Capítulo III
Seu semblante mudou rapidamente, seus olhos brilharam de felicidade e um sorriso apareceu. Era um vestido de festa vinho curto, tomara que caia, com pequeninas flores cintilantes no corpete, bem discretas, as costas eram de renda com estas mesmas flores, o vestido era muito bonito.
— Eu pensei em esperar um pouco mais, mas quando vi, não consegui resistir — disse a Irina admirando o rosto de alegria da filha. — Eu sei que o baile está um pouco longe e que daqui até lá podemos estar comprando outro...
— Não, não. Este está perfeito — ela interrompeu enquanto a abraçava.
— Então o que está esperando? Vá experimentar!
Grace saiu correndo para o banheiro da mãe, estava tão feliz que conseguiu esquecer todo o mal daquele dia fatídico. Ela tirou suas roupas e o vestiu, a peça serviu-lhe muito bem, parecia ter sido feito para ela, valorizando suas curvas. Ela se apressou para mostrar a mãe. Irina estava muito contente com o semblante da filha, ela a amava tanto, era seu pequeno tesouro de valor inestimável, fazia de tudo para que a menina tivesse do bom e do melhor e sacrificava seu tempo, sabendo que este não voltaria atrás, para que alcançasse alguns objetivos, para que não tivesse a mesma infância que ela teve. Deu mais um embrulho para a filha que o pegou prontamente com muita empolgação. Grace o abriu, era uma caixa, dentro repousava um par de saltos.
— Para a minha Cinderela.
— Isso é para dizer que eu sou baixinha(?) — Grace ironizou balançando o sapato como ênfase. Mas estava muito feliz com o outro presente.
— Só tem 12cm, não é pra tanto.
— Não é pra tanto — repetiu a jovem em tom de deboche.
— Deixa de coisa, experimenta logo — disse a Irina gesticulando exageradamente. — Pelo menos não vai ter mais 1,56.
— Mãe!! — Gritou.
— Ô! — Exclamou ela rindo. — Esse vai poder usar logo, em um jantar, provavelmente daqui a três semanas.
— Jantar?
— É, mas ainda estão organizando, daqui até lá vou te dando mais detalhes.
Grace calçou os sapatos e na primeira investida virou o pé, quase caindo. Era em tom vinho, os saltos e as laterais eram enraizados com flores em pedrinhas brilhantes, dando um toque majestoso no veludo. A menina caminhou um pouco pelo quarto completamente radiante.
— Mãe? — Chamou Grace desfilando pelo quarto. — Meu pai vai viajar esse final de semana, por que não liga pra ele, para eu ficar aqui com a senhora? Não quero ficar lá sozinha.
— Não vai estar sozinha.
— Mãe!
— Tá bom — disse Irina apontando para bolsa dela. — Posso tentar. — Suspirou cansada.
Ela tirou os saltos e correu para pegar o celular da mãe. Irina discou, chamou e esperou. A voz do outro lado se mostrou bem cansada, ela esperou novamente e o saldou, seu ex-marido parecia bem surpreso com aquela ligação. Ela explicou o motivo de ter ligado e a resposta dele foi 'não'. O semblante da jovem foi mudando aos poucos ao passo que ouvia a conversa já acalorada dos pais, ambos diziam coisas, os dois já estavam brigando. Já estava se sentindo péssima, se culpava pela briga.
— Edward, só estou pedindo algo simples — falava a Irina com a voz um pouco alterada. — Você não vai estar em casa, o que custa... o que custa deixar ela comigo?! Vou estar em casa o final de semana inteiro!
— Não Irina! Os finais de semana são meus. Porra, ainda não entendeu isso! — Ele parecia estar gritando. — É meu direito.
— Eu sei, nunca tinha pedido isso antes...
— Você quer brigar de novo com o juiz? Porque se quiser...
— Edward? — Chamou a Irina com a voz mais calma, interrompendo-o e o calando. — Só quero que saiba de uma coisa, vou lembrar de tudo que me disse e quando acontecer com você, de precisar, e vai acontecer, vou fazer do mesmo jeito que fez comigo.
Irina não deu tempo para que ele pudesse falar em protesto, simplesmente desligou. Olhou para a filha e se sentiu arrasada, não queria que ela tivesse presenciado aquilo tudo mais uma vez.
— Desculpe, eu tentei — disse ela indo até a menina e a abraçando.
— Eu sei. Obrigada mãe, pelos presentes, eu amei tudo — sua voz estava arrastada, algo parecia preso na garganta.
Depois de ter guardado as coisas, e arrumar a cama, elas se deitaram. Grace apagou com a cabeça no colo da mãe enquanto a mesma lia um livro.
Ao acordar pela manhã, com sua mãe chamando, sentiu que tinha sido colocada numa tomada, suas energias haviam sido recarregadas, a noite de sono foi revigorante. Quando desceu, seu café já estava pronto, só foi se sentar e aproveitar, a Sra. Marta se juntou a elas para o desjejum. Grace nem checou suas mensagens, para que não tivesse estresses numa manhã tão boa como aquela, pegou o aparelho celular e o jogou na bolsa no modo silencioso. Mas aquela paz não duraria por muito tempo, visto que ainda teria que ir à escola, o lugar mais desagradável para ela.
Quando terminou sua refeição, a jovem pegou suas coisas, apanhou uma maçã e algumas guloseimas do pote da felicidade, era uma coisa dela e da Sra. Marta. Se despediu das duas e saiu, de repente quando estava fechando a porta um rapaz passou por ela em passos largos.
— Puta merda! — pensou em voz alta.
Grace só conseguiu ver a nuca e as costas largas dele. O rapaz chagava a ser muito atraente de costas, era alto, forte, cabelos castanhos loiro escuros. Ela ficou extremamente curiosa para ver o rosto e isso lhe causou um calor formigante pelo corpo. O resto do dia foi pensando nesse vizinho: Será que ele é bonito? Qual será o nome?
