou Dandara tensa quando se levantou.
Ele usava nada mais do uma tanga de couro e pele de animais na cor marrom e negro. O tecido cobria sua genitália e boa parte da coxa robusta sem que ele pareça um bárbaro da floresta. É uma roupa bem costurada, sem detalhes chamativos, similares os kilt egípcio que uma vez viu em um livro quando invadiu a biblioteca.
Dandara evitou olhar para o abdômen.
Uma nova pergunta foi pronunciada em seu exótico idioma.
— Ele pergunta se você confia nele para te manter segura.
Dandara o encara por baixos dos grossos cílios negros. Se houvesse um sol naquele mundo subterrâneo, ele teria ofuscado o brilho com sua sombra predatória. Ela assente.
— Sim…
Ele não precisou de uma tradução do diazilla kamal. Cuidadoso lhe estendeu a mão.
Não havia garras, nem nada oposto a sua gentileza. E um pedido com o olhar.
Confie.
Ela pegou em sua mão. O aperto foi tão firme quanto quente. Sua força ficou nítida quando ele a levantou sem a mínima dificuldade.
Em pé, ele se colocou as suas costas.
Dandara batia na altura do peito.
Ele continuou a segurar sua mão, e com a outra gentilmente segurou a cintura. Dandara não se moveu. Mas sua respiração ficou desregular quando o sentiu se inclinar… e o rosto do homem roçar em seu pescoço.
Ele respirou profundamente. Puxou seu cheiro com o nariz rente a curva do pescoço… e soltou o ar próximo ao ouvido.
A respiração de Cuidadoso é tão calma quanto se exige de alguém, de fato, perigoso.
Mas ele também é gentil e com seu característico cuidado, entrelaçou seus dedos. Dandara retribuiu o gesto, apertando a mão quase como se estivesse lhe lembrando que, naquele momento, estava confiando nele.
Não faça nada comigo!
Ele esfregou a cabeça contra a dela, num instinto animalesco ainda desconhecido. Mas estava lá!
A mão na cintura se tornou mais ousada, indo em direção a barriga que choraminga por comida. Ele lhe abraçou.
O encaixe foi perfeito. E quente! O calor febril que ele emana de seu corpo consegue ser maior do que Pilantra, tal como Pilantra é fisicamente mais quente que Capacho.
Dandara não pode deixar de estremecer quando ele roçou os lábios em seu ouvido e lhe disse, num alto e bom som, com a voz penetrando até a alma da humana:
— Você confia em mim?
O macaquinho traduziu. A resposta hesitante “sim”.
Uma nova palavra deixou os lábios de Cuidadoso. O som da voz, dessa vez, brincando com os nervos do corpo e a deixando fraca em seus braços.
Não houve tradução.
Não era para ela.
Dandara tentou se soltar no momento em que reparou a aproximação da fera! A criatura três vezes o seu ta,manho, tão bombado em músculos que Cuidadoso nada poderia fazer se fosse atacado nesse momento.
Mas ela a segurou, relembrando-a de sua força.
Seu seu calor.
E suas palavras de paz:
— Meu irmão quer apenas te conhecer.
O macaquinho, no entanto, concordava com Dandara em não quer estar sequer perto desse gigante quando recebeu um olhar de advertência de Cuidadoso. Ele já havia colocado bons metros entres eles quando traduziu.
Dandara arregalou os olhos.
— Essa coisa é seu irmão?!
Quando a pergunta foi traduzida, o macho dobrou uma orelha para trás e Cuidadoso escondeu o sorriso no ombro da humana. E então, descansou o queixo na pele macia quando ronronou:
— Uhum.
Eles não se pareciam em nada. Mesmo transformado, Cuidadoso sempre foi gentil e seus pêlos sedosos a fez adormecer em suas costas. Já o brutamonte a sua frente, lhe aterrorizou por uma noite inteira totalmente sujo de sangue!
Mas agora, ele se agacha em sua frente, mantendo o perfeito equilíbrio com auxílio da cauda. Tão grande, que mesmo agachado, fica na exata altura da humana.
Os pelos negros absorvem toda luz ambiente.
E Cuidadoso arrisca que ela de um passo em sua direção.
