Capítulo II

— Um caminhão de mudanças. — Pensou Grace em voz alta.

A sensação de paz que havia sentido até poucos instantes se transformou em um arrepio na espinha, uma agonia que tomou todo seu corpo, sua boca secou e seu coração acelerou, ficou enjoada e automaticamente sentiu as pernas fracas, como está sob uma alta torre, de frente a uma grande plateia na hora de uma apresentação, isso tudo por causa de um único pensamento: "Mudança de novo não, de novo não."

Depois de alguns minutos na calçada, que pareceram horas, buscando clarear os pensamentos e recuperar os movimentos das pernas, ela atravessou a rua e entrou na recepção tentando se controlar para não surtar ali, então percebeu que as coisas estavam sendo descarregadas. Muitas caixas, muitos embrulhos de vários tamanhos eram carregados para dentro do prédio, alguns usavam o elevador de serviço e outros se acabavam nas escadas. Em vista disso, conseguiu sentir um certo alivio por essa observação, colocou a mão no peito e respirou fundo.

Se aproximou do porteiro do outro lado do balcão e este a olhou de soslaio. Ele repousou o jornal na bancada e voltou sua atenção para além da garota, para dois rapazes que tentavam colocar o que parecia ser um quadro (a julgar pelo pacote), no elevador, discutiam sobre um jeito mais fácil de fazê-lo atravessar a porta sem danificar o objeto. Grace também os observava com um certo deboche, depois que conseguiram passar o invólucro pela porta, ela se virou para o senhor a sua frente que a encarou contra gosto, com um semblante ranzinza.

— Olá! Boa noite Sr. ... Sr. ... — Disse ao porteiro e ele ergueu uma das sobrancelhas.

Ela nunca lembrava o nome dele, assim como não ia muito com sua cara, também não era muito boa em gravar nomes, principalmente aqueles difíceis. Ele era um homem baixinho e com a aparência desgastada, possuía uma coroa com poucos cabelos na cabeça, no meio parecia um frade e não falava com ela, ou com quase ninguém, apenas acenava, a impressão que passava era de que estava sempre de mal humor, desgostoso da vida.

— Inquilino novo?

Ele respondeu com um aceno.

— Ah! Tá bom então. Até mais Sr. — Disse Grace revirando os olhos em crítica pelo comportamento do idoso.

O velho a acompanhou com um olhar estranho, depois voltou-se para o jornal que pela capa parecia ser do dia anterior.

Ao abrir a porta, foi recebida por um aroma forte de lavanda, a Sra. Marta não se encontrava em seu campo de visão. As luzis da sala e cozinha estavam apagadas, só o lustre da sala de jantar, frente as janelas, se encontrava ligado. Ela foi até a sala, deixou a bolsa em cima de uma das poltronas e ascendeu uma luminária, depois caminhou até a janela observando a calçada que se mergulhava no breu, a noite havia chegado. Se aproximou mais do vidro, podia ver seu reflexo, tão pálida e sem vida, parecia tão perto e tão longe ao mesmo tempo, uma figura espectral, um vento gelado a envolveu com seus dedos finos e frios de morte, de repente era como se o vidro não existisse mais, e estivesse mais perto ainda do precipício, seduzindo-a, o vento gélido invadiu o cômodo e naquele momento teve a impressão de ouvir uma voz sussurrar: 'Liberte-se', a ventania a empurrou e ela se viu indo de encontro ao abismo sombrio. Grace deu um grito abafado se afastando abruptamente da janela levando uma mão ao peito e outra à cabeça. Quando se virou viu a Sra. Marta descendo com um balde e uma vassoura nas mãos.

— Usou toda a minha colônia na casa? — perguntou Grace indo até o aquário, tentando parecer normal, controlando a respiração ofegante e a voz tremula.

— Oi Grace! — Saldou a Sra. Marta se dirigindo para a cozinha — Então... eu fui numa lojinha que tem ali, quase no final do quarteirão, agora não lembro o nome, então... achei um produtinho para o chão maravilhoso, e tem cheiro de lavanda, multe utilidades.

— Que reconfortante saber que não é minha colônia. — Brincou Grace enquanto dava comida aos peixes.

— Ah! Ah! Ah! Engraçadinha. — Criticou a Sra. Marta pondo as mãos na cintura, olhando a menina de cima a baixo. — Mas, e então, como foi com o trabalho de campo? Amigos novos?