Na aula de biologia, Grace sentiu outra paz, a ausência da Alice: "Cara! O dia está realmente sendo bom", pensou. Se sentou ao lado do seu parceiro de bancada, desconcertada pensando nas olhadas dele. O cumprimentou com um 'oi', mas ele a ignorou, ela se sentiu envergonhada e desejou não ter falado: "Idiota". David conversava com um amigo sobre o baile.
— Todo mundo só fala disso agora — pensou Grace em voz alta enquanto colocava os livros sobre a bancada.
Os dois rapazes se viraram para a encarar, ela os olhou sem entender, o olhar de Grace de bugada fez o David rir suavemente e isso a fez corar em seguida.
Mesmo sem a presença da Alice, ainda teve que aguentar um daqueles vídeos maçantes, e seu colega irritante, que a cada minuto a cutucava para anotar alguma coisa ou prestar atenção em outra, da qual só ele achava importante, o Sr. Philliam Hanks, falava com a TV, também parecia ter o documentário de cor, na mente que julgava brilhante. Grace deu graças a Deus quando o sinal tocou. Quando já estava saindo pela porta, houve um encontrão e ela foi ao chão. A Zoe havia colocado a perna na frente para que a colega se esbarrasse. Zoe Clark era uma das fies amigas da Alice, uma morena bonita de pele negra impecável que esbanjava saúde, passava a maior parte dos dias com as madeixas trançadas, lábios volumosos e olhos amendoados, era baixinha, encrenqueira e muito vaidosa, sempre com o nariz empinado em sinônimo de superioridade para esconder as cicatrizes da discriminação racial, pisava porque era pisada.
— Eu vi você olhando para o namorado da minha amiga — disse ela em tom de desprezo. — Fique bem longe dele vadia sonsa.
Ninguém se manifestou, apenas passavam por Grace fitando-a no chão como se fosse alguma piada, alguém ainda pisou em seu dedo mindinho esquerdo. A Liu Mei a ajudou a se levantar, tinha ido esperar a colega sair para irem juntas a cafeteria. Grace estava com os olhos marejados, e o peito dolorido, ansioso sendo corroído. Foi até o banheiro e se trancou no box. Para piorar sua situação emocional da qual se encontrava, seus olhos se esbarraram nas frases escritas nas paredes, havia muitos nomes, alguns ela conhecia, escritos obscenos com referências, desenhos grosseiramente depravantes, e nesse emaranhado encontrou seu nome em frases depreciativamente horríveis com conotações sexuais ultrajantes. Aquilo abalou violentamente sua autoestima e a fez desabar em lágrimas. Queria sumir, desaparecer sem deixar rastros, estava doendo tanto que desejou até morrer, lembrou da briga de seus pais e de tantas outras, se sentiu culpada de muitos males.
— Por quê? O que eu fiz? — Se perguntava aos prantos.
A sua colega preferiu não chamar, ficou com o coração na mão de pena, queria confortar Grace com algumas palavras decentes, contudo não as encontrou.
— Por que fazem isso? — Sussurrou Mei baixinho.
Depois de alguns bons minutos, Grace abriu a porta e saiu, lavou o rosto e se reergueu. Mei a recebeu com um sorriso tímido, mas que transmitia amabilidade, em seguida ambas caminharam em silêncio até o refeitório. As duas conversaram pouco, Liu Mei ficou mais em seu telefone e Grace em seu livro novo, Hamlet. David de vez em quando a olhava, aquelas olhadas a estava deixando desconfortável, no entanto, tentou o ignorar ao máximo, até porque ele a tinha ignorado: "uma completa falta de educação". O Chris também a olhava rapidamente, porém, esse, para o seu próprio bem não poderia olhar.
Quando já estava terminando sua refeição, percebeu uma balbúrdia, automaticamente se virou para ver o pequeno tumulto que havia se formado. Era alguns rapazes do time de futebol pegando no pé de um garoto muito menor (fisicamente). Grace olhou para ele com pena, sabia o quanto aquela situação era humilhante e dolorosa, internamente, e se identificou um pouco com ele. Depois que os atletas o deixaram ir, ele catou suas coisas do chão e com a mão mesmo pegou os restos do seu almoço e o colocou na bandeja, em seguida se dirigido para a cozinha da cafeteria sem expressão alguma em seu rosto, parecia tão impassível, como alguém que já deu um foda-se pra vida, e venha o que vier. Um vazio parecia habitar em seu ser.
— Quem é ele? — Perguntou Grace se virando para a Mei. — Quase nunca o vejo.
— Ele tem duas ou é três aulas comigo, eu não sei. É um nerde antissocial. Acho que se chama Ethan Hwang.
— É chinês?
— Não, é coreano, quer dizer, o pai dele é coreano. Que mania de achar que todo mundo é chinês — criticou a Mei.
— O correto seria japonês — Grace corrigiu.
— Não existe um correto.
— Tanto faz. — Disse Grace olhando mais uma vez para o local onde o garoto sumiu.
— Hum! Só acho que ele deveria se aproximar mais das pessoas, talvez não pegassem tanto no pé dele — disse se voltando diretamente para a colega, quase como em indireta.
Grace ignorou o olhar e a frase.
— Ele é bonito — pensou alto.
— É... Dá pro gasto — disse a Mei com um certo desinteresse, e se virando para olhar o David que já estava saindo com os amigos.
Depois do almoço foram para a biblioteca e como sempre a Liu Mei falava mais que trabalhava: "o bom é que tinha assunto".
