Um

Flora soube que estava em sérios problemas quando viu, pela fresta entre as madeiras da carroça, a placa de uma hospedaria indicando a possível localidade onde se encontrava. Fazia sentido, uma vez que haviam viajado durante toda a noite. Sim, ela, provavelmente, estava em Gibol, cidade divisa dos três reinos de Chail.

Suspirou um pouco irritada com sua condição. Não, talvez ela ainda não tivesse pensado suficientemente no perigo que corria, mas permanecia preocupada demais com o seu baile de Tsalach, quando seria, enfim, apresentada oficialmente como princesa e sua mão estaria disponível para os rapazes ansiosos em cortejar a mais bela e preciosa das mulheres do reino.

Suspirou novamente quando imagens de um homem de cachos dourados e olhos azuis como o céu mais límpido em dias de verão, surgiram, recordando-se do amor de sua vida. Henry estaria lá, pronto para pedi-la em casamento e era por esse motivo que ela precisava arrumar uma maneira de fugir.

— Maldita hora para uma aventura — murmurou alto, intimamente satisfeita por ao menos poder usar palavras proibidas para donzelas gentis e amáveis como ela.

Continuou afrouxando a corda que estava amarrada em sua mão e, apesar de não ser possível desfazer o nó, concluiu que poderia guiar um cavalo com as mãos presas, uma vez que as cordas já estavam frouxas. O problema era como conseguiria se livrar dos capangas.

Tinha sido ingênua suficiente em acreditar que aqueles viajantes a ajudariam a retornar para o palácio, caindo na verdade em uma grande cilada.

A carroça parou e Flora, igualmente, permaneceu imóvel esperando para saber qual seria seu destino. Ouviu vozes repulsivas dos homens sem classe que a capturaram. Pela altura e a maneira arrastada que conversavam, parecia muito bêbados, um ponto a mais de vantagem para a princesa. Esperou e quando percebeu estar esquecida, bateu na madeira.

— Ei, por favor, eu preciso me aliviar — pediu em súplica. — Por favor, preciso esticar minhas pernas também. — Percebendo que ninguém parecia dar atenção, bateu com mais força e gritou: — Dessa maneira não receberão um léchem para meu resgate.

Ela ouviu um murmúrio e palavras que não convém serem repetidas aos olhos do leitor, antes da madeira em cima de sua cabeça ser aberta e os raios de sol penetrarem a pele branca da garota.

— Muito obrigada, senhor — ela agradeceu cortês e se sentou, oferecendo um sorriso gentil ao seu captor. Observou os olhos avermelhados e concluiu que fugir seria mais fácil do que imaginou. — Eu agradeço sua boa vontade.

O homem revirou os olhos, enjoado com o falatório de Flora. Sim, ela já havia os irritado antes, quando resolveram que raptá-la e conseguir encher os bolsos de léchem seria mais vantagem do que aproveitar de sua condição de dama. E, também, se fossem pegos, a punição seria um pouco menor.

O homem se afastou um pouco e Flora pulou para fora da carroça. Ainda com as mãos amarradas, esticou os músculos, alongando o corpo com toda a calma com que havia sido ensinada a manter durante toda sua vida. O homem parecia irritado com a tranquilidade da garota.

— Que belo dia, não? — ela questionou olhando ao redor. Eles haviam parado próximos a um riacho. Os cavalos estavam sendo desamarrados para se refrescar. Tudo parecia conspirar em favor de seu plano. — Se não se importa, senhor, preciso me aliviar — ela baixou o tom de voz e a cabeça para parecer envergonhada.

— Tanto faz — ele respondeu e com a parte de trás de sua pistola cutucou as costas da princesa. — Ande logo, temos pouco tempo antes de retornamos para a estrada.

— Oh, mas senhor! Eu preciso... de um pouco de privacidade. E se pudesse me desamarrar — ela esticou as mãos torcendo para ele cair na dela — eu ficaria grata.

O homem não respondeu. Impaciente, indicou um arbusto com as mãos, ali, bem próximo de onde eles estavam. Ela agradeceu toda a bondade do homem e com tranquilidade, apreciando a vista e muito atenta ao cantar dos passarinhos, caminhou ao lugar indicado.

Flora precisava, de fato, se aliviar, contudo, a fuga era primordial. Longe da vista dos homens tentou novamente soltar as cordas, em vão. Enquanto repassava suas ideias, ouviu a conversa dos captores, zombando de sua postura irritante. Ela riu e espiou entre as folhagens, técnica que havia se aprimorado bastante desde quando caiu humilhada diante de Henry.

Flora suspirou lembrando-se de seu querido, que agora tinha olhos para ela, uma mulher desenvolvida e bonita, diferente daquela ocasião. Balançou a cabeça espantando os pensamentos e se concentrou novamente.

Nem foi preciso muito esforço. Os homens estavam bêbados, cansados e pouco se preocupavam com a garota enfadonha, segundo as palavras deles, que não apresentava muita resistência.

A menina dos cabelos escuros, cujos longos fios estavam trançados nas costas, pé ante pé aproximou-se do cavalo cansado, segurou as rédeas com as mãos amarradas e com um só impulso montou, meio desajeitada, no animal. Ela teria, sim, saído tranquilamente sem ser notada, se sua montaria não tivesse bufado com o desconforto de precisar carregar peso depois de tanto andar durante a noite. Contudo, quando os três homens se viraram, a garota já tinha atiçado o animal que galopava pela trilha dentro da mata até alcançar a estrada.

Com alguns toques gentis e soltando beijos no ar, a jovem pôs o animal a galopar o mais rápido possível, ouvindo os gritos e palavrões ficando cada vez mais distante de si. Sem olhar para trás ela decidiu permanecer na estrada, não se arriscaria novamente por caminhos menos seguros em meio à mata.

Ela começava a respirar tranquila e pensando na possiblidade de poupar o cavalo quando percebeu um trotar atrás de si, aproximando-se cada vez mais. Olhou de relance e, para sua surpresa, um dos seus raptores estava guiando um cavalo distinto, grande, elegante e, diferente do seu, não parecia nem um pouco cansado.

— Porcaria! — ela exclamou e tentou, em vão, atiçar seu cavalo para ir mais rápido.

Ela não era uma mulher dada a fáceis desistências. Continuaria a lutar, enquanto não houvesse mais chance. Porém, suas chances estavam ficando cada vez menores com o homem no seu encalço.

Mas, como o destino até aqui tinha sido o responsável em atrapalhar todos os planos de Flora, novamente ele agiu em favor da nossa querida protagonista, vindo em seu auxílio de uma maneira inesperada.

Da floresta, surgiu um novo cavaleiro, com uma espada reluzente em mãos. O cavalo de Flora se assustou com a aparência repentina e, nervoso, desacelerou o passo. Balançando a crina se recusava a obedecer aos comandos da experiente amazona que o guiava.

— Vamos, cavalinho! — ela pediu acariciando o pescoço dele enquanto o cavaleiro estava cada vez mais próximo. — Por favor, me tira dessa!

A princesa arregalou os olhos, mas o cavaleiro da espada passou direto por ela, embora os olhares tenham se encontrado por um instante. Ela ousou olhar para trás a tempo de ver o seu captor frear, saltar do cavalo e, apavorado, correr para dentro da floresta igual uma lebre assustada.

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