Capítulo 38 - Alvoroço

A crueldade humana de facto é surpreendente, a sensação de impotência perante uma situação onde a crueldade brota de um ser humano é de facto incomodativa, aliás, é péssima! Sentir alguém ameaçar e atentar contra a nossa vida era a pior sensação que alguém jamais podia sentir. E era essa sensação que transbordava em Fiona.

Sentia a aproximação da espada que Michel empunhava, perigosamente perto, as lágrimas jorravam como se os seus olhos fossem duas fontes e o desespero por a qualquer momento poder ser decapitada prevalecia avassaladoramente.

É neste momento em que se pergunta se a justiça existe, e a resposta é sim, ela existe, porém esta não alcança todas as situações como é o caso desta. Se alguém dissesse que o que estava a acontecer era justo então que repensasse a sua opinião e o seu ponto de vista, pois de justo não tinha nada.

Louis estava em pleno desespero e para piorar a situação estava preso sem poder socorrer Fiona, ajoelhada perto de si com uma espada afiada pronta a ser usada. E o que o fazia ficar mais temeroso era o facto de o homem que empunhava a espada era completamente louco, e bastava olhar para ele para o perceber.

- Não te custa ver a tua espanholita assim, prestes a perder a cabeça? - perguntou Zac contente virando-se para Louis que o fitou com um olhar furioso.

- Tu ainda... Vais... Arrepender-te! - disse Louis com dificuldade e dentes cerrados.

- As tuas ameaças não me causam medo meu caro irmão, por isso ameaça à vontade a ver se vale a pena.

Louis rosnou furioso e tentou debater-se mas a bala alojada na coxa e a queimadura no abdómen latejaram novamente e ele soltou um grunhido de dor.

- Tragam também a Anastácia! - ordenou Zac e imediatamente a duquesa foi arrastada e posta de joelhos mais à vista do povo, perto de Chadd mas ainda distante de Fiona.

Agora foi Chadd quem se alterou e o choro desesperado da esposa só piorou o seu estado caótico. E tal como Louis, a dor dos ferimentos impediu-o de fazer movimentos bruscos.

Oh meu deus! Quanto medo corria nas veias das pobres damas injustiçadas, prestes a pagar por algo que ainda não fora cometido, e ainda por cima de um modo tão frio e cruel quanto cortar a cabeça com uma espada pode ser, era doentio e aterrorizante. E ainda por cima com tantas pessoas a observá-las como um grupo de falcões prontos a atacar só piorava o medo e o nervosismo.

Louis e Chadd entreolharam-se igualmente temerosos, quer dizer aterrorizados, pois ver a sua esposa e amante respetivamente, prestes a ser mortas a sangue frio mesmo à frente dos seus olhos sem nada poder fazer em seu socorro era pior que a sensação de impotência e inutilidade.

Os irmãos estavam presos de modo a que o povo os visse de perfil, Fiona e Anastácia estavam de frente para as pessoas e de lado para eles, já os seus carrascos estavam de costas para o povo. E continuavam a chorar, e motivos não lhes faltavam.

Zac caminhavam em torno delas observando-as com atenção captando cada pormenor, até o peito de ambas que subia e descia ao ritmo descompassado das respirações alteradas evidenciando com um pouco mais de incidência os seus decotes já por si bem abertos. Típico da moda francesa. E ao que parecia Zac estava satisfeito com o que via e não escondia a expressão de satisfação no rosto, claro estava que era para provocar os irmãos, especialmente Louis de modo a enterrar mais a sua reputação. Mas esta não sairia muito manchada pois ninguém ligava se um homem era fiel ou não, já com Fiona a conversa era outra, e sem dúvida que a pobrezinha iria ser tratada com todo o desdém que os nobres da corte conseguiam, pelo menos aqueles que não simpatizavam com ela. E iria deixar marcas.

- Ai Fiona Fiona - disse Zac num suspiro. - Como te adaptas bem à vida e moda francesas, mas espera, tu já és francesa. Franco-espanhola na verdade pois sei que o teu pai é francês e foi deserdado por se envolver com a tua mãe que era emigrante espanhola na época. Pergunto-me o que será feito deles.