— Nada a ser comentado. — Disse Grace jogando os últimos grãos da ração na água, observando enquanto eles desciam lentamente e a rapidez que eram devorados. — Não estou fazendo novos amigos. Não se dá para fazer amigos quando se entra quase no meio do ano letivo.

— Isso não é tudo verdade, sabia?

— Não me importo. Não faz muita diferença, daqui a pouco vamos nos mudar de novo mesmo. E tudo ficará pra trás.

A Sra. Marta a olhou com um olhar pesaroso, sentiu a angustia e a revolta nas palavras de sua querida menina.

— Vou subir e tomar um banho.

— Tá bom. Tudo bem, mas desça para jantar.

— Certo. Tranquilo.

Grace pegou sua bolsa e subiu, fechando a porta do quarto, fechando o mundo, mas não calando as vozes que a cercavam num murmúrio constante. Colocou uma música em seu computador, no volume médio e ao som de Bad dream foi preparar seu banho. Tinha ouvido muito aquela música nos últimos dias, pesadelos estranhos e pensamentos hediondos, monstros noturnos, coisas das quais a assustava as vezes, como se houvesse uma outra pessoa em sua mente, má, silenciando-a, e a canção a atingia com força, conduzindo-a a uma sensação boa, como se estivesse falando por ela, enfim tinha voz.

Ao entrar na banheira sentiu um peso sair de seus ombros, a sensação de um abraço quentinho e aconchegante, um toque de alfazema preenchia o ar. O vapor havia criado uma leve bruma, pousando sobre a superfície da água como num lago de águas negras, num cenário fantasmagórico. Grace teve a impressão de ver além, um horizonte imaginário, magico, criaturas místicas nadavam, leves e graciosas, de aparência surreal, seus movimentos hipnóticos gesticulados ao som de uma cantiga antiga, uma voz espectral a entoava de dentro das profundezas do tempo, estavam ocultas pelo nevoeiro que as envolvia — tão belas. Ela mergulhou e quando emergiu as criaturas e todo o resto daquele mundo haviam desaparecido. Parecia tão real, dava para sentir o clima, o mistério, o encanto do passado de um conto imaginário. Mas estava tudo só em sua cabeça.

Depois de uns bons minutos na água quente, saiu, se enrolou na toalha, parou frente ao espelho e observou seu reflexo embaçado pelo vapor, parecia um fantasma sem rosto nítido, que copiava seus movimentos. Passando a mão, revelou a face que se encontrava do outro lado e algo começou acrescer dentro de se, um descontentamento, aquela figura a desagradava, olhos no formato profundo, grandes alongados e castanhos levemente apagados, rosto pequeno um tanto quadrado triangular, lábios pequenos em formato de coração, nariz arrebitado do qual odiava: 'Não há nada de atraente em você', ela podia ouvir uma voz sussurrar. 'Por que deixa elas fazerem isso com você', as palavras da Liu Mei vinham a toda velocidade atingindo-a. 'Verme medíocre', a voz da Alice soava como um tambor, isso foi o bastante para desequilibrá-la.

Ela teve a impressão de ver a figura do outro lado sorrir, sentiu medo, abruptamente a pessoa pegou a tesoura que repousava na bancada da pia, enterrando-a no braço, puxando-a num corte vertical muito profundo. Grace gritou, deu um pulo para trás assustada, quando olhou para baixo havia uma tesoura em sua mão direita, ela a jogou para longe com um grito quase inaudível. Fitou o objeto a uma distância, pequenos pingos dágua caiam no metal fazendo um barulho sepulcral. Uma batida na porta a fez acordar do transe.

— Grace?! — Uma voz vinda do quarto a chamava. — Grace?!

— Oi... Oi! — Respondeu ela com a voz esganiçada.

— Você está bem? — Perguntou a Sra. Marta. — Ouvi gritos. Está tudo bem?

Grace se viu muda, não conseguia responder, só chorar, um nó se fez em sua garganta provocando uma dor agonizante, medo era o que reinava.

— Grace?! — Chamou batendo na porta uma outra vez.

— Si... si... sim. — Respondeu tentando forçar a voz para parecer normal. — Daqui a pouco eu desço.

— Tudo bem. Deixei suas roupas no closet.

— Obrigada...

