C A P Í T U L O 17
Molhada e pelada! Pelada e molhada! Molhada e pelada! Pelada e molhada!
A cantoria lhe despertou.
Molhada e pelada! Pelada e molhada! Molhada e pelada! Pelada e molhada!
Dandara se sobressaltou. Em menos de um minuto, já estava saindo com urgência. Ao emergir do abrigo, deparou-se com os primeiros raios de luz que começavam a banhar a floresta, enquanto os pássaros iniciavam tímidas melodias matinais.
Dandara espiou além dos limites da caverna, escondida atrás da cortina de água da cachoeira. A vegetação ao redor ainda estava parcialmente mergulhada em um brilho noturno, mas entre os emaranhados de galhos, avistou o macaco falante já envolvido em suas atividades gastronômicas.
Ele comia despreocupadamente, alternando entre pequenas mordidas e alegres canções.
Um pouco sonolento… Ele mantinha dois de seus braços firmemente segurando os galhos da árvore, enquanto a terceira mão sustentava uma suculenta fruta vermelha e a quarta mão, com movimentos ritmados, coçava as costas felpudas. Uma imponente cauda, enroscada no galho, suspendia o quadril no ar.
Então ele ficou quieto.
Ficou levemente rígido e olhou em direção do covil como se soubesse exatamente onde estava a entrada. Foi quando notou em Dandara, ali, em pé.
Ele piscou…
Dandara se aproximou.
Ele arregalou os olhos.
Dandara franziu o cenho.
— VOCÊ TÁ VIVA?!
O susto não foi sentido apenas por Dandara, mas também pelos pássaros que se agitaram freneticamente. Um dos pobres filhotes até perdeu o equilíbrio e caiu do ninho, soltando um piado de raiva. Um pássaro maior, de plumagem branca, prontamente veio resgatá-lo, enquanto um segundo pássaro, com penas brancas e cinzas, voou em direção ao macaquinho.
Seja lá qual for a espécie, tinha um bico alongado como uma agulha e um golpe seu certamente doeu. Assustado, o primata buscou refúgio entre as árvores, murmurando palavras incompreensíveis enquanto tentava se proteger.
Os pássaros com cara de muito zangados foram embora. Por fim, o macaquinho surgiu coçando a cabeça, as costas e o traseiro.
— Viu o que você fez?! — ele grunhe em sua direção.
— O que eu fiz?
— Você não tá morta, me assustou e me fez assustar os Bicos Zangados!
Dandara só piscou.
— Por que achava que eu tava morta?
— Não é como se humanos, principalmente uma burra, idiota e imbeciu como você pudesse sobreviver sem proteção aqui em… — Ele se calou.
Ele parou abruptamente ao observar com mais atenção a humana. Ela não está nua. Seus olhos percorreram seu corpo por um instante, enquanto avaliava a situação com curiosidade e cautela. O nativo se surpreendeu. Os olhos até brilharam com o choque.
— Onde? — Dandara insistiu. — "Aqui" onde?
O macaquinho sai das sombras da árvore. À medida que a luz fraca ilumina o ambiente, ele revela sua verdadeira cor: verde. Como grama molhada, era um belo verde vivo e jovem.
— Você não é daqui, é?
Dandara engole em seco.
— Não…
E mais uma olhada é lhe dada de cima a baixo.
— Como chegou aqui?
— Hm… Navio?
— Imbeciu! — Esbravejou ele, expondo seus caninos afiados e lançando em sua direção a fruta que comia. Por questão de centímetros, Dandara consegue evitar de se sujar. — Se não souber velejar por essas águas, o navio é destruído! — Ele prossegue. — Trombas d'águas, ondas e redemoinhos dariam conta de qualquer um! E se não dessem… as criaturas marinhas dariam. Como chegou aqui?!
— De navio! — Dandara retalia. — Eu juro… Você que conhece esse lugar esquisito e não eu. Vim de navio, ora!
Ele a avaliou um pouco mais. Que língua afiada…
— Oh… — Ela suspira. — Entendi…
— O quê?
Ele sorri. Ao menos, o que parece um sorriso, quando suas bochechas felpudas se enchem e os cantos dos lábios se levantam. Os olhos brilham levemente em malícia.
— O Cabo — Um leve levantar sugestivo de sobrancelha lhe é dado. — O Cabo tem o hábito de trazer todo tipo de porcaria pra cá.
— E… o que é "O Cabo"?
Quantas perguntas!
O primata deu de ombros. Ele não se importava com Dandara, contudo, olhar uma segunda vez para aquela pele que tapava sua nudez… Ele quem tinha perguntas.
— Vieram outros com você?
— Sim! — Dandara nem pensou para responder. O desespero estava evidente na voz. — Sim, sim! Por favor! Estou perdida e não conheço o lugar. Me ajude! Me ajude a sair daqui.
Quanto desespero!