— Shh! — ele assopra em seu ouvido. Palavras incompreendidas de conforto tentam lhe dar confiança.
E então, o Kamal diz:
— Ele disse que nada vai acontecer. Ele só quer te conhecer.
Dandara só não quer conhecê-lo! Simples…
A criatura demonstrou confiança em seu convite, estendendo uma única mão em sua direção. Dandara encarou as almofadas escuras e não conseguia deixar de observar as garras ocultas em tufos de pelo.
Mas o que prendeu seu olhar é um grande bracelete de prata e ouro firmemente preso em seu pulso. Um adorno que se destaca em meio a pelagem negra.
Cuidadoso apertou sua mão em incetivo, mas não fez nada. O ato tinha que vir dela!
O chrynnos levantou o equivalente a sobrancelha, pedindo para aceitar. A prova de sua consciência grita em seu olhar inteligente. Por trás da fera, há um homem.
Dandara tenta, em vão, encarar Cuidadoso.
— P-Promete que ele não vai me atacar? — ela murmura. E então encara o macaquinho. Ela repete a pergunta.
A resposta não inicial não vem de Cuidadoso. Vem da fera, levantando as orelhas em compreensão e assentindo com um movimento suave de cabeça.
E então, a suave, embora firme de Cuidadoso:
— Sim.
Dandara estende a mão livre e infinitamente trêmula para o chrynnos.
Os lábios da fera se dobram ligeiramente para cima e o olhar se suaviza. Ele gostou.
Ele a queria mais perto. Queria sentir seu cheiro e memorizar seu comportamento. Se acostumar com sua presença.
E merecia esse prêmio, depois do que fez para protegê-la enquanto se mantinha ausente.
Os lábios de Dandara tremeram e uma nova pergunta foi dita.
— Qual o nome… dele?
Após a tradução, Cuidadoso respondeu:
— Shoulvrēz — Dandara piscou. Gentilmente, o homem virou o rosto em sua direção, fazendo-a olhar em seus belos olhos.
Somente pelo fato de segurar a mão da fera, ela ficou tentou recusar. Mas o homem sabia como hipnotizar.
— E o meu é Dhra’eiakery.
A confusão é nítida.
Dandara já havia esquecido o nome da fera e tinha certeza de que não se lembraria do dele em alguns minutos. Ela não faz a mínima ideia de qual é o nome de Pilantra.
Shoulvrēz se aproveitou da distração e fez exatamente o que Dandara temia: avançou. Ela recuou imediatamente, mas não pode atravessar o corpo de Cuidadoso e muito menos escapar de sua força.
Por fim, a criatura estava tão perto que ela podia sentir o imenso calor emanando de seu imenso corpo.
A fera é ainda mais quente que Cuidadoso.
As gigantecas mãos foram lentamente levantadas. Um cuidado familiar nos movimentos, quando tocou sua cabeça, e deslizou as costas dos dedos pelo rosto. Com a outra mão, ele voltou a segura-la.
Mas o desconforto é imenso!
— Sai! — Dandara recua, se agarrando ainda mais a Cuidadoso, fugindo do mínimo toque da criatura.
Palavras suaves deixam os lábios de Cuidadoso.
— “Ele só quer te conhecer” — repetiu o macaquinho.
Dandara não queria saber.
— Por que ele não volta a ser homem? — ela murmurou. Um novo olhar para a besta tão perto já ameaçava, novamente, deixa-la em pânico.
Ele quer conhece-la, mas ela não o conhece. Sua experiência com aquele lobisomem não foi boa.
A compreensão logo veio.
E a fera se afastou.
Dandara ouviu estalos seguindo um ronronar. As passadas se tornaram barulhentas e, quando dois minutos se passaram de sons estranhos, ela o olhou.
Um imenso homem cobria os ombros com a capa que Cuidadoso havia deixado a beira do rio. O manto negro disfarçou sua nudez, mas não conseguiu ofuscar os músculos de seu bíceps e nem esconder a total definição do abdômen.
Capacho é pequeno perto de Pilantra. Pilantra é pequeno perto de Cuidadoso. Mas Cuidadoso, maior e mais robusto não era nada perto desse… homem.
