Capítulo 4 - Desabafos noturnos


O Aquarius já tinha zarpado fazia quinze minutos, um alívio instalou-se por constatar que não fora apanhada e que podia safar-se, mas os seus pais... O que terá sido feito deles? Será que fugiram? Foram apanhados? Ou pior... Nem queria imaginar. Sem se aperceber uma lágrima solitária escorreu pelo seu rosto mas Fiona não a secou, cada fibra do seu ser contorcia-se em preocupação e angustia por não estar aqui com os seus pais.

O que era feito deles era um mistério.

O céu noturno estava estrelado, pontos brilhantes espalhados pelo céu davam uma beleza indescritível à paisagem noturna. Uma brisa balançava os cabelos negros e cacheados de Fiona enquanto esta estava apoiada na grade do navio a fitar o mar mediterrâneo.

Estava distraída que nem percebeu quando alguém se aproximou da grade.

- Não estás com muita boa cara.

Fiona voltou-se para a pessoa ao seu lado e forçou um sorriso.

- Não é nada de mais.

Doug virou-se de frente para Fiona e olhou-a atentamente sem dizer nada.

- Não parece não ser nada. Queres falar?

Fiona fitou Doug e sorriu. Precisava de desabafar e a pessoa ideal era Doug.

- Sim, preciso mesmo de deitar tudo cá para fora. - suspirou procurando forças para falar - Bem... Então é assim... - começou fitando novamente o mar. - A minha família era pobre, os meus pais mesmo com bens escassos sempre se esforçaram para dar-me tudo o que eu precisava. Ainda nova, com doze anos, comecei a trabalhar como empregada de limpeza na casa dos ricos como costumo dizer, não pagavam muito mas era o suficiente para sobreviver se juntasse o ordenado do meu pai.

Doug fitava-a atentamente sem a interromper.

- As pessoas em Sevilha conheciam-nos muito bem, a mim em especial, eu era conhecida como la bella sevillana por adorar dançar as sevilhanas...

- Tu danças? - perguntou Doug curioso.

- Sim, é aquilo que mais adoro fazer. - disse Fiona sorrindo. - Mas nunca pude dedicar-me a isso pois tinha que trabalhar. Mas um dia tudo mudou.

Suspirou.

- Um dia o meu pai começou a atrasar-se no pagamento dos impostos ao rei, depois soubemos que eles estavam atrás de nós e fugimos de madrugada, ontem. Passamos a noite em casa da minha tia Mercedes e depois do almoço continuamos o caminho até que... Um quilómetro antes de chegar ao porto os homens que nos perseguiam começaram a aproximar-se, então o meu pai pediu para eu agarrar no cavalo e sair dali.

Parou para controlar os soluços do choro.

- Continua. Tu consegues. - disse Doug segurando carinhosamente nos braços de Fiona enquanto esta segurava as lágrimas. Fiona abraçou Doug e apertou-o com força.

- O problema é que eu não sei se eles fugiram ou foram apanhados, e não saber nada deles angustia-me muito.

Doug embalou Fiona nos braços enquanto ela chorava com o rosto enterrado no seu peito.

- Shhhh, vais ver que tudo vai correr bem, apenas precisas de ter fé.

Fiona afastou-se ligeiramente, fitou Doug e assentiu em concordância.

- Agora. - disse Doug com um sorriso divertido. - Conta-me mais acerca desse teu lado de bailarina de sevilhanas.


Nessa noite jantou com Doug no restaurante do navio e depois vieram até ao convés conversar.

- Bom já falei de mim, disse-te onde vivia inclusive, agora é a tua vez. Fala-me de ti.

Doug sorriu, coçou a nuca atrapalhado e fitou o vazio à sua frente.

- Bom... Chamo-me Doug. - começou Doug fazendo Fiona rir. - Tenho vinte e cinco anos, venho de Córdoba e até à dois meses vivia sozinho com a minha irmã mais nova.

- Passou-se alguma coisa com ela?