Quando percebeu que a Sra. Marta tinha saído, se pôs a chorar. Chorava muito, seu peito doía, parecia que algo o estava esmagando lentamente para que sentisse a dor, a agonia. Seu pulso estava intacto, mas por pouco não o tinha dilacerado, aquilo a aterrorizou imensamente, não conseguia conter as lágrimas que escorriam como cascatas, inundando o vale com águas vermelhas, e aquela voz insuportável que não a deixava em paz gritava cada vez mais alto, como o arauto dos corvos: 'Como silenciá-la? Como acabar com a dor?'
' — Liberte-se...'

Grace nem sempre foi assim... complicada. Ela nunca se considerou uma pessoa ansiosa ou nada do tipo, apesar de sabermos que em algum momento durante a fase da vida enfrentaremos algum tipo de monstro, o natural dos dias corridos, problemas enfrentados, porém com o passar desses últimos tempos, estava se convencendo do contrário, estava se deparando com a complexidade de se mesma, sua mente, uma coisa poderosa. Mas talvez tenha sempre estado lá, e talvez a separação de seus pais, as mudanças repentinas tenham sido o gatilho para que os demônios se aproximassem, e a escola só piorava mais ainda levando cada vez mais monstros até ela, vozes que preenchiam o silencio de seus pensamentos e a que mais temia era aquela que gritava por liberdade. As vezes pensava em procurar por ajuda, porém o medo de ser tachada como fraca e outros adjetivos que dão para pessoas assim, a fazia recuar e desistir de tal pensamento. Dizem querer ajudar, mas na verdade ninguém quer ficar perto de alguém problemático: "estou num mundo hipócrita".

Depois de quase meia hora sentada no chão do banheiro fitando o nada, batalhando contra se mesma, criando forças para levantar, finalmente conseguiu se erguer. Fechou as cortinas e se sentou na cama, não estava com fome nem vontade de descer, queria apenas ficar onde estava, vestir seu pijama e se envolver nas cobertas. Foi até o closet e se vestiu, uma blusa cinza de mangas compridas em tom azul escuro e uma calça moletom cinza quadriculada. Ela pegou o computador e colocou a música para tocar mais uma vez, se jogou na cama e fitou o teto. O toque de seu celular cortou a melodia que fluía pelo cômodo como uma massa leve e relaxante de alfazema, despertando-a de seus pensamentos.

— Alô! — Atendeu.

— Oi Grace! É a mamãe.

— Oi mãe. E aí? Como está? — Preguntou Grace pegando um travesseiro e pondo em sua cabeça. — Onde está agora?

— E aí meu amor? Eu estou bem, estou em Las Vegas agora, mas amanhã estou indo pra casa.

— Não ia ficar mais três dias? — Perguntou Grace com uma certa empolgação na voz.

— Eu ia, mas houve umas mudanças de última hora aqui. — Disse a Irina falando um pouco mais alto.

Havia um barulho bem irritante do outro lado da linha, música e muitas vozes ao mesmo tempo, fez Grace ficar enjoada e querer desligar.

— Ah! Tá bom — falou Grace afastando mais o aparelho de sua orelha. — Mãe, a senhora está onde?

— Em Las Vegas, já disse.

— Não... eu sei. Eu falo tipo... esse barulho. Tá horrível!

— Ah, tá! Eu estou em um barzinho com uns colegas. — Disse ela mais alto. — Mas e você, como está? Já jantou?

— Estou bem mãe. Não jantei ainda porque estou sem fome. Mas tá tranquilo.

— Tá bom, só não fique sem comer nada, você já tá muito magrinha, daqui a pouco só vai ter osso.

— O mundo gosta assim.

— É, mas não é saudável.

— Tá bem. — Disse Grace sentindo a garganta apertar e os olhos embaçarem. — Mãe, sinto sua falta.

— Eu também meu amor. Amanhã à noite já estarei em casa com você, pra te apertar bem forte. Mamãe te ama.

— Também te amo. Mãe eu preciso ir agora.

— Tá bem. Boa noite meu amor. Até amanhã.

— Boa noite mãe. Até...

E com isso encerraram a ligação.

A dor esmagadora preencheu outra vez seu peito, sua garganta estava tão fechada que era difícil engolir e as lágrimas começaram a vir, sem controle algum elas vinham, como as constantes tempestades de verão, provocando raios e trovões na pequena caixa revestida de ossos. Depois de chorar rios adormeceu, sempre apagava depois de chorar bastante ao ponto de quase não ter mais lágrimas. Quando percebeu que Grace não iria descer, a Sra. Marta subiu para vê-la. A porta estava encostada, a jovem dormia profundamente. A senhora entrou, desligou a música, cobriu a menina, apagou as luzis e saiu, não quis chama-la, achou ser melhor assim. Preparou um prato para a garota e o colocou na geladeira, para que ela pudesse esquenta-lo depois.