Era quase noite quando Grace finalmente pegou o celular e entrou nas redes sociais, aproveitando para pesquisar sobre o Hwang. Havia poucas fotos dele, na Bio dizia que pintava, era praticante de esportes, falava cinco idiomas, tinha muitos assuntos sobre suas coisas (projetos), rolando as fotos, ela viu que o garoto possuía dois gatos persas, um branco e o outro branco salpicado de marrom, a jovem os achou lindos e até imaginou um nome para eles. Quando terminou de bancar a espiã, e conversar um pouco mais com a Mei, desceu para ficar com a Sra. Martha e sua mãe. Lá no fundo, estava contente por essa aproximação com a Liu Mei, não estavam iniciando uma amizade, assim, julgava pensando em suas outras experiências, mas era bom ter uma companhia na hora do almoço e nos tempos livres.
A jovem se juntou a Irina e a Sra. Martha na sala de jantar, depois de umas boas horas jogando conversa fora foram jantar e nesse meio tempo a idosa soltou um certo comentário que deixou a garota com borboletas no estômago e bochechas coradas. A Sra. Martha contou que conheceu o novo vizinho do 202, era um rapaz bonito, simpático, solteiro, no auge de seus 32 anos de idade, se chamava Christopher Robert, era pintor e roteirista, estava na cidade para seu novo projeto, mas que provavelmente daqui até o final do ano estaria voltando para Boston. Ela enfatizava muito a beleza dele e sua educação louvável, ele tinha o costume de fazer caminhadas logo cedo pela manhã e ser o primeiro a pegar o jornal.
— Como sabe de tudo isso? — Perguntou Grace curiosa e desconcertada por tantas informações.
— Ora essa! — Exclamou a Sra. Martha parecendo está ofendida com a pergunta. — Nós conversamos, conversamos bastante, uma conversa muito agradável por sinal.
— Ah, tá! E abordou ele assim... Do nada e saiu perguntando a vida dele? — Perguntou a menina gesticulando em movimentos banais.
— Grace! Assim você me ofende. — Ela empurrou os talheres bruscamente contra sua refeição, completamente ultrajada.
— Me desculpe — ela pegou o copo com suco, mas não tomou o conteúdo deste.
A Irina, apenas observava em silêncio enquanto comia, ela não fazia ideia de quem elas estavam falando, porém ficou curiosa para conhecer esse tal Sr. Robert, com ótimas qualidade e uma aparência encantadora.
— Eu o encontrei na lavanderia do prédio, me ajudou com algumas coisas e começamos a conversar enquanto as roupas batiam.
— Solteiro é(?) — disse a Irina levando o copo com suco aos lábios.
— Mãe! — Se pronunciou a Grace numa exclamativa exagerada.
— O quê? — Ela parou olhando entre ambas.
— Ele tem 32! — A garota insinuou algo.
— E o que tem? Só tenho treze anos na sua frente. Não chega a ser muito comum, mas por que não?
— Realmente, por que não — a Sra. Martha falou enquanto se servia de mais bife e puré de batatas. — Sua mãe ainda é jovem, bonita, tem que conhecer mais pessoas mesmo, e fora do ambiente do trabalho...
Esse assunto pendurou até o final do jantar. Já em seu quarto, Grace, tinha os pensamentos elevados até o seu vizinho, revivia várias vezes a cena de mais cedo quando o viu de costas, e imaginava o rosto dele, criando cenas conversando, saindo com ele e com esses cenários pequenos sorrisos cruzavam seu rosto. Por algum motivo só seu, ela não quis procurá-lo nas redes sociais, queria deixar como algo oculto por enquanto. Envolvida por essa cortina de pensamentos ousados, adormeceu profundamente.
Na manhã seguinte, a jovem levantou mais cedo que o habitual, jogou um pouco de água no rosto, vestiu um casaco preto por cima da blusa azul do pijama, e desceu, desalinhada, do jeito que estava foi até a portaria do prédio. No elevador, roía as unhas de impaciência, em seguida se arrependeu, pois estava tentando deixá-las crescer. Quando parou no andar desejado, passou as mãos pelos cabelos, saindo se perguntando o que diabos estava fazendo. Ainda era 05h15 AM, o jornal costumava chegar umas 06h20 AM, teria que que esperar por um bom tempo, parecendo a cara da paciência em pessoa, ela se sentou numa das poltronas disponíveis no recinto, cruzou os braços se mergulhando no silêncio do ambiente. Grace não estava ali pelo jornal e suas notícias matinais, era óbvio, mas sim pelo seu vizinho airoso, queria vê-lo.
Passados alguns bons minutos, o porteiro apareceu carrancudo, a garota o cumprimentou e ele fez o mesmo com um aceno discreto. Sua expressão mostrava claramente curiosidade, aquela garota nunca fazia aquilo, 'o que será que ela queria?' ficou essa pergunta pairando sobre o ar.
Às 06h30 AM havia chegado, e o jornal já se encontrava no balcão, no entanto, nada do rapaz, esperou mais um pouco, quando o relógio na parede, atrás do porteiro indicou sete horas, ela deu um basta. Frustrada, se dirigiu para seu apartamento, ainda tinha que arrumar as coisas para passar o final de semana na casa do pai. Enquanto abria a porta, ela viu uma moça saindo do apartamento do rapaz. Era uma mulher vistosa, cabelos loiros avermelhados, alta com um certo Quê de presença, o tipo de presença que você conseguiria notar em qualquer lugar. Passou por Grace quase que desfilando, educadamente, saldou a menina, dando um 'bom dia', e foi para o elevador. Grace fechou a porta bruscamente, nem se importando se a mulher iria se ofender ou não.
— Bom dia, Grace.
A garota gritou e sobressaltando assustada, automaticamente levou uma das mãos ao peito, não tinha visto sua mãe se aproximando, a Irina piscou duas vezes confusa e passou pela filha com uma xícara na mão se dirigindo para a cozinha.