- Não propriamente. Eu mandei-a para casa dos meus tios em Nápoles quando não podia mais cuidar dela sozinho, mas prometi-lhe que assim que pudesse ia ter com ela.

- Por isso é que vais para Itália?

- Sim. - assentiu em concordância.

- Como é que ela se chama. - perguntou Fiona.

- Stella.

- Ela tem muita sorte por ter um irmão como tu. - disse Fiona e Doug sorriu envergonhado.

- Mal posso esperar por vê-la.

- Fiona!

Fiona franziu o cenho e ao virar-se viu ter sido Catherine quem a chamou, Doug permanecia quieto com uma careta confusa.

- Ah Catherine és tu, chega aqui. - disse Fiona acenando para que Catherine se aproximasse.

- Oh desculpa, Doug esta é a Catherine, a minha colega de cabine, Catherine este é o Doug, meu amigo. - Doug sorriu, não só por educação mas também porque mesmo conhecendo-se à pouco tempo, nem há um dia sequer, Fiona já o considerar seu amigo.

- É um prazer Doug. Eu andava à tua procura para irmos a uma "festa" aqui no navio. - disse Catherine.

- Porque fizeste aspas com os dedos quando disseste festa? - perguntou Fiona sem entender.

- Bom basicamente é um convívio, com música à mistura. É um pequeno grupo de ciganos que se reúnem para se divertirem e eu pensei que pudessemos ir. - explicou Catherine.

Fiona não ficou muito convencida, porque tudo o que mais queria era deitar-se na sua caminha e dormir.

- Vá lá Fiona vai ser giro, alguns deles são meus amigos e eu falei-lhes de ti e de como sabes dançar as sevilhanas e eles querem muito ver. Anda vá lá. - implorou Catherine fazendo carinha de criança pedinchona. - O Doug também pode ir se quiser.

- Por mim tudo bem. - concordou Doug.

- Não sei...

Catherine ajoelhou-se à frente de Fiona, juntou as mãos como se fosse rezar, bateu as pestanas e fez beicinho. A típica carinha de cachorrinho abandonado. Fiona fitou-a por momentos até que disse:

- Está bem, está bem, eu vou.

- Boa, anda vamos! - disse Catherine agarrando nas mãos de Fiona e Doug e entrando no navio arrastando-os.

Desceram vários lances de escadas, atravessaram o corredor até que entraram numa sala onde pareciam estar umas dez pessoas, algumas já de idade e outras mais jovens.

- Ei pessoal. - disse Catherine chamando a atenção das pessoas. - Estes são a Fiona e o Doug.

Catherine apresentou as pessoas que estavam na sala mas não conseguiu decorar todos os nomes.

- A Catherine contou-nos que sabes dançar as sevilhanas. - disse um senhor já de idade conhecido como o velho Joe.

- Sim, danço desde pequena, é uma dança típica de onde venho. Eu nascí e vivi até agora em Sevilha.

- Ah Sevilha, bonita terra, também já lá estive. Foi lá que conheci a minha esposa Carmela. - disse Joe como que a recordar algo. - Tivemos uns anos muito felizes até ela morrer de pneumonia à vinte anos.

- Lamento muito. - disse Fiona.

- Não lamentes, é a vida. Mas ela continua. Agora queremos ver-te a dançar.

Fiona olhou para o seu lado esquerdo e viu Doug encostado à ombreira da porta a falar com uma rapariga. Vendo que ele estava ocupado voltou-se para o velho Joe e disse:

- Vamos lá então.

As pessoas começaram a lançar silvos de aprovação e incentivo enquanto abriam espaço no centro da sala para Fiona. Uns estavam sentados, outros de pé, usava um vestido vermelho às bolinhas pretas com folhos pretos perto do fundo e o cabelo estava solto com uma flor vermelha sob a orelha esquerda.

Fiona colocou-se no centro da sala, ergueu um pouco o vestido expondo os pés, fechou os olhos e quando os primeiros acordes do violão começaram a entoar, Fiona expulsou todas as angústias e preocupações e deixou a dança fluir.

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