A Sra. Marta tinha três filhos e quatro netos, para ela com Grace eram cinco, pois ela a considerava, de alguma forma havia se apegado a menina, talvez por sua carência e vulnerabilidade que para ela se tornavam notórios, despertando um senso de proteção. Já conhecia a Irina, através da mãe da mesma, Eliza Martins. Quando a Irina a chamou pedindo para que a ajudasse com a sua filha, Marta Evans, não hesitou em aceitar, deixou sua casa em South end, Boston, nos cuidados do filho mais velho e se mudou com a Sra. Martins que na época morava próximo, depois houve mais outros lugares até este do qual se encontravam, East Village. Seus filhos não entenderam essa sua motivação e foram contra, até porque já era de idade, 65 anos de idade e alguns poucos problemas de saúde não a capacitava para ser babá, no entanto, naquele dia em que foi confrontada com respeito a sua decisão, se fez firme e não retrocedeu. Era uma senhora de belos traços, cabelos loiros levemente grisalhos em formato Chanel com uma franja que dava um aspecto de peruca, algumas rugas preenchiam sua face rosada, olhos azuis escuros e um sorriso que enredeava amabilidade.

Ao dar seu horário, se recolheu para dormir. O apartamento só tinha dois quartos, a Sra. Martins cedia seu quarto em sua ausência, para ela não existia problema algum, sempre o encontrava do mesmo jeito que deixava, em sua presença, dona Marta ficava num prédio do outro lado da rua.

Era umas 03h e pouca da manhã quando a jovem acordou faminta. Foi até o banheiro e lavou o rosto, a lâmina se encontrava na pia, não teve coragem de pega-la, olhou rapidamente e saiu. Seu aparelho se encontrava em cima da cama, havia algumas mensagens da Liu Mei: 'como ela consegue ser tão chata?' pensou em voz alta abrindo a conversa.

[ Mei ] Oi! É a Mei. (-_ -)

[ Mei ] Tava pensando naquilo que me disse sobre objetivos e motivações das pessoas e pensei.

[ Mei ] Por que não começar por em casa?

[ Mei ] Vou entrevistar os meus pais e você entrevista os seus.

[ Mei ] O que acha?

[ Mei ] Me dá uma resposta depois.

[ Grace ] Okay!

[ Grace ] Tranquilo! Pode ser.

Quando terminou de responder desceu para comer.

As únicas luzes que ocupavam o cômodo era a que vinha do aquário, da rua e um pequeno feixe prateado da Lua que brilhava timidamente em meio a tantas nuvens. Ela ligou apenas a luminária da cozinha. Foi até a geladeira e encontrou sua refeição muito bem embalada, batatas e brócolis refogados, vagem e frango empanado a fez salivar, rasgou o lacre do papel filme com agressividade.

— Merda! — Pensou em voz alta derramando um pouco da comida.

Se dirigiu até o armário para pegar uma pá e um pano para limpar a bagunça. Havia algumas latas na frente e na busca de encontrar os objetos se esbarrou nelas, na tentativa de pega-las só piorou mais ainda, o barulho das latas caindo pareceu ecoar por toda a casa.

— Porra! Maldição! — exclamou fechando os olhos, apertando-os.

Grace sabia que aquela zoada poderia ter acordado a Sra. Marta e se amaldiçoou por isso, não gostava que ninguém atrapalhasse seu sono e tentava não fazer o mesmo. Com todo cuidado para não causar mais barulho ainda, começou a catar as latinhas, quando se levantou ao se virar deu de cara com uma figura de cabelos desgrenhados segurando um abajur em posição de ataque. Com o susto a menina soltou um grito agudo lançando os objetos longe. Ambas gritaram assustadas. Ao ouvir uma movimentação lá em baixo, a Sra. Marta se armou e desceu para afugentar o suposto entroso.

— Por Deus! Exclamou a Sra. Marta. — O que está fazendo?

— Meu Deus! A senhora não pode andar assim pela casa.— Disse Grace levando a mão ao peito — Jesus! Quase me matou.

— E você quase me matou também. Eu tenho problemas de saúde, sabia? — Disse ela repousando a luminária sobre a bancada. — Achei que era um ladrão ou sei lá. Tenho que andar prevenida. — Disse tocando o objeto que usou como arma. — Eu poderia ter te acertado — sua expressão era de assombro.