- Cala-te! Cala-te pelo amor de Deus! - berrou Fiona ensandecida.

- Deve haver um motivo forte para não quereres falar nos teus pais, e eles nem estão aqui em França contigo, porque será? Fugiste de casa? Foste expulsa? Ou fugiste com alguém? Tantas hipóteses...

- Eles estão mortos! - disse Fiona e todos a olharam, incluindo Louis com pesar e Chadd e Anastácia surpresos com a revelação. - Eles foram mortos sob as ordens do rei de Espanha, foram enforcados, e por pouco que não fui morta com eles! Feliz por saber agora?

O príncipe mais novo aproximou-se da condessa e abaixou-se ficando ao mesmo nível que ela.

- Contente não estou, na verdade estou na mesma pois tal não me afeta, mas não vou perguntar o motivo pois eles não me interessa para nada, não me aquece nem me arrefece. - disse Zac encolhendo os ombros e levantando-se. Entretando Anastácia olhava para a condessa ainda aturdida com o que a mesma dissera.

- Vejo que ainda estás a sofrer com o sucedido, e eu como pessoa solidária que sou vou dar um fim ao teu sofrimento. Michel, faz as honras! - disse Zac dando luz verde para Michel avançar.

O mesmo colocou-se atrás da condessa com a espada reluzente e bem afiada em mãos, de frente para o povo que começava com o burburinho novamente ao ver Michel erguer a espada pronto para desferir o golpe fatal sobre a dama. Entretanto Louis olhava para a amada com desespero latente e visível e Fiona fechara os olhos aguardando a sua hora, pois via que não tinha rota de fuga possível, por isso não valia a pena resistir.

Michel impulsionou a espada na direção do pescoço esguio da morena preparado para cortar a sua cabeça com um único golpe, mas quando estava a milímetros da pele dourada do mesmo um novo tiro faz-se ouvir. De repente não há mais espada nenhuma pois a mesma caiu ao chão das mãos de Michel, e quando Fiona olhou para o seu lado viu-o cair ao chão de barriga para baixo ao seu lado com uma bala nas costas, aí percebeu que o tiro disparado foi direcionado a Michel de modo a detê-lo, faltava saber quem disparou.

Zac sobressaltou-se e pegou numa espada para se defender do invasor, foi nessa hora que Louis sentiu o aperto das cordas afouxar para assim poder soltar-se. Quando estava solto caiu de joelhos ao chão e gemeu de dor, na hora Zac vira-se na sua direção com um olhar aturdido. Estava pronto para ir na sua direção até ser atingido a tiro no abdómen vindo da mesma direção que o primeiro e caindo estaletado no chão, levando Fiona a crer que foi a mesma pessoa que disparou.

Tentou virar-se para onde achava que o tiro fora disparado e viu um homem baixar a arma que empunhava. Foi ele! pensou Fiona na hora e tratou de o observar a ver se o conhecia, mas não o conheceu. Ele tinha cabelo e olhos negros e barba rala escura como o cabelo, a pele era pálida e o corpo era bem constituído. E ele caminhava na sua direção.

Reparou que ele usava uma camisola de lã preta, calças e bota de cano alto, até ao joelho, tudo na mesma cor.

Entretanto outros nobres subiram até ao pequeno palanque e causaram o pandemónio aprisionado os carrascos e soltando Chadd, que juntamente com Louis foram imediatamente carregados para o interior do palácio para serem tratados, acompanhados de Anastácia. Já o tal homem que disparou sobre Michel aproximou-se de Fiona tirando um punhal do coldre e cortando as cordas que prendiam os seus pulsos, depois de a soltar colocou-se à sua frente de cócoras.

- Está bem? - perguntou com a voz grave observando-a com atenção.

- Sim, agora estou. Obrigada. - agradeceu Fiona fitando-o de volta. O desconhecido não sorriu nem nada do género, apenas assentiu e tratou de se apresentar enquanto a ajudava a levantar.

- Sou Oliver Bernier, duque de Orleans, como vos chamais?