— Acordou cedo.
— É... Então, né?
— Onde estava tão desordenada assim? — A Irina analisou a filha de cima a baixo com um olhar crítico.
— Eu fui buscar o jornal — disse Grace balançando os braços nervosa.
— Ah! Desde quando lê... e cadê o jornal? — Perguntou ela indo preparar o café.
— Ih! Acho que esqueci — falou Grace dando um tapa na testa.
— Levantou cedo para pegar o jornal e acabou esquecendo o que foi pegar — disse sua mãe desconfiada. — Grace, você está bem?
Enquanto estava pensando em algo para dizer, apareceu a Sra. Martha porta adentro.
— Mãe, eu preciso subir, ainda tenho que arrumar minhas coisas para ir ao purgatório. Bom dia, Sra. Martha.
— Grace?!
— Bom d... — Tentou dizer a Sra. Martha.
Grace, saiu apressadamente em direção a seu quarto, completamente chateada.
Depois de arrumar o que julgava essencial, parou uns minutos no centro do aposento e fitou o chão, presa no silêncio reinante de seu quarto, sua mente a teletransportou para outro lugar. Havia pouca luminosidade no local, as cortinas pretas proporcionavam um tom sombrio e misterioso ao ambiente, em uma parede cinza se encontravam alguns quadros e troféus de xadrez e esgrima, também algumas pinturas de Jan Vermeer. Uma luz que vinha de uma luminária, na mesa de cabeceira, revelou um ser repousando sobre a cama, de pelagem branca e espessa, o jeito majestoso que o animal se mexia prendeu sua atenção e ela quis passar a mão pelo bichano, quando caminhou em direção a cama com o intuito do ato, uma porta se abriu revelando uma figura esguia e forte, com traços orientais, trajando uma camisa preta bem folgada e calça jeans rasgada nos joelhos. Grace se assustou com essa repentina aparição, andando para trás, quase que cambaleando, queria se esconder atrás das cortinas, porém ele sequer sentiu sua presença, era como se ela não estivesse ali. Ao perceber que o rapaz não poderia vê-la, se aproximou novamente, ele perambulava pelo quarto, ela fez mansão de se sentar na cama, contudo, um barulho forte a fez despertar.
Só tinha visto aquele quarto apenas uma vez, e em fotos, mas havia recriado tão bem que era como se realmente já houvesse frequentado e estivesse indo novamente. Outra batida forte a fez saltitar de sua cama, era sua mãe chamando-a para descer e tomar seu café. Grace a respondeu, porém como não houve resposta, imaginou que ela já estivesse descendo as escadas. A jovem olhou para aquela árvore que cresceu do outro lado da rua e pensou que deveriam cortá-la para que não ficasse ali... tão sozinha, recebendo o tempo, no entanto, também pensou na força que aquela pobre árvore tinha, suportava de pé tempestades com ventos horrendos, dias... com Sol escaldante, neve. "Seja forte como naquela árvore e vença seus monstros", uma voz vinda de seu subconsciente sussurrou, causando arrepios.
Quando se deu conta do horário, pegou suas coisas a toda velocidade e desceu quase que caindo das escadas, rumo a saída. Irina e a Sra. Martha falaram alguma coisa, mas não ouviu nada de tanta pressa, para não perder o ônibus, apenas as respondeu com um: "tchau e bom final de semana".
A primeira aula era de história. A Sra. Gray parecia radiante naquele dia. Grace se sentou em seu lugar percebendo que a Alice não se encontrava novamente e deu graças a Deus por isso. "O que será que aconteceu com o demônio?".
— Ela viajou com os pais. — Disse sua colega ao lado, parecendo que tinha ouvido seus pensamentos.
Ambas olhavam para o lugar vago que pertencia a Alice. Grace fez um aceno com a cabeça e se virou para prestar atenção ao assunto discutido pela Sra. Gray. A aula terminou e para Grace parecia ter se passado apenas alguns segundos, ou talvez o inferno parecesse uma eternidade. A próxima seria de biologia e só de pensar seu estômago se retorcia.
A manhã toda a garota evitou as mensagens do pai, estava muito chateada com ele, para ela não fazia sentido ir em sua ausência, ia por causa dele, ele fazia questão.
Depois do treino de Finswimming, foi para o estacionamento, lá encontrou a Liu Mei, que parecia já está esperando-a. A jovem exibiu dois sanduíches envoltos em plástico filme, Grace achou um pouco nojento estarem daquele jeito, ao ar livre sendo amassados, por mãos provavelmente suadas, porém não demostrou com suas expressões o quanto aquilo mexeu com seu estômago já revolto. Ela se aproximou da colega em passos lentos. A Mei a olhou de cima a baixo e isso a deixou bem desconfortável. Grace parou, ficando a uma certa distância da outra. Trajava uma calça Jogger preta cintura alta, um cropped cinza, manga comprida e cola alta, um tênis branco simples, seu casaco preto pendia de seu braço esquerdo. Estava bem arrumada, mas não se sentia tão feminina em comparação com a Mei, que usava um vestidinho creme de alcinhas com um cardigan curto amarelo, as mangas estavam dobradas na altura dos cotovelos, sapatilhas em tom nude enfeitavam o look de boneca dela, geralmente era assim que se vestia 'a boa moça'. Grace fez questão de devolver o olhar, porém este estava carregado de repreensão e muita crítica.
— Vai um sanduíche de presunto com suco de laranja? — Perguntou a Mei com um sorriso fofo, seus olhos asiáticos se tornaram linhas em seu rosto arredondado, sorrindo junto com seus lábios rosados. — Eu percebi que tem vindo muito aqui para almoçar. Ah! E entre as arquibancadas também.