— É, poderia... Santo Deus, Sra. Marta! A senhora é muito assustada.

— Assustada nada —  ajudava Grace a pegar as latas do chão. — Se fosse um invasor, teria que te proteger, não acha?

— Tá bom, mas não é pra tanto.

— Precisa de ajuda com alguma coisa?

— Não, pode voltar a dormir. Desculpe pela confusão.

Depois que a Sra. Marta subiu, ela esquentou a comida. Comeu assistindo TV. As horas foram se passando e pegou no sono outra vez.

O sinal tocou para o intervalo, Grace se dirigiu para seu armário, ao abrir caiu um pedaço de papel dobrado, ela se agachou para pegar, mas nesse momento recebeu um empurrão de alguém, caindo de lado. Ao olhar, viu que era a Alice acompanhada do Chris, seu namorado.

— Levanta não — disse a Zoe jogando-a no chão outra vez. —  Fica aí que é o seu lugar.

As outras pessoas que estavam perto começaram a rir. Grace teve a sensação que estava ficando vermelha.

No refeitório, procurou uma mesa reservada e se sentou, próximo a saída pro pátio. Estava tão distraída em seus pensamentos criativos que não viu a Liu Mei se sentando à mesa: 'Ó Deus, me dê paciência'.

A Mei sentou-se em silêncio, de frente para Grace, observando a mesma que não a cumprimentou, ela ficou completamente sem jeito e abaixou a cabeça. Grace olhou e sorriu educadamente, não queria ser a primeira a quebrar o silêncio e não queria que fosse quebrado. Olhou ao redor percebendo que estava sendo observada, algumas pessoas as olhavam e cochichavam entre si, inclusive o David, seu colega de laboratório, ela sentiu suas bochechas corarem, abaixou o olhar, enterrando a cara na mesa, deu uma mordida na maçã e passou a mão pelos cabelos, jogando-os de lado.

— Eu acho que ele gosta de você.

Estava tanto tempo em silêncio que esqueceu da presença da outra.

— Ele te observa muito — disse a Mei olhando de soslaio para o rapaz. Grace a olhou de baixo. - Eu não quero parecer ser chata. Só sentei aqui porque... porque...

Grace esperou que continuasse, mas viu de novo outra nevoa de silêncio cobri-las, sabia que ela estava ali para falar sobre o trabalho e de certa forma queria ajudar a colega.

— Eu pensei no que me disse, sobre entrevistar nossos pais. Para mim vai ser interessante, até por que eles trabalham como uns loucos.

Mei rio ao comentário da outra, descontraindo o clima. Logo se viram numa conversa bem agradável, falavam sobre livros, séries, e de vez em quando Grace olhava na direção do garoto ruivo e a Mei acompanhava esses olhares.

Na troca de sinal a jovem foi para a sua próxima aula, literatura, Mei a acompanhou até a sala, lá se separaram. As aulas da Sra. Kristen entre todas as outras era uma das mais agradáveis. Ela tinha uma fala mansa e pensada, alguns chegavam a cochilar, mas quando lia, parecia magica, dava vida as palavras e elas saltitavam como pipocas pelo ar, Grace tinha o desejo de ler igualzinho a ela: 'uma língua encantada', pensou se lembrando do livro 'Coração de Tinta', de Cornelia Funke, uma de suas autoras favoritas. Se sentou em seu lugar de costume, arrumou suas coisas sobre a mesa e percebeu um murmúrio diferente percorrendo pela sala. O assunto era o baile e quem iria concorrer, também quem provavelmente seria a Bela do ano, e a estranha, com esse comentário um certo grupo olhou na direção de Grace, que desviou o olhar rapidamente tentando parecer absorta, nesse momento a Agatha Adams entrou desfilando maravilhosa e alguns olhos se voltaram para ela. Era uma morena linda, sua pele branca contrastava com seus longos lisos cabelos negros e volumosos, alta com um andar sensual, sempre séria, mas não ao ponto de parecer mal humorada, sobrancelhas pretas levemente arqueadas dava um ar de mistério aos seus olhos castanhos escuros, gostava de batons em tons escuros, os vermelhos eram os seus favoritos, tinha descendência latina, parecia um pouco gótica, no entanto só parecia.