- Fiona, condessa de Montbéliard. - respondeu acanhada.

- Eu já ouvi falar de vós, sois amante do rei pelo que ouvi à pouco.

- Conheceis-me pelo meu caso com o rei? - perguntou Fiona sem coragem de o fitar.

- Não! De modo algum. Ouvi falar de vós através do vosso estatuto, do vosso título de condessa. A história do envolvimento com sua majestade soube-o justamente à poucos minutos.

- Pedia-lhe que não voltasse a mencioná-lo por favor. - pediu a condessa abruptamente olhando para Oliver enquanto caminhavam, com o seu braço sobre os ombros largos do duque como apoio.

- Assim farei mademoiselle. - assegurou Oliver.

Os minutos seguintes foram passados em silêncio, mas sabia que vez ou outra o duque Bernier olhava na sua direção pois sentia o peso dos seus olhos negros sobre si. Olhos até que bonitos.

Entraram no palácio e os criados corriam de um lado para o outro alvoroçados para pegar nos utensílios para tratar do rei e do duque. Ao que parecia eles estavam em quartos separados e alguns médicos já lá estavam.

Oliver ajudou Fiona a subir as escadas até ao quarto onde lhe foi dito que Louis estava a ser tratado, podia ter ido sozinha mas Bernier insistiu para a ajudar e, segurando no seu braço por cima dos seus ombros e com a outra mão segurando a sua cintura, caminharam para o quarto de Louis.

Quando lá chegaram o pandemónio estava tal e qual como lá fora, em cima da cama Louis mordia uma almofada para abafar os gritos de dor enquanto o médico tentava extrair a bala alojada na perna com uma pinça. E para impedir que ele se debatesse dois criados agarravam nos braços e outros dois nas pernas de modo a ele ficar quieto.

O seu rosto estava já vermelho de gritar e embora estes fossem abafados pela almofada eram audíveis. Para não atrapalhar Fiona ficou à entrada do quarto com Oliver embora a sua vontade fosse correr até ele.

- Consegui! - disse o médico contente ao segurar a bala com a pinça após a extrair. - Vamos tratar de desinfetar e coser a ferida. Aguente só mais um pouco majestade.

Nem queria imaginar a agonia e a dor que era retirar uma bala da perna com a pessoa consciente, mas o pior já tinha passado. Agora desinfetavam o buraco da bala com unguentos para depois coser de modo a fechar a ferida, e quando começou a cosedura o rei começou a gritar novamente, e aquilo dava a Fiona uma vontade de chorar, e chegou até a soluçar captando o olhar do duque Bernier.

Depois de cosida a ferida trataram de lhe vestir as ceroulas para tratarem da queimadura no abdómen, quando o soltaram e retiraram a almofada o seu rosto estava vermelho e coberto de suor. Uma criada subiu a sua camisa e Fiona não pôde deixar de sentir um ciúme miudinho ao ver aquelas mulheres a observar o abdómen bem definido de Louis. Mas quando é que se tornou ciumenta? Riu mentalmente com o seu pensamento.

- Fiona. - balbuciou Louis num sussurro. - Fiona!

A condessa imediatamente olhou na sua direção e o médico fez sinal para ela se aproximar, soltou-se delicadamente de Oliver e com um pouco de custo caminhou até Louis colocado-se ao seu lado. Uma criada entregou-lhe uma pequena toalha e ela secou o suor do seu rosto, ele olhou na sua direção e sorriu para ela.

- Fiona. - disse ele com um sorriso no rosto. - Estás bem... Mas como?

- Fui salva à última da hora. Mas agora vamos tratar de ti.

- Eu... Eu amo-te Fiona. - disse Louis com a voz fraca e os olhos da condessa encheram-se de lágrimas.

- E eu a ti meu amor. Agora deixa que cuidem bem de ti. - disse Fiona beijando a sua mão.

Louis assentiu e fez uma cara de desconforto enquanto tratavam da queimadura e Fiona segurou na sua mão. Decidiu agradecer ao duque a ajuda que ele lhe deu, mas ao virar-se para a porta do quarto viu que ele já lá não estava.

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