— Tem me seguido? — Perguntou Grace pondo as mãos na cintura.
— Não. Magina — Mei se aproximou de Grace.
— Não me sinto tão exposta aqui.
— Imagino — Mei abaixou os olhos, fitando os sapatos da colega.
— Prefiro de pasta de Atum — Grace apontou para a comida embalada, tirando a atenção de sua vestimenta.
— Ah!
As duas caminharam em silêncio até o pátio. Grace tomou a direção e escolheu uma mesa mais reservada. O pátio não estava cheio, porém os rapazes do time de futebol faziam parecer lotado. O Chris Owens, estava lá, e rapidamente notou a presença das garotas, ela quis se levantar e sair o mais rápido possível. No entanto, iria parecer que estava fugindo dele ou deles e acabar virando comentário.
— Fiquei sabendo. Ouvi na verdade... — disse a Mei, olhando para onde Grace estava olhando. — É... Ouvi da Agatha, lá no vestuário que ele e a Alice não andam muito bem. Parece que estão dando um tempo.
— Você é muito vida dos outros. — Disse Grace se voltando para a colega.
— Nossa! — Mei se virou abruptamente. — Eu não sou fofoqueira.
— Aham!
— Meu Deus, pareço fofoqueira.
— Muito. — Grace brincou. — Quer dizer, não... Magina.
— Vamos ao shopping? Poderemos reformular o trabalho.
— Não dá. Hoje vou para a casa do meu pai. Tenho que estar lá cedo. — Grace cortou.
— Ah! Entendi. — Disse a Mei desconfortável.
— Mas poderemos ir na terça, só vamos entregar na próxima semana que vem mesmo. — Disse Grace com um sorriso, tentando parecer menos hostil. — E nesse meio tempo, a gente vai conversando.
Mei ofereceu o sanduíche a colega, que aceitou contragosto, só para ser gentil, quase que vomitando, recusou o suco, preferindo o leite fermentado, ofereceu o mesmo, porém foi recusado. Duas mordidas no lanche foram o bastante para não ver mais aquilo na sua frente. Conversaram até a troca de sinal para a penúltima aula, na verdade a Mei falava mais que tudo, a chinesa não parava a boca, Grace já estava se sentindo cansada, política e economia não eram com ela.
No final das aulas, Grace foi esperar o motorista de seu pai, que já se encontrava numa Ranger Rover Velar 2021, branco, que ela queria muito conduzir algum dia.
— Olá, Spencer! — Saudou a jovem.
— Olá, Senhorita Peterson. — Ele a cumprimentou, abrindo a porta para ela. — Deseja passar em algum lugar antes?
— Não. Tá tranquilo. — Disse a garota se acomodando no banco de trás. — Pode seguir viagem.
Enquanto deslizavam pela movimentada cidade, com a pesada atmosfera gasosa que os envolvia, teve necessidade de ir pra outro lugar, como sempre sentia, no entanto era como se estivesse sufocada, o ar quente preenchia seus pulmões que imploravam dolorosamente por uma brisa refrescantemente pura. Estava prestes colocar uma música quando começou a chover, dissipando a massa pesada de fumaça dos carros..., ela abaixou o vidro do carro sentindo os respingos acariciarem sua pele que os recebeu com júbilo, porém, meia hora depois ficaram presos no trânsito.
Depois de mais algumas boas horas, a fome a tomou, fez o Spencer Harris, parar em um Starbucks, e o convenceu a ir comer com ela. O Sr. Harris, era magro, alto, um tanto careca, era simpático e de vez em quando divertido, parecia mais com o personagem Jerry, de As Três Espiãs demais, em seus quarenta e poucos anos de idade.
— Então... Onde o meu pai se encontra hoje?
— Ele está em Washington...
— Ah, é... verdade!
Enquanto tomava seu capuccino e degustava seu croissant de presunto e queijo, seu celular tocou, ela o pegou e verificou quem era.
— Falando nele. — Disse Grace não se levantando para atender, apenas se virando de lado. — Oi pai!
— Oi Grace! — Disse ele do outro lado da linha. — Já chegou em casa?
— Ainda não — Grace deu uma mordida em seu lanche. — Paramos para comer alguma coisa. Esse trânsito miserável me deu fome.
— Grace, você sabe que é falta de educação falar de boca cheia, principalmente em locais públicos. — Falou ele.
— Desculpa. — Deu outra mordida despretensiosa.
— Vou ligar para a Evelyn e dizer que você se atrasou. — Disse seu pai em um tom mais sereno.
— Por quê? — Perguntou a jovem elevando a voz em tom debochado. — Ela não se importa mesmo.
— A Evy se importa sim...
— Olha pai, eu preciso ir. — Ela o interrompeu quase que bruscamente. — Vou pagar o restante do lanche. Falo contigo quando chegar.
— Está bem. Até mais princesa. — Se despediu ele parecendo exausto.
Ela desligou a chamada bem chateada, por muitos motivos ocultos de seus pensamentos, mas de vez em quando se mostravam claramente em momentos como aquele, quando ouvia as vozes cansadas de seus pais, suas brigas, seus rostos abatidos e ter que lidar com sua madrasta insuportável, tolerável por conta de seu pai. Todo esse tsunami a fez perder a fome.
Seus olhos então passearam pelo ambiente, não estava particularmente cheio, uma movimentação razoável. Numa mesa ao lado se encontrava uma família, a menina aparentava ter uns seis anos de idade, estava fazendo birra e sua mãe tentava acalmá-la, enquanto o pai estava no celular, ele parecia bem impaciente e irritado. Um pouco mais a frente as máquinas serpenteavam pelo local fazendo barulhos estranhos misturado com muitas vozes ao fundo, perto da entrada ficava uma estante com algumas canecas e outras bugigangas para serem vendidas. Do outro lado, no balcão, a fila estava enorme, isso a fez desistir de pensar em pegar mais alguma coisa mesmo não estando mais com fome. Seus olhos percorreram por cada rosto até parar em um conhecido, era o Ethan Hwang.