Grace sentiu sua autoestima ir ao chão, a vontade era de sair da sala, de ir para casa e não ver mais ninguém. Quando se levantou para partir a Sra. Kristen entrou. Sua colega a fitou, em seguida para o grupo que ria, Grace queria morrer ao ficar ali, se saísse chamaria mais atenção e ficaria mal aos olhos da professora, fez o possível para ignorar as pessoas a sua volta. O restante da aula percorreu normalmente, iniciando Hamlet, uma das obras de Shakespeare, todos teriam que dá início a leitura, num ponto de vista reflexivo. Ela detestou a ideia, a pesar do livro ser bom, não gostava de ler pôr pressão, porém a leitura a fez esquecer seus colegas.

Ao final de mais três aulas, se dirigiu para o vestuário, tinha treino de natação. Ao abrir o armário encontrou suas roupas repicadas, automaticamente levou a mão na cabeça e se viu chorando de raiva, tinha ganhado aquele traje de seu pai. Pegou algumas das peças destruídas e foi até a direção. Quando chegou a coordenação, se sentiu mais uma vez frustrada, fez a queixa, a presentou a prova, porém como não tinha visto quem foi, não poderiam fazer muita coisa, no entanto, ficariam vigilantes para encontrar o responsável e puni-lo.

Ao voltar para o vestuário, se arrumou para entrar na piscina com roupas de malhar, mas deixou as outras dentro da mochila escondida em cima do armário. A Sra. Lesley Lewis, sua treinadora, já a esperava impaciente.

— Está atrasada — disse ela cruzando os braços.

— Eu sei — Grace passou por ela, pegando sua monobarbatana. — Desculpe.

— Só tem três pessoas nessa modalidade, se só duas ou uma der presença, eu terei que dar baixa.

Grace parou de repente ao som daquelas palavras. Seus batimentos aceleraram, sentiu medo, seu estomago se reviro, queria vomitar.

— Sra. Lewis, o Finswimming é a única coisa boa nessa escola que faz ter algum sentido, não pode... dar baixa.

— Então faça valer, sendo pontual. Agora, para a água!

Suas colegas a encararam furiosas. Grace colocou sua touca e foi fazer o que mais gostava, nadar.

A noite foi se aproximando, a Sra. Evans não se encontrava, a jovem estava ansiosa para que sua mãe chegasse logo. Para ajudar o tempo passar ainda mais rápido, foi arrumar seu quarto, apesar de não está bagunçado, depois arrumou a cozinha, e foi adiantar as lições de casa. Enquanto jogava suas coisas em cima da cama, um pedaço de papel caiu, então se lembrou do ocorrido de mais cedo: 'Eu me esqueci completamente disso', pensou fitando o objeto. Era de cor azul florescente, tinha cheiro de álcool. Ela abriu receosa, havia uma foto sua com uma caveira grosseiramente desenhada em seu rosto. Tomou aquilo como uma ameaça, podia ouvir seus batimentos, um vento frio a tomou de dentro pra fora, seu interior se contorcia como larvas comendo-a vorazmente. Pensou em contar para alguém, mas depois do desfecho do dia, preferiu deixar quieto, até porque, não sabia quem tinha deixado aquilo.

Quando a sua mãe finalmente apareceu já era 20h00 PM. Ela e a Sra. Marta fizeram o jantar juntas, quando a Irina chegou estava tudo perfeitamente arrumado. Jantaram e ficaram conversando até as 22h e tanta da noite, deixou algumas lembranças com a idosa, e abriram aos risos, até algumas taças de vinho saiu para as duas e a menina ficou com seu café com creme. Quando a Sra. Evans tinha ido embora, Grace foi ajudar sua mãe a desfazer as malas. Irina havia comprado algumas coisas para a filha e junto haviam alguns bichinhos de pelúcias. Grace fez uma careta ao encarar um macaco estranhamente feio, no ponto de vista dela, ficando desanimada.

— O que foi? — Perguntou a Irina encarando-a com um olhar bugado. — Não gostou?

— Mãe, não sou mais criança.

— Eu sei. Por isso não é rosa.

Grace olhou para ela e bateu com a mão em sua própria testa, sua mãe não viu, estava ocupada pegando alguns pacotes de papel laminado, ela passou um para a filha que o pegou sem muita vontade, rasgando lentamente, Irina teve vontade de tomar e abrir de uma vez, aquela lerdeza a incomodava. Quando a jovem finalmente abriu teve uma surpresa mais que agradável.

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