A pele tão negra que cobre toda e qualquer imperfeição. Um maxilar marcante e lábios carnudos. Olhos cor de âmbar, iluminando uma beleza mortal.
Sem cabelos, e sem excesso de detalhes. Apenas uma rigidez autoritária e uma confiança arrogante quando voltou a se aproximar.
E novamente, estendeu as mãos em sua direção. Os braceletes ainda estavam lá, ajustados a um tamanho menor por seja lá qual seja o mecanismo de expansão. O ouro brilhava como a mais bela das jóias.
Dandara encarou Cuidadoso, quase se esperasse um indício de confiança. Mas por fim, foi apenas ela que deu um passo a frente e pegou nas mãos do homem.
Tão quente quanto antes!
O homem a segurou com gentileza, sentindo a textura de uma mão áspera depois de anos de trabalho escravo. Dandara engoliu em seco. Ele levantou o olhar, fixando-o no rosto feminino.
Cuidadoso a soltou.
E o homem a puxou de encontro ao seu peito, envolvendo e dominando-a com uma facilidade amedrontadora.
Dandara, apesar do susto, em nenhum momento desviou o olhar. Nem mesmo quando quase beijou o mamilo, perfeitamente alinhado a sua boca. A fêmea tem medo. Mas é corajosa.
Os olhos assustados e brilhantes, mas quieta. Não gritou e nem tentou escapar.
Os braços dele a rodearam por completo. Ela podia sentir o abdômen e o seu membro. Dandara sequer estava usando as pernas para se manter em pé. Ele garantiu seu equilíbrio deixando-a completamente incapaz de se mover.
Olhos encontram olhos.
A calma que ele transmite pelo olhar é contagiante. As marcas de expressões em sua pele são praticamente inexistentes. E Dandara sequer consegue ouvir nada além do coração.
Cuidadoso não interveio.
Ele somente cruzou os braços quando seu irmão, de sangue e criação, afastou-se apenas o suficiente para se inclinar. Dandara recuperou o equilíbrio em suas pernas, mas continuou imóvel. Assim, ele foi se encontro ao seu pescoço.
O homem respirou profundamente.
A região do maxilar ficou sensível quando o nariz percorreu sua pele. Dandara entreabriu os lábios quando ele desceu pela garganta.
Primeiro, ela sentiu a ponta da língua, mais quente do que a de qualquer humano. A ponta dura, encontrando bem ao centro, antes dele fechar os lábios num beijo suave e sugar a carne arrepiada.
Um gemido fraco foi ouvido. Foi involuntário.
Não era de prazer. Nem de horror. Era uma resposta ao seu comportamento.
Por fim, ele suavizou o aperto, lhe dando mais liberdade de movimento. Foi quando sentiu as mãos pequenas e gélidas pousarem sob seu abdômen, formando uma barreira invisível.
Uma barreira que a fez arregalar os olhos.
O homem é um deus escultural, um guerreiro moldado por nada mais do que força. Por trás das curvas e da pele, Dandara tinha a impressão que havia blocos de pedra e aço compondo seus músculos. Algo a justificar sua força e o imenso respeito por sua relés que presença que os demais pareciam ter.
Ele observou com orgulho a face impressionada da fêmea. E chamou sua atenção acariciando seu rosto.
Foi quando os olhos de Dandara se voltaram ao bracelete.
É uma jóia precisamente esculpida em desenhos das fases lunares, presas e garras. Prata e ouro.
Cuidadoso murmurou algo atrás. Dandara tinha esquecido que ele existia, tal como o macaquinho que traduziu:
— Ele disse que apenas Bhettas usam o bracelete.
Dandara arregalou os olhos. O homem gentilmente levantou seu maxilar, querendo que olhe em seus olhos. Ele umedeceu os lábios e Dandara se preparou.
Uma voz grossa, rouca, ameaçadoramente baixa tirou o equilíbrio de suas pernas ao dizer:
— Meu nome é Shoulvrēz e sou um dos quatro Bhettas de Ibysah. — Como esperando, suas palavras vieram hyffthyturiano e foram traduzidas pelo macaquinho. — E como minha fêmea, está sob minha proteção!
A humana estava todo esse tempo sob os cuidados de um Bhetta…
E outro, por aí, deseja matá-la.
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