Uma onda de choque a tomou junto com um frio glacial congelando seu estômago por inteiro, seus olhos se arregalaram e automaticamente se virou para a frente. O Sr. Harris percebeu sua mudança repentina e sem entender nada perguntou se a mesma estava bem. Ela virou outra vez para olhar o rapaz e seus olhos se encontraram. Ele estava tão sério, tão sombrio, trajando uma camisa larga preta, calça jogger cinza escuro, que parecia preta, e um boné também da mesma cor, seu olhar obscuro fez Grace corar e se virar enrijecida para o Sr. Harris e pedir para ir embora. Hwang curiosamente a observou sair. Ela estava tão desconcertada que esqueceu até de como se andava, tropeçou no carpete da entrada e quase caiu, se não fosse pelo Sr. Harris que a segurou, teria ido de cara ao chão. Do lado de fora do estabelecimento, foi recebida por uma leve garoa que a fez tilintar de frio.
— O que aconteceu para sairmos fugidos daquele jeito? — Perguntou o motorista desconfiado.
— Nada — respondeu ela enquanto colocava o sinto de segurança.
— Conhecia aquele asiático?
— Spencer!! — A garota pronunciou o nome de olhos arregalados e quase em interrogativa.
— Me desculpe — o motorista parecia envergonhado, se remexeu no acento enquanto dava partida.
— Apenas quero chegar logo — disse ela fitando as lojas e prédios. — A propósito... Obrigada por ter me acompanhado.
O Sr. Harris a olhou pelo retrovisor e acenou em resposta.
Durante o percurso, Grace acabou cochilando, quando despertou já estava na porta de casa com o Sr. Harris chamando. A jovem saiu do carro arrastando a mochila, de cor vermelho vinho, contragosto, subindo as escadas. Foi recebida pela Maria Clark, que abriu a porta apressadamente, era a responsável pela cozinha e outrora, pela faxina da casa. Uma mulher um tanto estranha, mesmo sendo negra tinha um certo preconceito racial com sua própria cor (etnia), criticava ao ponto de ser desconfortável ficar perto, era baixinha e um pouco acima do peso.
Cumprimentou a menina com um sorriso exagerado, Grace devolveu o cumprimento, mas de forma educada, e educadamente a Maria tentou se adiantar e abrir a segunda porta, porém a jovem foi mais rápida. Grace tinha as chaves da casa, assim como a de seu quarto, que sempre deixava trancado, seu pai era o único que tinha acesso, ou seja, só era limpo quando um dos dois estavam.
Havia um corredor que dava conexão a sala de estar e jantar, estas ficavam do lado esquerdo da posição de entrada. Na própria sala de estar tinha um portal que as unia. Grace entrou sem pendurar seu casaco úmido antes de passar pelo segundo acesso. Andou pelo corredor em passos lentos, sempre se sentia acuada quando passava por aquela porta, a sensação de não pertencer ali, de ser indesejada era pior do que a sensação de não ser aceita na escola, porque aqueles eram conhecidos, deveriam ser família, apesar de suas diferenças, deveria ser o local de descanso, aquele onde o coração está. Noah estava na sala com o seu tablet tão distraído que nem notou a presença da irmã. No corredor tinha uma mesa com uma luminária e alguns porta-retratos, depois uma porta que dava acesso ao banheiro de hospedes, logo em seguida um armário com portas de vidro, no qual abrigava muitos tipos de taças e copos, na parte de baixo ficavam os jogos de porcelana inglês: "com certeza a Evelyn infantaria se isso viesse abaixo", pensou ela fitando o objeto.
Um cheiro agradável de frango assado com alecrim a fez se virar para o lado esquerdo e ver a Emily, tirando a mesa do almoço, havia metade de uma carcaça de frango sobre a bandeja de prata com detalhes enraizados. Parecia que tinha acontecido um almoço tardio especial, contudo, Grace não se sentiu desconfortável por ter perdido.
— Oi, Grace! — Saldou a jovem moça com um sorriso delicado e bochechas rosadas.
— Oi! — A outra a saudou igualmente, se aproximando da escadaria e repousando a sua mochila no terceiro degrau.
Nesse momento seu irmão percebeu sua presença ali. Noah, era o mais pacífico com ela. Fisicamente se parecia muito com a mãe, olhos grandes e castanhos bem escuros, cabelos castanhos e sedosamente ondulados, lábios pequenos e rosados. Grace o achava fofo.
— Oi, Noah...
Ele a comprimento com um sorriso simpático e se virou para o que estava fazendo. O segundo sofá ficava de costas para a mesa de jantar, uns dois metros de distância um do outro cruzando o portal, o primeiro igualmente de costas para a entrada (frente ao corredor).
A Emily Thompson, era a segunda encarregada da manutenção da casa, geralmente era ela quem arrumava o quarto da menina. Uma jovem simpática e de uma família esforçada do Brooklyn. Possuía um físico normal, o adorno que a enfeitava fisicamente eram seus olhos acinzentados, do qual adquiriam muitas tonalidades, era loira, todavia, parecia não possuir brilho. Grace gostava de observá-la trabalhar, era tão ágil, tão concentrada, parecia frágil, mas era forte, uma alma de superações repleta de cicatrizes, talvez gostasse de observá-la não por vê-la trabalhar, porém, mais por exemplo, de que as coisas ruins não duram pra sempre, e que somos mais fortes do que aquilo que nos afligi, a jovem também transmitia paz, sem contar que nesse meio tempo conversavam, falavam de livros, sagas, séries e até assuntos mais banais, a mesma sempre emprestava alguns de seus livros a menina, e ela o mesmo.