Um momento de silêncio. O macaquinho olha profundamente dentro dos olhos de Dandara e, então, salta para outro galho. Um mais próximo.
— Tenho a impressão de que você não vai sair daqui — havia cautela na voz e desconfiança com base em informações que a humana desconhece e adoraria saber. — E eu seria uma tola se te ajudasse.
— Por quê? — O macaquinho não respondeu. — O que vai acontecer comigo? — Novamente, sem respostas. — Ao menos me diga como sair desse lugar!
Mais um momento de silêncio… reflexão e análise. As palhaçadas haviam terminado e a seriedade na face do pequeno macaquinho… O que ele teme? Seria os… os…
O que ele sabe e não está contando?
— Por favor… Me ajude!
O primata bufou.
— Tá — ele aponta para a cascata da cachoeira e o fluxo de água em cima dos rochedos — A fonte de cada uma dessas cachoeiras pode te levar às cavernas e a superfície… se os chrynnos permitirem. Ache um jeito de ir pra lá. Talvez de sorte.
— Cri… o quê?
O macaquinho ficou quieto… Sua boca se fechou em linha fina e o brilho sumiu levemente do olhar. Os olhos ficaram vagos. Nesse silêncio, Dandara se lembrou: As sombras ganhando forma, mãos enormes cheias de garras e algo enorme lhe mantendo no chão. O fedor…
O ataque.
E aquela criatura…
Chrynnos.
Não lobisomens.
Chrynnos!
O que são chrynnos?
— Você já os encontrou — afirmou o primata. E o olhar de Dandara deixou de ser vago. — E está viva… Então, isso significa que eles te querem viva?
A voz… O tom poderia ser tanto uma constatação quanto uma pergunta.
— Eles quem?!
Quem são eles? É o que ela queria saber.
— Acho que você realmente não vai sair daqui — ele ri, por fim. O brilho retorna aos olhos e a graça na voz — Mas se quer evitar acha-los, têm mais chance de subir o Senguell de volta à superfície.
— Subir o quê?
Ele apontou dois de seus dez dedos para o horizonte de árvores. Para além das nuvens e dos rochedos flutuantes e qualquer que seja a criatura que voava ali. A neblina ajudava a esconder, mas havia alguma coisa lá. Algo grande… do chão ao teto.
— As cachoeiras formam riachos e rios. E a água se acumula no centro da floresta — explica o nativo, gesticulando com as mãos. — Lá tem uma série de cataratas. Encontre as raízes do Senguell e saia de uma vez!
— Raízes? — Dandara lhe encara. — Você também não disse o que é esse… Senguell.
— É a maior árvore de Ibysah — ele revela. — As raízes estão aqui embaixo, na água e no solo. O tronco penetra o teto e a copa está lá fora, na superfície. O tronco é oco e tem um caminho por lá. Mas não profane a árvore. Nenhuma delas. E, principalmente, não profane o Senguell. Eles não vão gostar e vão te caçar.
— O q-quê?
Era muita informação! Algumas, vagas… O medo também não ajuda a entender melhor.
— De qualquer forma, não acho que, se fugir, vai sobreviver. Eles estão atrás de você.
Dandara estremece. Um arrepio percorre a espinha e o estômago embrulha.
— Eles? Os… ch-crinus?
— Eu vi… adolescentes — os dedos, dessa vez, apontam para a floresta em geral. Para a copa das árvores e as sombras por onde todo tipo de criatura poderia se esconder. — Eles são menores e mais rápidos. Mas também são muito violentos e sanguinários. E estão atrás de você.
Feras grandes, porém magras e esguias lhe cercando… Olhos dourados com fome familiar. Fome, não de comida enquanto abria suas pernas e… e…
Eles eram adolescentes?!
Se eles são adolescentes, então aquele, maior, mais forte e mais robusto deve ser…
— Só um adulto pode te proteger deles — afirma o macaco, capturando a atenção apavorada de Dandara.
Seu coração acelera descontroladamente, ecoando em seu ouvido enquanto sua mente se enche de imagens horripilantes. Ela visualiza suas garras afiadas e presas sedentas de sangue, prontas para dilacerar sua carne indefesa. Cada sombra e movimento ao seu redor parece ameaçador, e ela se sente acuada pela própria floresta. A ideia de cair nas mãos dessas criaturas enche Dandara de terror, intensificando sua determinação em encontrar uma rota de fuga.
— E se você fugir, — prossegue o macaco — vai ser pega por eles.
O sorriso despreocupado surgiu no rosto fofo.
Foi só isso.
Ele subiu para o próximo galho, se pendurou e quando Dandara abriu a boca para chamá-lo, para perguntar mais, o macaquinho havia sumido.
Ela não sabia onde o adulto estava, mas correu de volta para o covil dele.
Ela sequer notou o par de olhos dourados atentos aos seus movimentos.
Um novo dia estava apenas começando.
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