Parte III
— Vou gravar o que você falar, okay? — pergunto a mulher que está sentada em uma cadeira a minha frente com sua filha – que aparenta ter um ano – sobre suas pernas.
Ontem a secretária do Sr. Jefferson me ligou durante a noite e me informou que, por ordem dele, tinha marcado uma entrevista com uma mulher para esta manhã e, logo após franzir o cenho e pedir explicações sobre o motivo de tal ação (pensei que eu teria que fazer tudo sozinha), concordei em entrevistar a mulher. O que não imaginei era que ela morasse em um local tão pequenino e mal arejado e que estivesse esperando dinheiro em troca da entrevista, mas como minutos antes um funcionário da Sra. Jefferson trouxe o dinheiro, estávamos prontas para começar a entrevista.
— Primeiro quero te agradecer por ter aceitado ser entrevistada — digo educadamente e a mulher meneia a cabeça. — Vou lhe fazer algumas perguntas simples as quais necessito saber e outras um tanto complexas; serão sobre sua vida de forma geral e sua opinião sobre algumas coisas, sinta–se a vontade para não responder as quais não quiser. — novamente o meneio de cabeça — Gostaria de saber o nome da senhora... ele não será revelado em momento algum, mas será mais fácil para mim referir–me a sua pessoa.
— Marisa — diz a mulher com uma voz firme, o que me surpreende — e esta é minha filha, Ana — sorri para a menina que faz o mesmo para a mãe.
— Marisa, em algum momento de sua vida a senhora sofreu algum tipo de preconceito racial?
— Acredito que a pergunta certa seria quando eu não sofri nenhum tipo de preconceito, pois foram tantas vezes que não consigo numeralas.
— Então a senhora não se sente totalmente inclusa na sociedade?
— O problema não é a sociedade, mas sim o pensamento moral de cada um.
— Poderia explicar–se?
— Há pessoas que se julgam superiores à mim e as pessoas iguais a mim (digo com relação a cor da pele); sou julgada várias e várias vezes por pessoas preconceituosas que, não sei por qual razão, me odeiam, sem ao menos terem trocado uma palavra comigo. — percebo que seus olhos começam a se encher de lágrimas e aguardo um pouco antes de fazer a próxima pergunta que é ainda mais complexa.
— Porque a senhora acha que o preconceito racial existe?
— É nítido que as cores de nossa pele são divergentes... — diz e aproxima seu braço do meu — ... isso é um problema para alguns sujeitos, pois de acordo com eles, isso prova que não somos todos iguais e por isso existem etnias superiores. Sei que somos diferentes por fora, mas por dentro somos construídos do mesmo jeito. Apesar da minha cor ser diferente da sua, quando nosso sangue escorre é o vermelho que vemos e as lágrimas caiem de meus olhos assim como caem dos seus; eu tenho consciência, assim como você a tem... eu tenho sentimentos assim como acredito que você os tenha; eu choro em momentos de tristeza e solto risos em momentos de alegria, eu sinto dor quando alguém me bate e não sinto nada quando estou anestesiada... eu sonho, assim como sei que todas as pessoas fazem e, esses detalhes, por si só, já demonstram o quão iguais nós somos, então mesmo tendo respondido sua pergunta, não entendo realmente o porque disto existir — a mulher diz tudo tão seriamente olhando dentro de meus olhos que me pego impressionada com o quão cética ela está sobre o assunto.
— Qual a opinião da senhora sobre as diferentes etnias do mundo?
— Sinceramente acho esplêndido as características biológicas distintas da população.
— Porque?
— Se Deus quisesse que fossemos todos iguais fisicamente assim o faria, mas não o fez, ele quis que fossemos diferentes por fora, para que percebêssemos que o que realmente importa é o que temos por dentro. — responde Marisa e eu levanto uma de minhas sobrancelhas perante sua resposta, mas lhe faço a última pergunta:
— Para o futuro a senhora acha que isso mudará, que todos seremos tratados verdadeiramente como iguais?
— Sinceramente, não. Sempre existirão pessoas se colocando àcima das outras, se não por causa da cor da pele, pelo dinheiro, condição social, ou outro motivo supérfluo.
— Obrigada — desligo o gravador e me levanto. — Muito obrigada pelo seu tempo — dou dois passos e já estou em frente à porta, a mulher prontamente a abre, como se fosse sua obrigação (o que não é) e eu saio de sua casa, deixando a pobreza para trás, mas lamentando que a mulher e sua filha não possam fazer o mesmo.
...
Refletindo sobre as questões que a mulher respondeu, começo a fazer anotações em uma folha de papel, depois pego o relatório que fora escrito por mim no dia anterior, começando assim a escrever o artigo/matéria.
Não me orgulho do que pensei em outro momento, confesso até que estou com vergonha de mim mesma, por tais pensamentos... Não sei porque tinha essa concepção tão distorcida sobre como sou diferente de pessoas negras, apenas por que... sua cor da pele é diferente da minha. Como pude pensar que era superior a uma outra etnia, quando na verdade não somos divergentes em nada, a não ser nas escolhas que fazemos em nossas vidas? Como pude olhar para o passado de um povo e o julgar erroneamente por que antigamente eram escravizados (algo ao qual não tinham culpa alguma)? Os negros lutaram para serem livres, mas ao que parece está luta ainda não acabou; sim eu me arrependo de tudo que falei ou pensei sobre eles serem inferiores, mas infelizmente sei que não era à única que pensava deste modo e portanto, sei que, mesmo sendo dito atualmente que o preconceito é algo do passado, ele está presente e, alguma coisa tem que ser feita para que isso seja mudado.
◐
Obrigado por ter lido.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top