— Como foi sua semana? — Perguntou a Emily, colocando os pratos no carrinho, parecia interessada na própria pergunta.
— A mesma coisa, eu diria. — Respondeu a menina enquanto brincava com a alça da mochila. — Nada a ressaltar.
A jovem percebeu seu desconforto, seus olhos pararam nas mãos nervosas da garota ao pé da escada e imaginou o quão péssimo poderia ter sido. Parou por uns instantes vagueando para seu próprio passado desastroso, no qual tinha que aguentar a pressão na escola, ajudar a mãe em casa com seus irmãos mais jovens e suportar um pai alcoólatra, que os espancavam em seus delírios noturnos. Aos sete anos de idade, seu irmão mais velho tinha sido morto por policiais ao se envolver com pessoas erradas depois que deixou a escola. Sua mãe era doméstica e trabalhava em duas casas para ajudar a manter seus seis filhos (quatro meninas e dois meninos, fora o falecido), pois apesar de seu pai ser uma boa pessoa em seus dias sóbrios, não era exatamente alguém que se poderia confiar em épocas de imprevisíveis dificuldades.
— Comecei um livro... — Disse Grace quebrando a densa atmosfera que havia se formado, julgando ser sua culpa. — Hamlet de novo, mas por conta da escola. — Ela desviou o olhar, analisando o imponente lustre em formato retangular com suas joias que pendiam, iluminando a mesa de vidro com bordas em mármore branca, as cadeiras igualmente brancas com acentos acolchoados completavam o visual elegante.
— É um livro bom. — Falou a moça pegando o olhar da menina de volta. — Gosto de ler em tom de crítica.
— Sim. São novas essas... Essas cadeiras? — Perguntou Grace apontando para os objetos.
— Sim. — respondeu a outra terminando de pôr os últimos utensílios no carrinho. — Vierem na quinta. A família da Sra. Peterson estará vindo na terça e ela comprou algumas coisas para deixar a casa confortável pra recebê-los da Inglaterra.
— Hum! Imagino. — Disse Grace em deboche.
A conversa logo se dissipou quando a Maria, entrou na sala com seu sorriso desagradável. Grace rodou nos calcanhares e subiu as escadas apressadamente.
A casa tinha quatro quartos, dois com banheiros internos. No segundo andar ficavam o quarto do casal com um banheiro próprio e o do Noah, no final do corredor um banheiro externo, e de frente para a escadaria, uma sala de jogos. No terceiro andar estavam localizados os quartos de Grace, igual à do casal, e o do Jack, um escritório com uma estante de livros, antes do dormitório dela ficava a porta que levava ao sótão. Os corredores de acesso aos cômodos eram repletos de quadros da família e pinturas dos séculos XV e XVII.
Grace abriu a porta de seu quarto sendo recebida por uma lufada quente de coisas mofadas, a sua substância a fez espirrar descontroladamente. Ela correu até as janelas para abrí-las um pouco e deixar as partículas de mofo escaparem. O ar fresco da rua lhe trouxe um certo alívio. Seu quarto em Manhattan, era o oposto do outro. Ao lado da porta, em frente as janelas, ficavam uma cama de casal com lençóis e travesseiros salmão floral, em seguida uma mesa de cabeceira com uma luminária rosa bebê, também ficava a porta do banheiro. No lado direito, de quem entra, estavam uma estante de livros, uma escrivaninha, na segunda janela ficava seu cantinho de leitura (em frente a cama). A porta do armário estava ao lado da entrada, perto dessa também tinha uma cômoda (no lado esquerdo), havia em seguida uma poltrona e muitas pelúcias, em cima e no chão, um tapete cinza cobria o assoalho, as cortinas eram de um lilás claro, pequenas luminárias serpeavam pelo cômodo em cores azuis e roxas. Apesar de não se sentir em casa, ela amava estar ali, naquele ambiente tão familiar.
Enquanto arrumava suas coisas no seu armário, a Emily apareceu, pedindo para que ela descesse e fosse comer alguma coisa enquanto a mesma limpava o aposento, e assim ela o fez. Ao chegar na cozinha encontrou a Evelyn, esposa de seu pai.
— Ah! Você está aí — disse ela enquanto preparava seu chá. — O Ed, me disse que se atrasaria. O que sobrou do almoço está na geladeira, peça para a Maria, esquentá-lo ou você mesma o faz. — Falou ela com seu sotaque inglês e o biquinho que esboçava sempre que falava.
— Tranquilo. — Disse Grace se sentando a mesa, claramente não havia gostado de como sua madrasta tinha falado. — Não estou com fome. Mas obrigada. — Sua voz saiu arrastada.
— Hum! Okay.
— Como vai o livro? — Grace estava tentando parecer um pouco mais simpática, tentando ignorar o tratamento da outra, sabia que ela sempre ia fazer fofocas para seu pai.
— Está criando forma. — Respondeu a Evelyn, arrumando sua bandeja.
Evelyn Peterson, era uma escritora inglesa de livros de fantasia e mistérios, estava trabalhando na sua sétima obra, de uma saga de quatro volumes. Não era uma autora famosa, mas conseguia ter um bom lucro com seu trabalho. Sempre havia morado na Inglaterra, vinha de uma família de classe média e muito cultural, no entanto, quando conheceu o Edward Peterson, em uma de suas viagens de negócios, se apaixonou perdidamente, deixou tudo para viver com ele nos EUA, bem longe de sua família. Estava grávida de poucos meses quando veio para a América. Foi muito assustador para ela naquela época, seu namorado estava passando por uma separação e o medo de ficar sozinha era esmagador. Depois que teve seu primeiro filho, o Jack, entrou num quadro, supostamente leve de depressão, com a chegada do segundo, as coisas só declinaram. Grace achava que ela o amava de mais para deixar tudo para trás por alguém, não se imaginava fazendo isso por ninguém. O Edward, sempre se esforçava para apoiar sua esposa, se casou com ela dois anos depois do Jack nascer, ele se sentia responsável por seu quadro clínico, era ele quem financiava seus livros e alguns de seus caprichos.
A Evelyn não gostava da filha de seu marido, e deixava isso claro, ela achava a menina muito parecida com a mãe, apesar de tê-la visto poucas vezes, sentia que a garota era uma ponte de reaproximação com a ex dele, tinha muito ciúmes de ambas. Ela era bonita, tinha algo que ela fazia com os lábios que a deixava com um rosto meigo, algo do tipo, apertá-los, falava fazendo beicinho, cabelos e olhos castanhos escuros, suas madeixas desciam por suas costas em ondas sedosas, seda macia, sua pele era bem branca e delicada como pêssego, tinha um aspecto tão frágil, como uma boneca de porcelana.
— Quer que eu prepare alguma coisa para você? — Perguntou a Maria se aproximando da geladeira.
— Não, obrigada. — Respondeu a jovem educadamente.
— O Ed estará de volta no domingo à tarde. — Comentou a Evelyn olhando de soslaio.
— Pelo menos vou vê-lo. — Disse Grace pegando o celular.
A Evelyn, já tinha acabado o que estava fazendo, mas ela não perdia uma oportunidade de alfinetar.
— Eu só acho... que você deveria vir só quando o Ed estivesse...
— Concordo. — Pensou Grace em voz alta.
Evelyn a olhou de esguelha e continuou.
— Certamente seria agradável a todos. Eu com toda certeza, teria menos aborrecimentos. — Dizia ela mais para se mesma, enquanto pegava mais geleia.
Grace desligou o celular e abaixou a cabeça, seus cabelos caíram em seu rosto, feito cortinas, tentando escondê-la do mundo destrutivo que se encontrava, tamborilava com os dedos sobre a mesa, estava tentando não ouvir a voz da Evelyn ou apenas não surtar. "Por que é tão difícil ter um pouco de paz?". A Emily entrou na cozinha percebendo o clima tenso que se formava a cada palavra de sua patroa, sabendo que a enteada da mesma tinha uma língua bem afiada.
— Ainda não entendo por que o Ed fez questão de gastar seu dinheiro suado e seu tempo precioso, numa causa que claramente não era mais sua. — A mulher falava em tom de indignação e raiva, em uma das ocasiões, bateu com uma das xícaras na bandeja que quase quebrou. — Só para pegar fardo dos outros.
Nesse momento a Emily parou e olhou de Grace para a sua patroa um pouco boquiaberta. A Maria abaixou a cabeça e coçou a testa. Evelyn estava prestes a sair com sua bandeja de chá...
— Assim como os seus. — Disse Grace com a voz bem tranquila, se levantando, sua madrasta parou ao som de suas palavras. — Você deu a ele dois... fardos.
Surpresa com a afronta, apenas ficou olhando a jovem. Irritada, Grace voltou para seu quarto, e desejando estrangular a Evelyn. Ao ver que Grace não desceria mais, pois já haviam se passado horas, a Emily levou seu jantar, um sanduíche de pasta de atum, nuggets, suco de laranja e uma garrafinha de leite fermentado.
Era umas 03h30 AM, quando Grace despertou de um pesadelo horrível. Era perseguida por uma criatura sobrenatural, não conseguia gritar, não conseguia correr. Parada no canto do quarto, a observava, estava frio ao passo que o monstro se aproximava oculta pelas sombras. Tentava gritar o mais alto que conseguia, mas nada podia ser ouvido, o pânico se alastrou, podia senti-lo. Ela acordou gritando, passou as mãos pelos cabelos ainda ofegante, olhou para o canto escuro onde ficava a estante de livros, as cortinas dançavam, como um véu espectral ao luar, projetando sombras fantasmagóricas sobre o assoalho e na parede atrás dela, ainda estava frio. O barulho da chuva a fez perceber que uma das janelas estava aberta. Um vento gélido entrava, fazendo-a tremer de frio, ou só seria o medo mesmo. Tentou correr para fechá-la, porém um de seus pés se enrolou na coberta e ela caiu, sentiu seu tornozelo dar um estalo, quando se levantou percebeu que não conseguia se apoiar no chão. Depois de fechar a janela, saio mancando rumo a cozinha.
Enquanto passava pelo quarto do Jack, tentando fazer o máximo de silêncio possível, ouviu um barulho e abruptamente parou, se equilibrando no pé bom. Uns gemidos de prazer, vinham do outro lado da porta entreaberta. Ela se aproximou para espiar, sua curiosidade fervilhava. O ambiente estava baço, uma luz azulada vinda do computador tremeluzia sobre seu irmão produzindo sombras estranhas. Os sons ficaram mais altos, o Jack também gemia e proferia vários palavrões enquanto dava tudo de se no que estava fazendo. Na mente dela se passou outra coisa bem errada, com isso empurrou um pouco a porta e viu o que realmente era, ele se masturbava enquanto via pornográfica. Estava sem roupas, na diagonal de costas para a entrada. Aquilo a deixou um pouco enjoada e esboçou uma careta: "uma criatura branca azulada, magricela e molhada de suor".
— Nojento — pensou Grace em voz alta.
Jack se assustou, e no medo desligou o aparelho, abaixando a tela rapidamente completamente atônito fitando a porta. Grace se escondeu rolando para o lado, levando uma das mãos a boca, depois se arrastou até as escadas. "Parece que o 'baby' da mamãe não é tão 'baby' assim". Pensou ela com uma maldade em seus olhos.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top